[LIVRO] “Às vezes ouço minha voz em silêncio”: intensos contos de mulheres caladas (resenha)

[LIVRO] “Às vezes ouço minha voz em silêncio”: intensos contos de mulheres caladas (resenha)

Na última semana nossa equipe foi agraciada por um singelo e agradável presente, que até mesmo em seu envelope de envio denotava ternura. Estamos falando do belo livro “Às vezes ouço minha voz em silêncio” da talentosíssima Priscilla Matsumoto.

Primeiramente vamos apresentar essa genial escritora brasileira. Priscilla Matsumoto é do estado do Rio de Janeiro, se formou na UFF em Produção Cultural e na Escola de Cinema Darcy Ribeiro em Roteiro Cinematográfico. Possui experiência considerável em dramaturgia e figurinos, tendo a adquirido durante dez anos de trabalho numa companhia teatral fundada com os amigos. Ingressou e largou a graduação em Moda, porém alterna seu tempo entre escrita e costura. Suas fontes de inspirações são variadas abrangendo desde Albert Camus ao grupo CLAMP, indo de Haruki Murakami a Anne Rice. Logo de início ela já mostrou ao que veio, tendo seu primeiro romance “Contos Noturnos da Princesa Borboleta” como finalista do prêmio SESC de Literatura, Edição 2011/2012. Ano passado lançou seu livro “Ball Jointed Alice – Uma História de Amor e Morte” (terá resenha sobre ele na próxima semana) pela Editora Draco.

Às vezes ouço minha voz em silêncio

“Às vezes ouço minha voz em silêncio” é um livro que reúne variados contos, todos eles tendo protagonismo feminino. Essas mulheres que são silenciadas de alguma forma mostram o que há por traz das palavras que nunca disseram, seus desejos jamais expressos, suas emoções nunca notadas, todas procurando alcançar seus objetivos de maneiras próprias. Elas deixam de ser apenas mais um indivíduo na multidão, que como gado segue o que lhe é ordenado, e passam a ser verdadeiramente as donas de suas próprias escolhas e vidas.

Falaremos um pouco de cada conto em busca de estimular vocês a conhecerem essa obra, e não faremos nenhuma revelação inconveniente, então podem ler com tranquilidade. Vamos lá:

Às vezes ouço minha voz em silêncio

“Às vezes ouço minha voz em silêncio” (Conto 1): Somos apresentados a uma adolescente criativa e dona de uma mente espetacular. Ela é presa a um ambiente onde grandes sonhos não são permitidos, e isso lhe causa intenso desconforto e raiva. Obrigada a seguir um padrão de vida e um futuro que verdadeiramente não deseja, se vê sem opção e refúgio. A alternativa escolhida é engolir seus sentimentos em palavras e os expressar em lágrimas no silêncio. Até que chega de forma estranha em sua vida uma menina de cabelo azul.

“Yong e a livraria” (Conto 2): Lembranças de uma jovem mulher sobre o dia em que foi abordada por um homem sul-coreano numa de suas eventuais ida à livraria. Poderia passar por um evento comum e sem importância, mas nada é ordinário quando se tem uma mente detalhista e investigativa.

“Amor Fati” (Conto 3): Uma mulher de 40 anos comum, com uma vida comum, num emprego comum, sem nunca ter alcançado o “sucesso” que a sociedade exige. Só mais uma pessoa como tantas outras, sofrida e acomodada com as opções que a vida oferece. Alguém que evita debater opiniões, tendo certeza da invalidade dessa ação, aceitando o que lhe é imposto. Sua única diversão é tentar adivinhar os nomes dos estranhos e não deseja nada muito além disso. O assustador pedido de uma garotinha faz com que seu dia deixe de ser simplório e atinge sua “armadura de acomodação”. Uma conversa que abrange muitos temas. Somos quem realmente queremos ser, ou apenas quem os outros veem ou esperam que sejamos?

“O menino invisível” (Conto 4): A história sobre uma jovem pianista e os fantasmas de um garoto invisível e de uma mulher grávida, que coabitam seu quarto. Na noite anterior à uma prova de suma importância em sua carreira, ela e os dois seres sobrenaturais começam a interagir numa sincera conversa sobre quem são e os motivos que os levaram a estar ali. É possível que na busca de um sonho você se perca de tudo e ao alcançar o sonho se torne um ser completamente vazio?

“Coisas preciosas” (Conto 5): O fim de um relacionamento nunca é fácil, e não dificilmente um dos lados sai bastante ferido. Quase sempre queremos odiar um ao outro para assim nos sentirmos menos machucados, é dito que o ódio pode se tornar um sentimento superior à mágoa. Mas o que fazer quando as lembranças das coisas boas são as que não conseguimos esquecer?

“Trilogia do peixe – Conto 1 – Biscoito, girassol e peixe” (Conto 6): Uma mocinha que nutre grande paixão por girassóis. Seus outros amores são cozinhar biscoitos, seu vizinho (ainda um rapaz que desconhece os sentimentos da moça), e cuidar de seu peixe dourado. O rapazinho nutre grande afeição pela moça, mas é tímido e não sabe como iniciar uma conversa, e toda a interação que consegue ter com sua amada é um simples cumprimento. Um belo dia os dois decidem por si mesmos mudar essa situação e fazer presentes um para o outro, mas nada é tão simples quanto parece.

“Dois espíritos” (Conto 7): As reflexões de uma mente que se sente obrigada a fazer uma escolha importante, tal opção mudará totalmente sua visão sobre si. Decidir por qualquer um dos lados é abandonar uma parte própria já fragmentada e também anexar uma parte que está fora de alcance. Neste conto acompanhamos toda a inquietude da auto-reflexão dessa mente com uma percepção tão profunda sobre si.

“Uma ferida que nem podia ser chamada assim de tão pequena” (Conto 8): Michaela e Adele mantém um relacionamento de longa data. Como todo relacionamento duradouro, sempre há alguns momentos mais difíceis que outros. As crises por mais que demorem, sempre aparecem e são decisivas para a auto-afirmação dos sentimentos, que dá a continuidade ao relacionamento. Numa bela manhã de domingo, Michaela percebe um machucadinho próximo ao seu pulso, é tão pequeno que nem se pode dar importância, a não ser pelo fato que ela não consegue imaginar como o adquiriu. Aquele ferimento tão minúsculo traz com ele grandes revelações.

“A raiz cardíaca” (Conto 9): A tranquilidade de Rose no retorno de uma festa é abalada ao encontrar uma mulher caída e nua debaixo de uma marquise. Ela parece ser uma humana, mas humanos não possuem ramos de batata doce no lugar de seus corações. Aquela situação é mais que surreal, mas ainda assim nossa protagonista se sente na obrigação moral de tentar ajudar aquela criatura desacordada de alguma forma. O quanto aquele momento pode influenciar a vida de Rose?

“A carta de Cecília (ou o que você me diz quando não está drogado?)” (Conto 10): Quando a força necessária para vocalizar as palavras se esvai, poucas opções restam, e o que não foi dito sufoca a garganta. Talvez escrever uma carta que pode ou não ser enviada seja uma boa opção, já que de alguma forma aquelas palavras deixarão de existir apenas nos pensamentos mais secretos. Insatisfação? Admiração? Incerteza? Para quem não quer falar, uma carta pode ser o melhor meio de trazer todos esses sentimentos à tona.

“Trilogia do peixe – Conto 2 – Olhos de Telescópio” (Conto 11): Ana é uma adolescente diferente, sabe de longe que não é como os “normais”, mas o que é ser normal? Baixinha, mirrada e de óculos é vista como “esquisitona” e “aberração”. Encontra conforto em fotografar as coisas com sua câmera semiprofissional e cuidar de seu aquário com alguns peixes. A aquisição de uma nova espécie para seu aquário, o telescópio negro, aqueles com olhos estranhos, faz com que de alguma forma ela se identifique com o animal por ambos serem peculiares. Quais preços irão pagar a menina e seu novo peixe por serem tão diferentes do que se espera? O que pode ser feito quando aquelas são suas verdadeiras naturezas?

Às vezes ouço minha voz em silêncio

“Senhoras idosas que puxam assunto no meio da rua” (Conto 12): Laura está indo mesmo sem muita vontade comprar uma torta para o aniversário de sua tia. Ela que já está acostumada a ser abordada na rua por velhinhas – como se tivesse um dom natural para essas coisas – dessa vez conhece Dona Fátima. Só que esta senhora é diferente de qualquer outra que nossa protagonista já tenha conhecido, e esse encontro onde aparentemente Dona Fátima necessita de ajuda, por fim acaba sendo muito esclarecedor para Laura sobre suas questões pessoais e toda a sua forma de enxergar a vida e quem a cerca.

“Autonomia” (Conto 13): Uma jovenzinha de 12 anos que esconde algumas singularidades. Uma delas é sua intensa admiração pelo trabalho de um flautista que se apresenta nas ruas. Aquela música é sentida e compreendida por ela de uma forma que os outros não são capazes. São muito mais que notas musicais sendo executadas com maestria, para ela aqueles sons são dotados de magia e sonhos. Mesmo que fosse a única pessoa presente, ela sempre estaria ali para apreciar aquele show diferente. Cada vez mais a paixão que nutre pela música vai crescendo, igualmente com sua vontade de compreender essa arte.

“No love to speak” (Conto 14): Agnes, secretária bilíngue, recebe uma carta de amor de uma escritora secreta. Essa carta que mescla realidade e fantasia remete a momentos de um passado distante, mais precisamente da adolescência dela em Praia Grande, uma época antes detestada e agora desejada. Quem é essa pessoa que conhece tão bem o passado de Agnes? Há alguma chance de a vida voltar a ser tão boa quanto era?

“Passado (Dicotomia)” (Conto 15): Um encontro nada convencional. Aquele é o Diabo (ou pode ser Deus, como ele mesmo diz). A única certeza é que uma atitude rápida deve ser tomada para que não se perca a essência sobre o eu verdadeiro. Uma parte que se tirada jogará nossa protagonista na escuridão.

“Trilogia do peixe – Conto 3 – Não deixe que ela veja meu cadáver (Tio Peixe)” (Conto 16): A conversa entre uma menina que pode ou não estar morta com um peixe morto. O assunto abordado vai desde lendas estrangeiras, até revelações de medos pessoais. Uma conversa incomum, porém recheada de verdades sobre a alma.

“O choro da borboleta” (Conto 17): O acidente ocasionado pelo vento, pedaços de uma janela espatifada pelo chão, pés cortados com cacos de vidro. Uma ruptura nos ordenados acontecimentos diários rotineiros. A dor exterior conseguindo atingir o sofrimento dormente que habita a alma solitária. Uma reflexão sobre perdas e sacrifícios que pode ser acalentada pela aspirina, o remédio que também servirá para apaziguar o sofrimento dos ferimentos. Continuar sentindo a dor dos pés e analisar criticamente uma vida sem emoção e propósito, ou deixar de sentir a dor e a si mesma?

“Albert” (Conto 18): Uma mulher madura e realizada começa a querer sexualmente para si um garoto que nem mesmo conhece o nome, o apelidando assim de “Albert”, e ela não medirá esforços para ter o que quer. “Albert”, por sua vez, finge não perceber a mulher obstinada – ainda que também a deseje- mas para ele tudo parece muito intenso e ainda há fatos sobre si que precisam ser resolvidos, antes de embarcar nessa experiência de prazer. Os pensamentos dos dois personagens se tornam mais intensos a cada vez que notam a presença um do outro. O que pode vir a acontecer com dois desconhecidos que sentem precisar tão desesperadamente um do outro?

“Não vá desaparecer” (Conto 19): Angustiada, nossa protagonista procura algo abstrato, mas necessário para continuar sua existência. Não importa a forma que seja tratada ou o que ouça, sem alcançar o objeto de sua busca, nada parece fazer muito sentido. Com medo do que pode se tornar futuramente, e cansada de tanto refletir durante as crises de ansiedade, ela segue incessantemente no caminho de sua busca. Mas o que irá encontrar, se nem ela mesma sabe o que perdeu?

“A menina dos balões” (Conto 20): Vender todos os produtos que leva é o maior desejo de um vendedor, mas não é assim para a menina que vende balões nesse belo domingo. Se sentindo inútil, pois ao vender todos os balões seu maior propósito de estar ali não será concluído, ela tem uma incrível surpresa que desce dos céus contradizendo seus balões que sempre sobem.

“Chá de hibisco” (Conto 21): E 50 primaveras se completam na vida da nossa personagem. Diferente do que se espera de festas de aniversário, ela teve uma comemoração solitária, ainda assim o suficiente para lhe causar uma forte ressaca. Dizem que chá de hibisco frio é bom para curar esse mal, então, ali sozinha, ela prepara seu remédio enquanto observa a chuva cair. Se não fosse por seus animais estaria ainda mais solitária. Não se pode beber o chá quente, então a espera é necessária e com ela surgem grandes reflexões sobre todo aquele tempo de existência.

“O infinito do meio” (Conto 22): Um lugar no mundo que não pode ser alterado, uma jovem que por trinta anos ainda tem vinte e poucos anos. Nesse local não é preciso se alimentar e nem mesmo a luz do sol faz falta, lá habita criaturas fantásticas e tudo que existe ali não sofre a alteração do tempo. Até mesmo a solidão e tristeza são infinitas. O tempo passa pelo exterior da janela, mesmo que tudo permaneça inalterado. Quando menos se espera algo sai do programado, a chegada de sua uma entrega nunca solicitada. Quais alterações esse acontecimento pode gerar?

Cada conto desta obra nos entorpece com os sentimentos de seus protagonistas. Priscilla Matsumoto sabe como fazer com que mesmo terminando a leitura não consigamos findar seus personagens, simplesmente as questões e vozes deles ficam latejando em nossos pensamentos, pois facilmente as dúvidas ali apresentadas podem fazer parte do nosso próprio universo e reflexão acerca do mundo. Com uma escrita exemplar, a autora consegue realmente tornar mágica a experiência literária.

Sempre apoiaremos que livros tão ternos e deliciosos quanto “Às vezes eu ouço minha voz em silêncio” continuem sendo elaborados pela escritora e desejamos todo o sucesso possível em sua carreira (que notavelmente possui tudo o que precisa para ser bem sucedida). Somos muito gratas pela experiência fornecida e confiança depositada. Super indicamos essa obra magnífica! Aproveitem!

Blog da autora  – Facebook


Às vezes eu ouço minha voz em silêncio

Priscilla Matsumoto

138 páginas

Onde comprar: Amazon (eBook) 

Escrito por:

Ilustradora, quadrinista, colorista, amante da arte tradicional. Fã de mangá e anime desde a infância, gamer e rpgista. Amante de livros e viciada em seriados. Seus gêneros favoritos de filmes inclui thriller psicológico e animação. Curte rock alternativo, rock clássico, indie rock, metal (folk, viking e heavy). Sente-se determinada como sua heroína Mulan, mas gosta de abraços quentinhos igual o Olaf.
Veja todos os textos
Follow Me :