Fandom: qual é o limite do amor de um fã?

Fandom: qual é o limite do amor de um fã?

Quando fazemos parte de um fandom é comum nos sentirmos parte da obra que tanto amamos, mas qual é o limite desse sentimento de posse? Até que ponto os criadores nos devem satisfações?

No começo do mês, algumas novidades nas HQs da Marvel e da DC deixaram os fãs em estado de choque. Com a reformulação do universo DC, soubemos que alguns acontecimentos dos Novos 52 foram obra do Doutor Manhattan, alter ego de Jonathan Osterman, que se tornou um ser com poder quase ilimitado após um acidente no laboratório, como mostrado na graphic novel Watchmen, escrita por Alan Moore em 1987.

Até este ponto, não havia conexão do universo DC da cronologia regular com o universo de Watchmen e a maioria dos fãs não entendeu o porquê de utilizarem uma obra tão fechada em si como Watchmen para concertar problemas das séries regulares, logo, o mau humor foi inevitável e as críticas nas redes sociais foram bem energéticas. A extensão da influência da obra de Moore na nova fase da DC ainda não foi revelada. As revistas lançadas até então foram Batman, Superman, Arqueiro Verde, Flash, Lanterna Verde, Mulher Maravilha e Aquaman e não trataram desse mistério.

Enquanto isso, na Casa das Ideias, em sua nova revista, o mais nobre dos heróis virou a casaca. Capitão América revelou-se como um agente infiltrado da Hydra, organização que ele vinha combatendo há muitas décadas e que representava tudo aquilo que o Capitão se opunha, como o totalitarismo e ameaças à liberdade.

A revolta dos fãs foi tão grande, que o roteirista da revista, Nick Spencer, recebeu ameaças de morte em seu Twitter, o roteirista tentou responder os fãs revoltados dizendo estar admirado com sua paixão pelo personagem e teve o apoio de outros autores como Dan Abnett e Mark Waid.

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Outros fãs mais comedidos ainda tentaram argumentar dizendo que era apenas o primeiro número do título, que a história poderia ter um rumo diferente mais para frente, mas isso não convenceu aqueles que acreditam que Spencer desonrou a história do personagem com tal plot twist.

Escolhas absurdas a parte, nenhum profissional de criação deveria ser exposto a esse tipo de pressão e nem ter sua liberdade criativa limitada.

Os quadrinhos de super-heróis existem desde a primeira metade do século XX, desde então muitas mudanças ocorreram, escolhas boas e ruins foram feitas e os personagens foram transformados, histórias que hoje são canônicas foram muito criticadas na época de sua publicação. Por isso é importante dar uma chance para a mudança e ver quais consequências boas e ruins elas trarão.

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Com isso não quero dizer que os fãs não têm o direito de se queixar quanto aos rumos das histórias que os desagradam, muitas mudanças positivas nos quadrinhos vieram a partir da manifestação dos fãs. A exigência por qualidade nos trouxe ótimas histórias mais reflexivas, a exigência por maior representatividade para minorias também vem ajudando as editoras a se situarem no mesmo passo das recentes conquistas sociais, porém nada disso nos dá o direito de ameaçar a vida de outra pessoa.

Se olharmos para outras mídias, o problema da obsessão dos fãs em ver seus desejos realizados também já causou muitos problemas. O escritor George R.R. Martin, autor das “Crônicas de Gelo e Fogo”, precisou usar seu blog pessoal para se desculpar com os fãs pelo atraso do sexto livro, o que resultou no avanço do seriado de TV em relação a história.

Agora, piadas com seu estado de saúde, sua idade e sua possível e iminente morte são frequentes entre os fãs, como se não bastasse esse pensamento capacitista de que uma pessoa idosa não pode ser saudável, as ofensas dirigidas a ele e seus projetos paralelos não são o melhor estímulo para que os livros saiam logo.

Atualmente é o novo Caça-Fantasmas sofre com o preconceito dos fãs que alegam que sua infância está arruinada por causa do novo elenco, como se um reboot automaticamente invalidasse todos os outros filmes e eles deixassem de existir, tanto o elenco quanto o diretor ouviram ofensas de todos os tipos desde que o filme foi anunciado.

George Lucas também já recebeu tantas ameaças desde o lançamento da primeira trilogia de Star Wars que há alguns anos pensou em antecipar sua aposentadoria dizendo que não valia a pena continuar trabalhando com tantas pessoas gritando que ele era péssimo.

Nerds são conhecidos por sua paixão e devoção aos seus objetos de interesse, mas precisamos aprender, com urgência, que o ódio não é a melhor forma de demonstrarmos nosso amor. Os profissionais que trabalham com criação, sejam eles roteiristas, diretores, ou produtores precisam ter certa liberdade para trabalhar sem temer por suas vidas, ou sua segurança e a qualidade de um produto de entretenimento deve sempre vir antes do nosso orgulho ferido.

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46 Textos

Formada em Comunicação Social, mãe de um rebelde de cabelos cor de fogo e cinco gatos. Apaixonou-se por arte sequencial ainda na infância quando colocou as mãos em uma revista do Batman nos anos 90. Gosta de filmes, mas prefere os seriados. Caso encontrasse uma máquina do tempo, voltaria ao passado e ganharia a vida escrevendo histórias de terror para revistas Pulp. Holden Caulfield é o melhor dos seus amigos imaginários.
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