“Nise: o Coração da Loucura” e a eterna condição do outro

“Nise: o Coração da Loucura” e a eterna condição do outro

“Meu instrumento é o pincel, o seu é o picador de gelo”

Lançado em 2015 o filme “Nise: O Coração da Loucura” nos leva a entender a história da psiquiatria humanista no Brasil, impulsionada principalmente por Nise da Silveira. O filme retrata a revolução da arte na vida do cidadão louco, nesse caso, um grupo de artistas escondidos no engenho de dentro, um manicômio desativado.

Não contém spoilers

É durante o processo de redemocratização do país que surge a luta antimanicomial, que consiste numa reforma psiquiátrica que vai diretamente contra a popularização de métodos de tortura como justificativa de tratamento e até cura de pacientes. Lobotomia, choques elétricos eram só alguns dos métodos utilizados como experimentação em pessoas com sofrimento psíquico, é daí que percebemos quem num sistema cruel, determina como humano ou não.

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O cidadão louco num ambiente opressor, como no engenho de dentro, retratado no filme, tem sua humanidade e autonomia negada, é num eterno ciclo de determinar como “ser normal”, ou como estar integrado socialmente que se nega direitos e a plena vida, nessas condições encontram-se todos seres marginalizados pela sociedade. Com recorte é possível apontar o quão o processo violento de normalização humana privou mulheres de exercerem suas vontades.

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A história da normalização compulsiva dos indivíduos perpassa assim o uso do manicômio como meio para excluir determinados grupos da vida em sociedade, dentre eles LGBT’s, mulheres, negros e negras, que segundo a lógica opressora e a violenta padronização do ser destoavam o ambiente, questionavam a autoridade de comportamento e viviam plena sua existência. Quantas mulheres já não foram trancafiadas em manicômios por simplesmente trabalharem, ou serem solteiras ou exercer da arte um ofício? (Camille Claudel é um exemplo) Bastava um grito, para que a mulher perdesse direito emprestado a vida pelo seu opressor, e taxações de histeria eram mais normais do que hoje.

É necessário analisar com intersecções como agem as instituições reguladoras da mente dos seres, diagnósticos de mulheres não eram pautados em análises científicas (outra instituição patriarcal), eram feitos por seus pais e irmãos, geralmente o homem mais próximo da família. No filme não vemos forte o protagonismo feminino em questão a loucura, só temos uma personagem (Adelina), que é incluída no programa de terapia ocupacional com a doutora Nise, que durante a vida sofreu arduamente com o machismo no âmbito político e de trabalho. No filme ela até fala “Jung é um machista, que surpresa”. Influenciada em seus estudos ela contata o doutor em busca de entender melhor o processo de tratamento ininterrupto de seus “clientes”, forma designada por Nise para se referir aos internos do engenho de dentro “nós estamos aqui para servi-los”.

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Falando em machismo, mesmo não sendo cliente da instituição, Nise também sofria constantemente com a coerção e cerceamento de seus colegas de trabalho. Se pararmos para pensar, mesmo num ambiente suscetível a práticas de tortura, a palavra de um homem contra tais tratamentos seria mais válida, e durante o filme é notório que mulheres eram vistas em posições profissionais de serviço a masculinidade presente.

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Boatos que é sergipana e que faz cinema e audiovisual, boatos também que quando crescer quer ser uma mistura de Marcia Tiburi e Diane Arbus, mas por enquanto só vê série e lê textão, mas são só boatos.
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