Ginger & Rosa: o amadurecimento feminino durante a Guerra Fria

Ginger & Rosa: o amadurecimento feminino durante a Guerra Fria

Ginger & Rosa” é um filme sobre o qual muito havido lido – positivamente -, mas que demorei a ver, mesmo estando disponível na Netflix. E toda a demora para assisti-lo gerou um arrependimento diante da qualidade da obra. O filme, dirigido por Sally Potter e estrelado por Elle Fanning e Alice Englert, narra, através de um bom enredo e uma ótima imagem, a passagem para a vida adulta de duas jovens durante a Guerra Fria.

Contém Spoilers

ginger e rosa 01Ginger e Rosa, personagens que dão título à obra, nasceram no mesmo dia de 1945, ano em que a Segunda Grande Guerra fora finalizada. A ligação iniciada pela coincidência da data apenas foi reforçada com a convivência nos anos que seguiriam. As duas cresceram próximas e tornaram-se grandes amigas, apoiando uma à outra nos momentos de crise.

Assim foi quando o pai de Rosa abandonou a família e quando as crises no casamento dos pais de Ginger tornaram-se constantes. Tudo levava a crer que a amizade duraria para sempre. Os tempos mudam, porém. Guerras começam e terminam. As pessoas crescem, e os pensamentos mudam. E em uma questão de segundos, o mundo por nós conhecido pode acabar.

O estopim para a reviravolta na vida das adolescentes é a separação de Roland e Natalie, pais de Ginger. Natalie abandonou todos os sonhos de sua juventude e um futuro na pintura, para seguir o marido pacifista e escritor. Os anos de casamento, contudo, não lhe trouxeram a felicidade ou o reconhecimento que almejava, tornando-a cada vez mais amargurada. Roland, pelo contrário, nunca abandonou seus ideais, o que faz com que sua filha, ginger & rosa 02Ginger, não o responsabilize pela falha no casamento.

Contudo, embora não admita, Ginger consegue entender o ressentimento de sua mãe, consegue sentir o egoísmo do pai, que odeia até mesmo ser chamado de pai. Ainda que o idolatre inicialmente, Ginger sente que viver com ele nunca será uma opção razoável, mesmo estando cada vez mais descontente com a depressão da mãe.

Em resposta à separação dos pais, Ginger envolve-se cada vez mais com a política. A angústia do conflito interno é transferida para a ameaça de uma guerra nuclear. Ginger era aquela que via tudo, que tentava gritar, mas não conseguia e que, ao ver a destruição de sua vida, passou a focar na destruição do mundo. E assim, sua personalidade forte e não convencional começa a se destacar – e a causar conflitos com aqueles que desejam lhe encaixar entre os padrões femininos da época (aprender a cozinhar e ser uma boa dona de casa, ensinamentos rejeitados pela protagonista). Ainda que a autenticidade de sua rebeldia seja colocada à prova, ninguém pode negar que Ginger lutava por seus ideais.

ginger & rosa 04Enquanto Ginger estava focada em lutar contra a ameaça de uma guerra nuclear, Rosa desejava apenas encontrar um grande amor. Se foi o abandono do pai ou se era algo inerente a ela, ninguém pode dizer. O que se tem é que Rosa amava o amor. Sua vida era dedicada a sonhar, a ler sobre e pensar sobre romances e vive-los intensamente.

Encontrava-o nos lugares mais improváveis e se entregava sem pensar nas consequências. Rosa é retratada como a menina deslumbrada, que quer fugir de seu passado e do que sua mãe se tornou, vindo justamente a encontrar o destino que não queria, embora não consiga reconhecer isso. Pensa ser inovadora, pensa estar vivendo livremente, enquanto repete os passos de sua genitora. E sua atitude inconsequente é o que mais a afasta de Ginger.

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Ainda que no título do filme figure o nome das duas personagens, a obra foca muito mais na análise de Ginger. Aborda, sobretudo, a sua descoberta enquanto ser político e de sua descoberta enquanto amiga. Vê a vida sob sua visão, mostrando seus sentimentos em relação aos atos de Rosa, de Roland, de Natalie, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da União Soviética, etc. A imagem a ser passada ao espectador – uma imagem de grande beleza, ressalto – é aquele que se passa pelos olhos de Ginger.

Os personagens foram bem desenvolvidos e as atuações foram boas. O personagem de Roland, por exemplo, começa como um ídolo não somente na mente das duas meninas, mas também na visão daqueles que assistem ao filme. Como já abordei, no entanto, outros traços de sua personalidade são revelados aos poucos. Sua insensibilidade e arrogância ao desprezar ideias diferentes das suas – como as que Ginger começa a apoiar – conduzem-nos e um sentimentoSally potter 01 de antipatia para com o personagem, mesmo com o encantamento inicial.

Do mesmo modo, tanto Ginger quanto Rosa são muito bem descritas psicologicamente, delineando trajetórias bastante coerentes. Destaco, ainda, a personagem de Natalie, uma mulher amargurada inicialmente, mas que se revela uma mulher cheia de sensibilidade, a qual está presa pelo machismo da vida que levou e que, como tantas outras, viu-se perdida a partir do momento em que o marido, pretenso dono de sua vida, decide largá-la.

O mais interessante, foi que o filme não se limitou à temática da amizade e à temática da política mundial, mas uniu-as de forma a tornar-se um único tema. “Ginger & Rosa” conseguiu trazer a influência da política na vida pessoal de duas jovens que nada possuíam de extraordinário e a influência das experiências pessoais na vida política delas. Ainda, tratou de temas como machismo e feminismo – as palavras, em momento algum, foram levantadas, mas, conformei explanei acima, é elemento importante da história –, o tema do armamento nuclear, do envolvimento dos jovens nas lutas, dos desejos de vida e das amizades construídas.

GINGER AND ROSA by Sally Potter

O final é incerto. Não se sabe o que será da vida de cada um dos personagens dados os acontecimentos finais. O filme se desenrola até que a protagonista sucumba a todos os acontecimentos ao seu redor. Em uma espécie de explosão, a história é finalizada. E, enfim, uma mensagem de Ginger para Rosa, sobre a amizade que iniciou toda a trajetória e sobre as mulheres, iguais ou diferentes àquelas que lhes deram a vida, que elas se tornaram.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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