Stranger Things: uma aventura sci-fi com um toque de Stephen King

Stranger Things: uma aventura sci-fi com um toque de Stephen King

No último fim de semana peguei para assistir a nova série da Netflix, Stranger Things, produzida e escrita pelos The Duffer Brothers (Matt e Ross Duffer) e com produção executiva de Shawn Levy. A série entrou no catálogo da Netflix no dia 15 de julho, e já confirmaram a segunda temporada, ainda sem data para lançamento.

Ambientada nos inícios dos anos 80, trazendo em seu elenco alguns artistas famosos dessa época que estavam sumidos das telas como Winona Ryder e David Harbour.

A história se passa numa pequena cidade do Estado de Indiana, Hawkins. Numa noite aparentemente normal, o garoto Will Byers depois de passar o dia com os amigos jogando RPG, desaparece no caminho para casa. Na manhã seguinte, quando os amigos de Will vão procurá-lo na floresta perto da casa deles encontram a misteriosa garota de cabelos raspados Eleven (Onze), e a partir daí muitos mistérios e desaparecimentos sinistros tomam a cidade.

Para os nostálgicos dos anos 1980 a série é um prato cheio, com cara de filme adolescente de aventura da sessão da tarde, e uma trilha sonora recheada de Punk/Rock80’s. A série te joga numa aventura sci-fi com um toque de Stephen King. Durante todos os episódios há vários detalhes no cenário que remete filmes e seriados da década de 1980, desde uma Falcon Million a um poster do filme “Tubarão”.

Stranger Things
“Dugeons and Dragons”. Ao longo da série há varias referências ao jogo

Stranger Things tem apenas 8 episódios, com ritmo de filme de suspense e jogos de câmeras propositais. A cenografia e a indumentária estão impecáveis, com direito a muitos suéteres, penteados estilo Jane Fonda e telefones com discador giratório.

Contém spoilers abaixo

O roteiro da primeira temporada de Stranger Things

A série tem uma boa pegada de suspense, falas bem escritas, cortes de cena bem trabalhados e sem erros de continuidade, o que faz você ficar preso aos capítulos querendo saber o que vai acontecer no próximo, praticamente te obrigando a fazer uma maratona. Mas tem muitos pontos que eu acabei não gostando e ficando bastante frustrada, através das repetições de estereótipos e sobre a mesma disseminação do bulliyng como forma de diferenciar “os populares” dos “excluídos”.

Vamos começar pelos pontos positivos da série. Um dos pontos que eu achei mais interessantes é que as pessoas que mais se empenham para encontrar o menino perdido são a mãe do garoto, Joyce Byers (Winona Ryder) e o delegado Jim Hopper (David Harbour). É uma das poucas obras que não possui uma temática policial, onde podemos ver um delegado realmente focado no caso e fazendo de tudo para resolver e salvar o garoto.

Assim que Joyce percebe que tem muitas coisas estranhas relacionadas ao sumiço do filho, como luzes piscando e telefones entrando em curto sem motivo aparente, ela aceita o sobrenatural da situação. Buscando avidamente como conseguir manter contato com o filho desaparecido, ela percebe que consegue se comunicar pelas luzes da casa.

O delegado não se deixa abater ou desistir. Quando encontra o corpo do menino desaparecido, ele desconfia da situação e vai até o final em busca da verdade. Quando confrontado pelo monstro e o rastro que ele deixa, ele aceita o sobrenatural e se empenha mais ainda em encontrar o menino, se unindo a Joyce na busca implacável no resgate de Will.

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Em contraponto à busca de Will pelos adultos temos ainda mais duas buscas: uma feita pelos seus três amigos com a ajuda de Eleven, a garota com poderes psíquicos; e do outro lado, a dupla de “irmãos mais velhos” composto por Jonathan (irmão de Will) e Nancy (irmã de Mike, melhor amigo de Will) que buscam achar Will e Barbs, amiga de Nancy que também desaparece sem deixar rastros. Posteriormente a dupla ganha ajuda do namorado de Nancy, Steve.

A abordagem ter três frentes com o mesmo objetivo é bem interessante, mas num certo momento da história é desnecessária. A partir do momento que Jonathan e Nancy comprovam que Joyce estava certa sobre o desaparecimento de Will, é errado eles não contarem para a mãe dele e unirem forças. Os três lados só unem força no penúltimo capítulo da série. Ou seja, dá forma que a história estava ocorrendo, poderia ter acontecido muito antes.

Os pontos que realmente precisam ser problematizados na série

Primeiro ponto: a série não passa no teste Bechdel, mesmo tendo três mulheres encabeçando o elenco principal, elas não conversam entre si. A única cena que temos de interação é da Eleven conversando com Joyce, no penúltimo capítulo, onde ela conforta a garota e a encoraja para entrar na banheira, que ampliará os poderes da menina e a ajudará a encontrar Will. Mas apesar do encorajamento feminino, o ponto principal do diálogo é Will. Os outros poucos diálogos feitos entre o elenco de família são sobre homens, seja sobre o conceito de família ou de namoro, as conversas giram em torno de homens. 

A série não aproveitou devidamente o elenco feminino. Mesmo o papel de Joyce – uma mãe guerreira que trabalha e cria os dois filhos sozinhos – ficou superficial. Não fosse a atuação maravilhosa de Winona Ryder, provavelmente a falta de profundidade no papel poderia ter prejudicado a história. A personagem foi criada para ter problemas emocionais, e mesmo conseguindo lidar com o problema, a personagem cai no estereótipo de “mãe solteira neurótica”, papel tão comum nos anos 80.

Só porque a série é ambientada nos anos 80, ela não precisa cometer os mesmos erros, apresentando certos estereótipos de gênero. Poderia consertar esses problemas mostrando toda a profundidade que esse tipo de personagem poderia ser.

Stranger Things

Outro ponto importante é a própria Eleven, que foi criada no modelo digno de Chi do mangá Chobbits. A personagem passa a série toda com falas praticamente monossilábicas. Apesar de superpoderosa, Eleven passa a série toda muito dependente dos seus salvadores (os amigos Mike, Dustin e Lucas).

Ela não consegue se libertar, se descobrir ou mesmo pensar em que caminho ela quer trilhar. Na maior parte da história é a garota superforte, com fragilidades emocionais que precisa de um homem para ajudar a superá-las. Incomoda a falta de ação e falas elaboradas da personagem. Poderiam ter dado um vocabulário mais rico pra ela.

Sobre a representação de Lucas, ele é o único personagem não caucasiano do elenco principal. Lucas é apresentado como um garoto inteligente, medroso e desconfiado, que rompe relações com os amigos numa parte da história por ciúmes de Eleven, a chamando de traidora. Deixando ele na posição de personagem-negro-medroso-que-acaba-causando-problemas, outro estereótipo clássico irritante.

Por que não colocar ele como o garoto que compreende a situação? Que busca por uma solução prática sem cair no medo babaca e estúpido masculino? Ele acaba sendo o personagem que segrega meninos e meninas com aquele velho discurso que “meninos não podem ser amigo de meninas, porque elas sempre destroem as amizades masculinas”. AFF… sério!? 

Stranger Things

Por fim, Stranger Things é uma série que conquista através da utilização dos elementos de terror e suspense na medida certa, que podem deixar pessoas mais sensíveis de cabelo em pé. Todos os episódios são bem construídos deixando um gancho e a vontade de assistir a série até o fim. A 1ª temporada poderia ser melhor, se deixasse de lado certos estereótipos tão enraizados na história.

Deixo vocês com uma das músicas que eu mais gostei e faz parte da trilha sonora da série:

Você poderá ouvir a trilha sonora completa no Spotify.

Escrito por:

14 Textos

Formada em museologia, mestranda em Preservação do Patrimônio Cultural. Ilustradora e quadrinista amadora. Amante de animação, quadrinhos, artes e cultura geek. Fã do CLAMP, Arakawa Hiromu e Neil Gailman. Esse aristas influenciaram seu gosto por fantasia e por querer entrar no mundo de quadrinho. Apaixonada por dragões, se possível teria um de estimação. Sonha em conseguir publicar suas história e viver delas.
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