Morte – Edição Definitiva: 5 motivos para ler o encadernado antes que ela venha lhe buscar

Morte – Edição Definitiva: 5 motivos para ler o encadernado antes que ela venha lhe buscar

Eu a vi de perto diversas vezes. Tinha tudo para me assustar e sair correndo, mas a peculiar moça de cartola, roupas pretas, ankh pendurado no pescoço, pele pálida e sorriso resplandecente mostrou-se amistosa e tão convidativa em suas piruetas e brincadeiras que ficou impossível dizer “não” à sua presença. Conversamos sobre livros, filmes, jogos de tabuleiro e lugares inóspitos que circundam o globo terrestre, sorvendo uma xícara de chá de hortelã e biscoitos.

Mesmo não sendo minha hora de acompanhá-la, a garota dedicou um pouco de sua eternidade para mostrar-me que a passagem para o “Outro Mundo” (ou o que quer que nos aguarda quando nossa vida terrena terminar) não é tão desagradável quanto parece. Morte, a icônica personagem da série de quadrinhos Sandman, de Neil Gaiman, é, como o próprio autor descreve, “sensível, encantadora e agradável”. Algo pelo qual, de fato, vale a pena morrer.

“Tem uma história na Kabbalah que sugere que o Anjo da Morte é tão belo que, quando finalmente vê-lo (ou vê-la), você se apaixonará tanto e tão perdidamente que sua alma será sugada por aqueles olhos.” 

(GAIMAN, Neil. Morte, uma Galeria. Morte: Edição Definitiva, pág. 264)

O Anjo da Morte criado por Gaiman ganhou uma belíssima edição comemorativa para carregar suas melhores histórias, 17 anos após o lançamento de “O Alto Preço da Vida”, que deu origem ao selo Vertigo de quadrinhos. Fora “O Alto Preço da Vida”, no encadernado encontramos “O Som de Suas Asas” (história pertencente ao “Prelúdios e Noturnos”, primeiro arco de “Sandman”), “Fachada”, “O Grande Momento da Vida”, “Um Conto de Inverno”, “A Roda” e “Morte e Veneza”.

Cada página, lindamente recolorida e diagramada, é uma surpresa magnífica e carrega em si passagens que não apenas nos fazem refletir sobre o momento em que tudo estará acabado, no qual nos pegaremos questionando o que nos aguarda, mas também sobre tudo o que veio antes disso: a vida. Morte e Vida caminham de mãos dadas e, ao longo de suas 361 páginas, “Morte” nos põe para refletir acerca de nosso papel em sociedade, nos mostrando histórias e situações presentes em nosso cotidiano, e de nossas relações afetivas com entes queridos.

A seguir, listo cinco motivos pelos quais “Morte: Edição Definitiva”, assim como os Perpétuos, já deveria estar em sua estante desde o início dos tempos:

1. Representatividade feminina

Em “Fachada”, “O Alto Preço da Vida” e “O Grande Momento da Vida”, Morte acompanha mulheres fortes e protagonistas de suas próprias histórias, que por motivos particulares encontram-se em becos cuja única saída, a princípio, é aceitar o abraço convidativo da personagem e partir para sempre.

Muito é discutido acerca do papel da mulher dentro da sociedade e de como o machismo e o preconceito nos subjugam e impedem de sermos quem realmente queremos. “Fachada” pode ser lida como uma alegoria para as máscaras que muitas de nós somos obrigadas a usar constantemente para, enfim, sermos aceitas como seres “perfeitos e imaculados”. Já em “O Alto Preço da Vida” e em sua continuação, “O Grande Momento da Vida”, acompanhamos a história de Hazel e de sua namorada, a compositora e cantora Foxglove, que por mais que ame imensamente a família que formou com Hazel e seu pequeno filho, é proibida de se assumir lésbica na mídia, a fim de que não tenha sua carreira comprometida.

A questão “privilégios da fama” versus “conforto do anonimato” também são discutidas nestas duas histórias, bem como a importância de laços afetivos estreitos, capazes até mesmo de nos livrar da morte e adicionar mais um punhado de dias em nosso calendário. Nas demais histórias, em que Morte acompanha protagonistas masculinos, podemos perceber que a importância deles é bem menor do que a da personagem que dá título ao encadernado. Estão apenas como linhas na narrativa, que são graciosamente conduzidas, costuradas e enfeitadas pela própria Morte.

2. Os diálogos

Reflexões acerca da efemeridade da vida e de cada aspecto inerente ao tempo que passamos na Terra são esmiuçadas de maneira acessível, atingindo facilmente, assim, o entendimento do leitor, mas sem perder a poesia e a inspiração tão costumeira na série de quadrinhos. Nota: ver a Morte dando sermão em Sonho e o fazendo “acordar para a vida”, não tem preço.

3. As intertextualidades

Mencionar uma obra dentro de outra obra é algo que Gaiman faz com maestria (vide “O Livro do Cemitério” e “A Bela e a Adormecida”, dois de muitos outros exemplos de livros que recontam as histórias presentes em “O Livro da Selva”, “A Bela Adormecida” e “Branca de Neve”, respectivamente). De Mary Poppins a Edgar Allan Poe, as histórias de “Morte” apresentam diversas menções a elementos da cultura pop e de mitologias, fatores que abrilhantam ainda mais a obra.

Uma singela homenagem ao conto “A Máscara da Morte Rubra”, de Edgar Allan Poe

4. Morte fala da vida

Criada como folheto para ser distribuído em lojas de quadrinhos, “Morte Fala da Vida” é uma revista de poucas páginas em que nossa tão amada personagem discorre acerca da importância do sexo seguro e exemplifica, com a ajuda de John Constantine (“Hellblazer”), como utilizar de modo eficaz uma camisinha. Nota: Constantine envergonhado ao segurar uma banana, enquanto Morte desenrola uma camisinha sobre ela, também não tem preço.

5. Os extras

Ao final do encadernado, muitos extras foram disponibilizados, como pôsters especiais feitos por ilustradores consagrados, ilustrações desenvolvidas exclusivamente para camisetas promocionais, imagens de action figures da Morte e também um roteiro feito por Gaiman para a realização quadro a quadro de “O Som de Suas Asas”. O prefácio da edição foi escrito de forma muito delicada e criativa por Amanda Palmer e, o posfácio, pelo próprio pai de Morte, Neil Gaiman.

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“Morte: Edição Definitiva” fala sobre mim, sobre você e sobre as conexões estabelecidas ao longo de nossas vidas, conexões estas que moldam nosso caráter, nos sensibilizam e nos levam na corrente da vida até o momento em que ela, tão gloriosa, nos aconchegará num abraço gostoso e deixará apenas escuridão eterna onde um dia houve luz e momentos inigualáveis vividos.


Morte: Edição Definitiva

Panini Books

Ano de publicação: 2014

361 páginas

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Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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