Sobre o meu primeiro desencontro com H. P. Lovecraft

Sobre o meu primeiro desencontro com H. P. Lovecraft

Quando escrevi meu primeiro e único post sobre o Lovecraft, eu ainda estava na fase de me preocupar somente em achar todos os livros dele que foram lançados aqui no Brasil, além de assistir diversos filmes inspirados em sua obra e que geralmente eram do gênero Trash (o que eu, particularmente, curto apesar de alguns apelarem).

Eu havia me apaixonado pelo autor e o fato dele ter sido um dos percursores da Ficção Científica de Horror só serviu para tornar a admiração por ele ainda mais forte. No entanto, apesar de ter lido bastante coisa sobre a vida pessoal dele, tudo o que li se limitava a questões familiares, suas patologias e manias, além de fatos que comprovavam o quão ele era excepcional e autodidata desde criança. Nada do que li remetia diretamente ao lado sombrio do autor. Lado este que não estava ligado a nenhum planeta distante ou cultura alienígena desconhecida. O lado sombrio do H.P Lovecraft era humano.

Apesar de muitas pessoas escreverem que em “O Horror em Red Hook” o autor deixa transparecer a sua xenofobia, eu, por estar imersa na trama e levar ela a sério, abstrai de que qualquer citação ali vinha da pessoa do autor, levando a sério a personalidade do narrador da história. No entanto, isso não foi possível quando tive contato com um trecho do “Caso de Charles Dexter Ward” que foi altamente racista. Mas segui em frente.

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Em uma promoção imperdível da vida, comprei todos os livros do Lovecraft lançados pela editora Hedra a um preço excepcional (sério, eu pesquisei) e só recentemente comecei a ler um por um.

As edições da Hedra, como já mencionei no outro post, trazem sempre uma introdução e alguns apêndices, além de contarem com capas surreais, motivos que me fizeram fã de carteirinha da editora (apesar de que preferiria que todas as edições tivessem uma capa mais dura e/ou reforçada). Enfim, graças a essas curiosidades que o Guilherme da Silva Borges (tradutor e organizador) conta em cada edição, pude me aprofundar no universo íntimo do autor e eu adorei isso.

Li “O Chamado de Cthulhu e Outros Contos”; “Um Sussurro nas Trevas” e, por último, “A Sombra de Innsmouth” e foi com este livro que meu forninho caiu. Confesso que eu já tinha ouvido falar que Lovecraft era um simpatizante do nazismo, mas só depois de ler a introdução deste último livro que me dei conta do que isso representava. Além, claro, de ver na história fatos que deixavam muito nítido que talvez não fosse o narrador e sim o próprio autor quem estava emitindo determinadas opiniões. E, sem querer forçar um spoiler, tem um trecho do livro que não deixa sombra de dúvidas sobre as ideologias do Lovecraft. Foi a partir daí que me senti em um dilema, ainda mais porque me identifico como militante feminista.

Este foi o meu primeiro desencontro com o autor: Como posso admirar a obra de um racista simpatizante com o nazismo? O que isso faz de mim? Confesso que não sei responder a estas perguntas e nem posso afirmar que nada mudou depois disso. Do mesmo modo, devo confessar que não passei a odiar a obra dele e nem que “A Sombra Vinda do tempo” deixou de ser um dos meus livros prediletos, mas o dilema existe. A nível de consolo próprio, eu tento separar o criador da criatura. Acredito que isso facilita as coisas, como da mesma forma pode ser só uma desculpa para seguir lendo as obras dele sem culpa. A grande verdade é que não sei lidar com isso e nem sei se há uma forma certa ou errada de lidar, porque venhamos e convenhamos, há de se levar em conta o contexto histórico e social no qual o autor se encontrava dentre tantas outras coisas, mas isso também pode ser apenas mais uma desculpa. No final, acho que este post foi só um desabafo e também uma confissão.


Texto originalmente postado aqui.

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Feminista e membra da União de Mulheres de São Paulo, onde é coordenadora adjunta do Curso de Promotoras Legais Populares, projeto voltado para a educação popular e feminista em direitos. É viciada em Lego, apaixonada por ficção científica/terror/horror, apocalipse zumbi e possui sérios problemas em procrastinar vendo gif’s e não lembrar o nome das pessoas. No mundo real é advogada.
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