13 Reasons Why: a relação entre o suicídio e a opressão

13 Reasons Why: a relação entre o suicídio e a opressão

Alerta de Gatilho: esta resenha 13 Reasons Why de pode abordar temas que causem um mal estar, tais como estupro e suicídio.

Lançada recentemente pela rede Netflix, 13 Reasons Why (“Os 13 Porquês”) surpreendeu ao retratar de forma tão emocionante a temática do suicídio na adolescência. Inspirada no livro homônimo de Jay Asher, já publicado no Brasil, consiste em uma adaptação capaz de revelar a profundidade dos sentimentos de uma adolescente que enfrenta bullying, objetificação e abuso, de forma a evidenciar os possíveis efeitos de uma sociedade de violência contra a mulher. Dotada de cenas fortes, desconfortáveis, emocionantes, conseguiu alcançar feridas sociais profundas, as quais muitas vezes são ignoradas pelos indivíduos.

 13 Reasons Why
Hannah Baker (Katherine Langford)

[CONTÉM SPOILERS]

A premissa de 13 Reasons Why é o suicídio de Hannah Baker (Katherine Langford), uma jovem de 17 anos que deixa fitas para seus “colegas”, explicando os 13 motivos de ter tirado a própria vida. Cada um dos destinatários, de algum modo, esteve envolvido na tragédia que se tornou a vida desta adolescente a partir do momento em que mudou de escola. E, talvez, se pelo menos um deles tivesse agido de um modo diferente, algo pudesse ser diferente. Mas não foi, não há nada que eles possam fazer para salvar Hannah, o que não significa que não possam mudar suas atitudes para evitar que isto se repita.

Quando os pais de Hannah mudaram de cidade, ela ainda tinha esperança de que sua vida pudesse ser como a de todas as adolescentes, viver os romances, fantasias e amizades que se esperam do ensino médio. A fantasia, porém, não é a realidade da maioria. Verdades caladas se escondem por trás dos relatos, verdades que podem levar ao fim uma vida.  Hannah achou que faria amizades mesmo com a partida de sua única amiga e conhecida, Kat. Achou que conseguiria encontrar pessoas como Clay (Dylan Minnette), o rapaz com quem trabalhava no cinema. Mas ela se apaixonou por Justin (Brandon Flynn), e isto fez toda a diferença.

 13 Reasons Why

Uma foto colocada em outro contexto foi o começo do fim. A brincadeira aparentemente inocente de meninos que agiram como são ensinados que podem agir gerou uma imagem objetificada da adolescente, que a levaria a todas as outras desventuras. Autorizados uns pelos outros, os adolescentes transformaram Hannah em um mero objeto sexual, com o qual poderiam brincar conforme seus interesses. Não importava que tudo tivesse se iniciado com um boato; o corpo de Hannah estava ali para servir de brinquedo. Em uma gradação, vê-se a vida de Hannah ser dissociada de sua humanidade, resumida aos olhos dos demais estudantes como objeto para body shaming, slut shaming e abusos físicos. E nenhum deles é capaz de questionar suas próprias atitudes, atribuindo o caos da adolescente a um mero transtorno psicológico.

Hannah poderia ter passado por isto, como tantas mulheres passam, se ao menos tivesse recebido o apoio de pessoas próximas. Todavia, o que ela encontrou foi mais incompreensão. Clay, o rapaz de quem todos gostavam, também parecia julgá-la por fatos a ela atribuídos que nunca passaram de mentiras e não era capaz de demonstrar os sentimentos que nutria. Jessica (Alisha Boe), a primeira amiga, deixou-se levar pela categorização de “meninas para namorar” e “meninas para usar”, incapaz de admitir durante bastante tempo que também era uma vítima do sistema de violência e separação de mulheres.

Alex (Miles Heizer) ignorou a amizade entre eles e criou aquela lista que deu um pretexto para rapazes como Bryce (Justin Prentice) e Marcus (Steven Silver) apalparem Hannah. Courtney (Michele Selene Ang), receosa de sua sexualidade, afastou-se e viu em Hannah, já objeto de boatos, uma forma de ocultar fatos sobre si. Afinal, o que uma história a mais na vida de Hannah faria de diferença? Tyler (Devin Druid), um garoto que achava que ser zoado pelos outros tornava compreensível perseguir Hannah. Zack (Ross Butler), um jovem gentil, mas que, por receber um não, ajudou a isolar uma pessoa já em depressão. E havia os funcionários da escola, os quais pregavam uma compreensão que não conseguiam exercer na prática, ignorando até mesmo o mais explícito pedido de socorro por medo de lidarem com algo mais profundo e de admitirem o lado feio da experiência escolar.

 13 Reasons Why
Clay (Dylan Minnette)

A personagem é construída de uma forma que não consegue se salvar dos fantasmas que são criados. Por mais que ela tenha esperança de que algo em sua vida possa ser diferente, as pessoas sempre a decepcionam, até um ponto em que ela se torna incapaz de confiar no que existe de bom. Quando seu romance com Clay começa a se desenvolver, todas as memórias dos homens que a tocaram sem o seu consentimento, autorizados por um pequeno boato do início, retornam e fazem com que ela sucumba. E embora Clay não tenha lhe feito mal, a relação é uma das razões ao despertar na adolescente a culpa por não conseguir ser feliz e sabotar as pequenas sementes de esperança.

O ápice é certamente a violência que Hannah sofre. Duas cenas de estupro são retratadas, uma em que a protagonista é vítima, ambas bastante desconfortáveis aos olhos dos espectadores. O desconforto é proposital, conforme depoimento dos atores e da diretora Jessica Yu – ressaltando a importância da direção da cena pelo ponto de vista de uma mulher. Todavia, embora sejam cenas difíceis de serem vistas, são cenas importantes para a mensagem que se quer passar.

Diferentemente de outras obras com a inserção da violência, 13 Reasons Why não a coloca como mero entretenimento, mas como conscientização da dor pela qual as vítimas passam. O foco não está no prazer que o ato gera no agressor, mas no próprio ato como uma violência, um forçar algo que não se deseja. O foco está na menina inconsciente, incapaz de negar, no homem que brutalmente ignora o estado dela, na vergonha que isto lhe causa, nos problemas posteriores, no rosto assustado de uma menina que já está em crise, na expressão de vazio e vergonha que consomem a vítima. E para trazer ao momento a realidade das vítimas de estupro, de forma a conscientizar os espectadores, os atores e diretores tiveram ajuda de psicólogos.

 13 Reasons Why

Assistir às referidas cenas é doloroso mesmo para quem não vivenciou o que elas vivenciaram, e é importante alertar quem deseja ver a série sobre este fato, ainda que os episódios relacionados possuam advertência no início. É doloroso, sobretudo, porque é uma realidade com a qual as mulheres convivem. Quase todas as mulheres experimentaram algo que Hannah viveu, em maior ou menor grau, e quase todas são alertadas desde cedo sobre os perigos que podem enfrentar, como se fosse dever da vítima proteger-se e não do agressor não agir. Não obstante, e justamente por este pensamento de que a culpa é da vítima, vive-se sob o medo da impunidade do agressor.

Existem outras alternativas para enfrentar esta realidade? Hannah não era a única a sofrer? Sim, o que não torna incompreensíveis ou superficiais as motivações dela. E, por mais que alguns interpretem que a série torne o suicídio bonito ou que o encare como única alternativa, não é a interpretação por trás desta resenha. O fato de o suicídio ser anunciado já na premissa da série é, pelo contrário, uma motivação para que se encontrem outras saídas. Durante o desenvolvimento da série, o público é levado não somente a desejar que Hannah tenha um destino diferente, embora saibam que isto não é possível, como a buscar os caminhos que ela não viu.

Não compreender o vazio de Hannah e interpretar sua atitude como meramente mesquinha é deixar de agir empaticamente e de considerar os males de uma sociedade de opressão. A reação de Hannah, de fato, não considerou parte do que estava ao redor dela e foi alavancada por um quadro depressivo pelos quais nem todos passam. Todavia, ninguém considerou Hannah em suas atitudes quando ela ainda estava viva. A série não é, de longe, uma mensagem aos jovens de que o suicídio é a forma de se salvar do vazio, mas sim uma mensagem de que algo pode ser diferente no caminho.

13 Reasons Why surpreende. O que parece ser uma adaptação juvenil com um retrato superficial do suicídio revela-se como uma abordagem profunda de graves problemas sociais. As atuações não deixam a desejar e, junto com um roteiro que estimula a continuação, fazem da série uma adaptação instigante. As cenas acima mencionadas, assim como as do suicídio, podem dificultar o prosseguimento, mas contribuem para a compreensão da dor das personagens e de pessoas que passam pelas mesmas situações. E o desconforto é superado pela vontade de saber os últimos porquês e como todos eles culminaram no fim de Hannah. Por fim, recomenda-se a quem assistir que veja, ao final, o vídeo extra intitulado 13 Reasons Why: Além dos porquês.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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