Aborto em “Sex And The City”: a decisão consciente nas mãos de populares personagens femininas

Aborto em “Sex And The City”: a decisão consciente nas mãos de populares personagens femininas

Hoje, dia 28 de setembro, foi o dia escolhido para a realização de um debate online acerca do aborto. Assim, interessante é trazer como o aborto é abordado em séries, filmes e livros, os quais contribuem imensamente para a conscientização coletiva. Aqui abordamos como o tema foi tratado na icônica série Sex And The City, que, sim, carrega muitos estereótipos, mas também realiza algumas desconstruções.

Sex and The City, produzida pela HBO, estreou em 1998 e se propunha a abordar a relação entre mulheres, sexo e a grande cidade de Nova York. Em sua primeira temporada, trazia cenas de sexo sem pudores e pretendia revelar como as mulheres, enfim, tornaram-se livres para experimentar a sexualidade. Todavia, a ideia inicialmente proposta perdeu-se um pouco na medida em que a história foi se desenvolvendo e conflitos amorosos tomaram o protagonismo.

Até mesmo algumas das atrizes concordavam que o ideal oferecido pela série carregava muito de irreal e contrário às ideias feministas, tal como o forte incentivo ao consumismo e a necessidade de procurar um relacionamento com um homem rico, mesmo que ele tanto machucasse as mulheres com quem se envolvia. Contudo, alguns pontos relevantes também foram levantados ao longo das seis temporadas, sobretudo pela personagem Samantha, entre eles o aborto.

Sex and the City

Samantha, certamente, era a mais livre, sexualmente falando, das quatro protagonistas. Diferentemente de Carrie, Miranda e Charlotte, não tinha tantos pudores, os quais eram bastante presentes nas atitudes das demais personagens, apesar do discurso de empoderamento. E no episódio 11 da quarta temporada, é quem desempenha o papel de defesa da permissão do aborto.

No episódio em questão, intitulado “Coulda, Shoulda, Woulda”, Miranda descobre que está grávida de um ex-namorado, com quem teve recente relação sexual. A descoberta desencadeia na advogada a grande dúvida acerca de manter ou não a gravidez. Afinal, seria uma grande responsabilidade, não obstante não tenha sido planejada. Mais do que isso, engravidar não é um ato que somente terá consequências nas vidas dos pais: é uma vida que será afetada pela forma como esses pais decidem conduzi-la. Ter um filho implica não somente em mudar a sua vida, sua rotina, seu trabalho, mas também pensar na felicidade do ser gerado. E para tomar essa decisão, Miranda precisava saber se estava realmente pronta para ser mãe.

Sex and the City

De um lado, havia Charlotte, que há anos tentava engravidar e que romantizava a gravidez. Do outro, a livre Samantha, que tinha consciência de que falhas podiam ocorrer mesmo com todos os métodos de proteção e que, apesar disso, seu corpo era seu corpo – princípio básico do feminismo. No meio, havia Carrie, quem conduzia a série. Carrie, então, apresenta ao espectador este cenário, dois opostos intermediados pela reflexão, e nos conta sua história.

Aos 22 anos realizou um aborto e temia que o atual namorado julgasse sua escolha. Mas o que teria acontecido se ela tivesse prosseguido com a gravidez? Ela teria tido um filho de um homem que viu poucas vezes na vida, com quem não se arrependia de ter tido relações sexuais, mas com quem jamais imaginava constituir uma ligação do gênero – ter um filho. Ela, uma jovem de 22 anos que desejava ser jornalista. Ele, do mesmo modo, ainda não tinha um futuro planejado. Há quem dissesse que ela teria sido feliz mesmo com uma criança. Porém, teria sido a felicidade que ela almejava? Ela não estava feliz com o que conseguira até aquele momento? Tinha uma carreira de sucesso, amigos e nenhum desejo de ter filhos.

Carrie reconhece que tudo poderia ter sido diferente, mas que fez a melhor escolha à época e uma escolha consciente. E Miranda, cujo dilema é o que move o episódio, decide manter sua gravidez, porque deseja ter aquela criança apesar de todos os ônus. O importante do episódio é que ele revela que o aborto é tratado de forma diferente por diferentes mulheres, mas que é uma escolha pessoal. A legalização do aborto permite que a mulher escolha conscientemente como deseja conduzir sua vida mesmo diante dos imprevistos. Miranda não era obrigada a seguir com a gravidez, teve a chance de interrompê-la, mas quis continuar. Carrie e Samantha, por outro lado, entenderam que engravidar não era o que elas queriam.

sex and the city

É preciso ressaltar, porém, que a reflexão consciente sobre o assunto foi possível, porque o estado em que elas se encontravam – Nova York – autorizava o aborto e porque elas tinham consciência dos fatores a serem considerados. Num país em que o aborto é proibido e considerado tabu, mulheres são entregues ao desespero quando confrontadas pela situação. Criminalizar o aborto não significa impedi-lo na prática, pois as mulheres são donas de seus corpos e podem tomar as medidas que desejarem para retirar algo que está dentro delas, medidas estas seguras ou não. Criminalizar significa retirar a reflexão consciente desta decisão, entregando mulheres ao terror de prosseguir com uma gravidez, o que as leva a buscar métodos alternativos ilegais – inseguros, na maior parte dos casos, para quem não tem condições financeiras. Diante da ausência de liberdade de escolha, o desespero domina, se sobrepondo a todas as vontades e a todos os riscos.

Legalizar o aborto não significa generalizar o aborto. Significa apresentar os ônus e os bônus desta escolha, significa oferecer métodos eficazes e seguros, de modo que as mulheres, donas de seus corpos, possam escolher, da melhor maneira, o que fazer com eles. O aborto já acontece todo dia. O que não acontece, por não se permitir, é uma decisão plenamente consciente.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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