[CINEMA] O Último Capítulo: A poética do terror subjetivo

[CINEMA] O Último Capítulo: A poética do terror subjetivo

Pode um fantasma, em vez de assustar o morador de uma casa, provocar nele uma série de reflexões acerca da efemeridade da vida? O Último Capítulo (em inglês: “I am the Pretty Thing that Lives in the House”), distribuído pela Netflix mundialmente em 28 de outubro de 2016 e criado/dirigido pelo americano Osgood Perkins, é um daqueles filmes que ficam corroendo o imaginário do espectador por muito tempo depois de ter terminado. Mas não se enganem: não é um filme fácil de ser assistido e cheio de jump scares, como os tradicionais e contemporâneos blockbusters de terror. “O Último Capítulo” deve ser saboreado aos poucos e desfrutado minuciosamente para que a trama tenha sentido e satisfaça ao final. 

O Último Capítulo

Lily Saylor (Ruth Wilson) é uma enfermeira contratada para cuidar de Iris Blum (Paula Prentiss), uma escritora de livros de terror que mora sozinha em um belo casarão no campo. Iris, por conta da idade avançada, tende a chamar Lily pelo nome de Polly e isso instiga a moça a tentar descobrir quem é a mulher mencionada, uma vez que a escritora não possui herdeiros ou familiares próximos. Ao passo que Lily se entrega a uma investigação profunda para descobrir quem é Polly, começa a notar eventos sobrenaturais ocorrendo na casa, fator que aos poucos vai tomando proporções maiores e retirando a sanidade da protagonista.

A trama central do filme é bem simples e até mesmo clichê. Porém o diferencial está no texto, repleto de poesia e melancolia que casam perfeitamente com a temática de fantasmas (e de pessoas abandonadas) em uma casa abandonada. O enredo é entregue aos poucos e o filme se arrasta para combinar com o tom triste e a solidão das duas únicas criaturas vivas na mansão (Lily passa 11 meses cuidando da senhora Blum, mas não conseguimos notar uma preocupação direta para com a mulher adoentada; elas apenas coexistem e exercem seus papéis, sem nenhuma ligação, de fato, afetiva). 

A trilha sonora e a fotografia são espetaculares e conseguem captar a atenção do espectador do início ao fim, mesmo o filme tendo como cenário predominante o interior da casa. Os enquadramentos variam entre tomadas ora muito amplas, ora muito fechadas e escuras, quase claustrofóbicas e também desfocadas, ao final do filme. A mansão foge dos padrões decrépitos de casas assombradas de tantos filmes que assistimos ao longo da vida: é iluminada e arejada, na maior parte do tempo.

O Último Capítulo
A porta de entrada da casa é colocada em cena diversas vezes como metáfora para a fuga da protagonista.

Um outro aspecto que chama a atenção na fotografia de O Último Capítulo é a presença constante de elementos na cor amarela. O amarelo, dentro das artes, denota insanidade e depressão, vide as obras literárias “O Papel de Parede Amarelo“, de Charlotte Perkins Gilman e “O Rei de Amarelo”, de Robert W. Chambers (que inspirou a série “True Detective”, na qual elementos amarelos também fornecem pistas para o desenrolar da trama de investigação policial).

Logo no começo há quebra da quarta parede. Lily olha diretamente para o espectador e narra o desenrolar da história como em uma conversa, nos confidenciando os horrores e desesperos aos quais se submeteu, a fim de cumprir seu papel de cuidadora:

O Último Capítulo

“O Último Capítulo” é o tipo de filme 8 ou 80. Assim como em “The Witch” (2015), aqui existem camadas de terror psicológico que assustam sem precisar de sangue, gritos e efeitos especiais muito elaborados. O texto versa sobre a brevidade da beleza, da juventude e da coragem de enfrentar os medos que nos cercam (Lily não aprecia de forma alguma histórias de terror, mas ao se encontrar em um local hostil, carregado de um peso fúnebre em cada cômodo, enfrenta o que mais teme: as assombrações internas e também externas). Tudo se dá por meio das entrelinhas, da mesma forma que os medos, angústias e saudades que os fantasmas de nosso passado costumam nos proporcionar. 

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117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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