[QUADRINHO] “Red Thorn” da Vertigo – Os erros e acertos (resenha)

[QUADRINHO] “Red Thorn” da Vertigo – Os erros e acertos (resenha)

Red Thorn é uma série de 2015, publicada pelo selo Vertigo da DC Comics, escrita pelo escocês David Baillie e desenhada por Meghan Hetrick. 

Nas ruas ensopadas de chuva em Glasgow, uma garota cujos desenhos de alguma forma ganham vida acaba de esbarrar em seu verdadeiro amor. E alguns quilômetros abaixo dessas ruas, um antigo semi-deus planeja sua fuga da prisão onde ele tem sido mantido por quase dois mil anos. Forças malignas se agitam e ninguém está a salvo quando as lendas da mitologia escocesa colidem com o mundo moderno.”

A história é sobre Isla Mackintosh, uma jovem adulta que descobriu o poder oculto de seus desenhos quando um deles matou um professor quando ela ainda estava no colegial, o que faz com que ela prometa nunca mais desenhar um ser humano. Isla vai à Escócia para tentar resolver o desaparecimento de sua irmã mais velha, que sumiu há 25 anos e que supostamente teria o mesmo dom que ela.

Vamos aos pontos positivos:

RTHORN_Cv2_SOLICITRed Thorn está cheia de boas ideias e muito potencial. David Baillie nos entrega uma boa ambientação, uma fantasia urbana para jovens adultos, onde o choque entre o moderno e o antigo ditam o ritmo. A mitologia escocesa é um trunfo, já que é raro vermos o tema ser abordado em histórias em quadrinhos (só consigo me lembrar do “Slàine”, de Pat Mills). Temos uma protagonista feminina que foge do estereótipo de chutadora de bundas masculinizada, que é bem frequente nas HQs. Ela possui um dom que muitas vezes se prova uma maldição, pois além de ganhar vida, seus desenhos, de alguma forma, também mudam a realidade e a linha do tempo.

Thorn, o personagem que dá origem ao título, é um trapaceiro, assim como o Loki nórdico, ou o nosso Saci. Um anti-herói nato, egoísta e manipulador que vai na mão contrária à famosa jornada do herói. Ele busca vingança contra um outro deus, o que garante muitas cenas de luta quando os dois resolvem se atacar.

Em certo ponto da série, o racismo e xenofobia dos europeus contra pessoas não-brancas é mostrado, quando o marroquino Tarek precisa lidar com o ódio dos escoceses contra ele, até mesmo Thorn se mostra irritado com a estupidez dos humanos. Não tem como saber exatamente quando o roteiro foi escrito, mas nessa parte ele se encaixa perfeitamente com a situação atual que vemos na Grã Bretanha, após os recentes eventos do Brexit, e na Europa como um todo desde 2014, com a chegada dos refugiados.

A desenhista Meghan Hetrick faz um bom trabalho com seus personagens de tipos físicos variados e expressivos. Nas partes onde a magia é mais proeminente, seu trabalho se destaca.

Agora vamos falar da parte chata na HQ:

O maior problema da série no geral é o foco. Começamos a ler o quadrinho acreditando que a busca pela irmã de Isla é o ponto importante na história, mas logo somos jogados em flash-backs e depois há um “pulo” de um ano na história, que nos mostra Isla vivendo com o cara que ela conheceu em sua primeira noite em Glasgow, o amor de sua vida.

Só depois desse ano sabático, que a busca pela irmã ganha força novamente, mas ela logo é tirada de foco quando Thorn a arrasta para uma luta mitológica com seu inimigo ancestral, que envolve roubar um exército de goblins. Essas indas e vindas não tornam o quadrinho difícil de acompanhar, ou entender, mas deixam com uma cara bem bagunçada e por falar em bagunça…

Nós estamos sempre falando em como o protagonismo feminino é importante, mas para isso não  basta colocar uma mulher no suposto papel principal. Isla é tão confusa quanto a narrativa da HQ, e não em uma maneira boa de se dizer, a confusão não é intrínseca de seu caráter, mas sim um erro de roteiro.

No começo, podemos entender que ela é uma mulher em busca do elo perdido em sua vida, a irmã que desapareceu antes dela nascer, o que causou grande impacto em toda sua vida, já que ela sempre foi uma espécie de “filha substituta” para seus pais. Além disso, ela procura responder a questão sobre seus misteriosos poderes, isso é tão importante que ela se muda dos Estados Unidos para a Escócia em nome dessa descoberta. Entretanto, tudo isso é largado de lado, em um instante em nome do amor a um cara com quem ela passou algumas míseras horas (que ela conheceu num bar enquanto ele lia um livro de Albert Camus) e se tornou o amor de sua vida. Lembra aquela história tóxica que as comédias românticas perpetuam mostrando o casal que se apaixona instantaneamente como fruto do destino? Então, né.

Como se isso não bastasse, a personagem continua quebrando suas regras auto-impostas, como a de nunca mais desenhar um ser humano depois do que aconteceu com seu professor na escola. Mas no momento em que ela precisa escapar para seguir uma pista sobre a irmã, o que ela faz? Isso mesmo, desenha uma versão de si mesmo e larga o namorado com essa cópia, sem se preocupar se o desenho sairia de controle (é claro que sim), assim como não se importa com algumas atitudes de Red Thorn, como convencer  um garoto mudo a fugir de casa e levá-lo para o outro lado do mundo, só pelo dom que ele possui de criar mapas fantásticos.

RTHORN_Cv3_previewsTambém preciso falar da roupa e caracterização do Red Thorn, já que a gente sempre fala da roupa das personagens femininas nos quadrinhos.  Podemos acreditar que o autor estava ciente dessa polêmica sobre a nudez feminina e tentou fazer o contrário. Pode ser que os deuses escoceses gostassem de moicanos e alargadores, mas por mais que seja interessante um personagem masculino seminu por boa parte da história, é difícil engolir o visual de rockstar para um semi-deus milenar; se ele ainda tivesse adotado a calça de couro e o coturno com espetos depois de sair da prisão, mas vemos o mesmo Thorn de moicano e alargador 4 mil anos antes do arco principal da história começar. A roupa precisa ter algo mais a dizer sobre o personagem, além do “Olhem como sou gato”.

Mas então a HQ vale ou não a pena?

Red Thorn acaba sendo um pouco decepcionante, principalmente por se tratar de um título da Vertigo. Se por um lado a HQ possui grande potencial e muita originalidade, além de uma arte bonita e bem feita, os erros na construção dos personagens e na estrutura narrativa a tornam inconsistente. A série melhora um pouco mais para o final, mas ainda assim é muito aquém da qualidade Vertigo que todos esperam.


Red Thorn, Volume 1: Glasgow Kiss

David Baillie

Vertigo

144 páginas

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