[QUADRINHOS] “A Gigantesca Barba do Mal”: uma crítica ao que é padronizado pela sociedade

[QUADRINHOS] “A Gigantesca Barba do Mal”: uma crítica ao que é padronizado pela sociedade

“Na Ilha de Aqui tudo é meticulosamente organizado e certinho. As Ruas são asseadas, a grama é bem aparada e os homens são rigorosamente barbeados. Dave não foge à regra […]. Num dia fatídico, porém, Dave se vê como a raiz de um gigantesco problema: uma barba que irrompe de seus poros e desafia a lógica e a ciência. ”

Antes de mais nada, indico a leitura ao som de:

O autor

“Stephen Collins é ilustrador e cartunista. Seu trabalho já apareceu em publicações por vários cantos do mundo e seus quadrinhos estão semanalmente na revista Guardian Weekend. A Gigantesca Barba do Mal foi a sua estreia em graphic novels e foi finalista do Waterstone Book of the Year e do Eisner Award (O “Oscar” dos Quadrinhos). Sua coletânea de tirinhas foi publicada pelo selo Jonathan Cape em 2014. Atualmente, Stephen trabalha em sua segunda graphic novel.Ele vive com a esposa, Hannah, em Hertfordshire, nos arredores de Londres.”

Sinopse completa da Editora Nemo:

“Na Ilha de Aqui tudo é meticulosamente organizado e certinho. As Ruas são asseadas, a grama é bem aparada e os homens são rigorosamente barbeados. Dave não foge à regra. Tem um emprego que lhe permite pôr em prática todo o seu senso de organização, bem como distrair a mente de pensamentos indesejáveis, e encontra paz numa rotina totalmente ordeira.

Num dia fatídico, porém, Dave se vê como a raiz de um gigantesco problema: uma barba que irrompe de seus poros e desafia a lógica e a ciência. Logo ela se tornará uma questão de segurança pública e irá abalar as estruturas de Aqui, figurativa e literalmente. Uma fábula arrojada, que faz lembrar Roal Dahl e convida a refletir sobre algumas questões humanas deste século. ”

Crítica

Aqui (Here, no original) é uma cidade totalmente padronizada que fica em uma ilha cercada pelo mar. Além do mar, fica Lá (There, no original). Em Aqui, todos são asseados, comportados, pontuais e todas as vidas são rotineiras e comuns. Nada foge do padrão, não há nada de estranho ou que chame a atenção por qualquer motivo que seja. Todos seguem suas vidas sem interrupções, dia após dia após dia.

Dave, o personagem principal, não é diferente. O ápice de seu dia é quando chega do trabalho, senta em sua mesa com seu caderno de desenhos e ouve The Burning Flame, do Bangles, repetidamente enquanto desenha tudo e todos que passam pela janela. A música ajuda a manter o barulho do oceano (e as ideias do que existe, de fato, Lá) distante. A única coisinha diferente em Dave é um fio de barba, pequeno, praticamente imperceptível, que sempre insiste em crescer rapidamente quando cortado. Depois de diversas tentativas, Dave desiste de eliminar o fio e convive com isso, já que não chama a atenção de ninguém. E essa é, literalmente, a raiz de todos os seus problemas.

O Fio

Durante quase metade da história nós conhecemos Dave, sua rotina, seu trabalho e seu único prazer (ouvir Bangles no repeat e desenhar). Nesse tempo, podemos sentir o vazio da vida de Dave – e, porque não, de qualquer outro morador de Aqui. Falta algo. A rotina, o trabalho, a cidade… tudo é perfeito, mas falta algo. Dave não sabe exatamente o que falta e nem por que se sente assim.

Até que um dia, sem aviso nem motivo, sua barba começa a crescer. E crescer. E crescer. Então o trabalho ordeiro e sempre igual se torna confuso e sem sentido. As pessoas veem a barba e sentem nojo, aversão e medo. Dave corre para cara e passa a noite toda cortando. Mas a barba sempre cresce rapidamente, tornando todos os esforços inúteis. Dave então decide: não cortará mais a barba.

É aí que tudo toma proporções épicas: como um gigantesco monstro, a barba engalfinha tudo pelo caminho: casas, ruas, pessoas e a cidade. Causa o caos e afeta a vida de todos. Aquele caminho que as pessoas pegavam todos os dias para chegar ao trabalho está interditado, pois a barba tomou conta. A visão ordeira e pacífica de Aqui é transformada em uma visão horrenda de uma barba que se contorce e não para de crescer, não importa o que tentem fazer para pará-la.

A barba pode servir de metáfora para dezenas de coisas. As críticas mais óbvias são em relação à sociedade atual e ao que é diferente e como isso é aceito ou não.  Ao ler a história isso se torna claro, tanto que é desnecessário se alongar nesse sentido.

Porém, tão importante quanto as críticas e metáforas, é o personagem: como esse acontecimento o afeta? Nossas vidas, geralmente, estão cercadas de projetos, certezas, rotinas e coisas que podemos, de certo modo, prever e controlar. Mas como nos sentimos quando tudo foge ao controle? Quando a sociedade nos vê como alguém estranha, errada, que não se encaixa na realidade em que vive, qual é a nossa resposta em relação a isso? Esteticamente, por exemplo, sabemos que há uma indústria da beleza que padroniza como as mulheres devem ser. Muitas que não se enquadram nesses padrões fazem cirurgias plásticas ou acabam sofrendo algum distúrbio com a bulimia ou depressão. “A Gigantesca Barba Do Mal”, nesse sentido, é sobre saber lidar com o diferente (com o que a sociedade julga e condena como diferente, errado, que foge ao padrão), é sobre aceitação.   E o modo como Dave lida com sua gigantesca barba é um tanto quanto poético e fantasioso – lembra até o fim do clássico “Willy Wonka E A Fantástica Fábrica de Chocolates”. A Gigantesca Barba do Mal é sobre coisas que, em um primeiro momento, podem parecer um obstáculo, mas que, na verdade, te libertam.

A Arte

O traço de Stephen Collins é simples e se comunica perfeitamente com os detalhes pertinentes à trama, como a falta de expressão dos personagens e o visual limpo e impecável da cidade. A falta de cores (toda a história é contada usando-se apenas tons de cinza) também possui esse efeito, de modo geral. Quando a Gigantesca Barba do Mal começa a crescer sem parar, a arte também reforça isso. A barba é a única coisa expressiva de toda a cidade, a única coisa que foge à formalidade, ao igual, ao comum.

As mulheres na obra

Vamos, por fim, ao que interessa: a representação feminina na obra. De um modo geral, as poucas mulheres que aparecem e têm falas são totalmente coadjuvantes. Não que, nesse caso específico, isso seja um problema na obra, porque exceto David e Sua gigantesca barba, não há mais nenhum personagem significativo.

No entanto, vale lembrar que a música chave ao longo da trama é cantada e tocada por mulheres (a já mencionada canção Burning Flame, do Bangles).


A Gigantesca Barba do Mal

Stephen Collins

Editora Nemo

240 páginas

Onde comprar: Amazon

Escrito por:

260 Textos

Fundadora e editora do Delirium Nerd. Apaixonada por gatos, cinema do oriente médio, quadrinhos e animações japonesas.
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