O ano ainda não acabou, mas já podemos dizer que “Stranger Things” está entre os maiores sucessos das produções televisivas desse ano. A série da Netflix conquistou seu público apostando em elementos nostálgicos que encantaram aqueles que viveram suas infâncias entre as décadas de 1980 e 1990, você pode ler a nossa crítica sobre a série aqui. Mas um dos pontos mais interessantes em Stranger Things foi o conceito do Mundo Invertido, um lugar ao qual só temos acesso via portais extra-dimensionais e que são habitados por monstros e perigos que nós humanos só podemos sonhar a respeito.
Enquanto os astrofísicos desenvolveram a teoria dos chamados universos de bolso e o falso vácuo há menos 37 anos, na literatura esse conceito de um mundo de cabeça para baixo é algo muito mais constante e antigo. Podemos encontrar exemplos disso ainda nos clássicos ccomo o mito de “Orfeu e Eurídice”, ou na viagem ao inferno em “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. O conceito sobreviveu também em livros mais modernos como “Alice no País das Maravilhas” e claro, no primeiro romance de Neil Gaiman: ” Lugar Nenhum“.
A história do livro nasceu como o roteiro para uma minissérie de seis episódios da BBC, escrito por Neil Gaiman e exibida em 1996, e posteriormente foi transformada em um romance.
Esta é a história de Richard Mayhew (interpretado por Gary Bakewell no seriado), um jovem escocês que vive em Londres trabalhando em um monótono emprego de gravata e escritório. Richard tem um bom salário, um bom apartamento e até mesmo uma noiva bonita e bem sucedida. Em outras palavras, Richard está com a vida feita. Mas tudo muda quando, em uma caminhada noturna ele esbarra em uma garota ferida que acaba de surgir de dentro de uma parede, a quem, aparentemente, ele é o único que consegue enxergar. Não que ela seja invisível, mas as pessoas que a veem acabam se esquecendo dela alguns momentos depois e seguem sua vida. Isso porque Lady Door, a garota, é uma habitante da Londres de Baixo, um mundo subterrâneo paralelo que coexiste com a Londres de Cima, onde tudo é exatamente igual, exceto pela magia e pelos perigos que espreitam cada esquina. Door é a única sobrevivente de um massacre e está fugindo dos dois assassinos que mataram sua família.
Richard decide levar a garota para o seu apartamento para que ela possa descansar e cuidar de seus ferimentos, ela pede que ele entre em contato com alguém chamado Marquês de Carabas que poderia ajudá-la em sua fuga. Não quero dar spoilers do que acontece, mas é importante saber que após ajudar Door, Richard passa a ser uma não-pessoa e por isso ele se une a Door em sua jornada para tentar recuperar sua antiga vida.
O mundo da Londres de Baixo é um dos pontos altos do livro, aqui temos mercados flutuantes, cortes reais em vagões de trem, monstros que habitam o vão entre o trem e a plataforma (entende agora porque você sempre deve esperar atrás da linha amarela?) e enquanto nos guia por essa viagem, Neil Gaiman presta uma homenagem a Londres e sua história milenar.
Os personagens são muito bem construídos, Richard Mayhew é a representação de uma juventude cobrada a ter sucesso em todas as áreas da vida cada vez mais cedo, deixando de lado a busca por aventuras pessoais e qualquer traço de individualidade. Você pode ficar um pouco frustrado com Richard no começo do livro, mas é muito difícil não se identificar com a busca pessoal do personagem por um sopro de vida e significado em uma rotina mecânica.
Gaiman também aproveita o cenário fantástico para tratar de assuntos importantes, como o tratamento dado aos moradores de rua e pessoas em situação de risco, como mulheres e crianças abusadas, idosos abandonados pela família, miseráveis que recebem pouca ajuda da sociedade e são vistos, na maioria das vezes, como não-pessoas.
A BBC também encenou a história em uma série de seis programas de rádio, contando com as vozes estelares de James MacAvoy (X-Men: First Class) como Richard Mayhew e Natalie Dormer (Game of Thrones) como Door. A produção ainda contou com a participação de Benedict Cumberbatch, David Harewood e Sohpie Okonedo. A história também foi transformada em quadrinhos e publicada pelo selo Vertigo da DC em 2005, com roteiros de Mike Carey e arte de Glenn Fabry.
Lugar Nenhum
Neil Gaiman
336 páginas
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