Duda TÖFU | Entrevista: ilustração como terapia

Duda TÖFU | Entrevista: ilustração como terapia

“Você já percebeu que sempre que sua filha está muito triste, ou muito feliz, ela desenha?”, questionavam as professoras de Maria Eduarda – mais conhecida como Duda Maria, ou Duda TÖFU – à sua mãe, quando a ilustradora ainda estava no jardim de infância. Hoje, Duda tem 21 anos e mora em Blumenau, em Santa Catarina, onde cursa Licenciatura em Artes Visuais na FURB – Universidade Regional de Blumenau, e continua desenhando para demonstrar suas emoções. Apesar de ser artista independente e divulgar seu trabalho principalmente por Facebook e Instagram, a garota nunca teve internet em casa. “É uma bosta, me sinto bem limitada tanto para fazer a minha divulgação quanto para melhorar o meu trabalho, para ver novas técnicas e referências”, afirma a ilustradora.

Duda TÖFU

Duda, que quer ser professora de artes, desenha desde sempre, mas sua relação com a ilustração passou a tomar forma no ensino médio, quando conheceu o hardcore e começou a fazer camisas. Para comercializar e garantir um maior alcance ao seu material, ela e um amigo – que também fazia estampas – criaram a distro Estômago de Hiena, por qual vendiam reproduções de suas ilustrações em diversos formatos em eventos independentes, principalmente em shows de hardcore. “Comecei com prints, depois adesivos e, por fim, fanzines”, conta a ilustradora, que passou a se empenhar na confecção de produtos principalmente nos anos de 2014 e 2015. Desde então, Duda já lançou quatro zines – Gota, Hidden, Waria e Venus & Bacchus – e acabou de diagramar outros dois – Angústia, um projeto de intervenção em selfies, e uma compilação de sketches que, até então, não tem nome. “Talvez ele se chame ‘Zinóia’, que é o nome que dei à pasta na qual os desenhos estão salvos”.

Os desenhos de Duda Maria, que são fortes e expressivos, exploram o contraste através de um sombreamento característico e uma paleta de cores vibrante. Muitas das ilustrações de Duda são autorretratos, mas a ilustradora também gosta de desenhar plantas, animais e personagens fictícios e, vez ou outra, sobre feminismo e veganismo – a garota é vegana há quatro anos e não come carne há cinco. “Parei de comer carne no ensino médio, quando um professor exibiu em sala o documentário ‘A Carne É Fraca’. Depois desse dia, acho que a classe inteira se tornou vegetariana por pelo menos duas semanas”, conta. Quando não está desenhando, Duda gosta de cozinhar, andar de bicicleta e capturar seus passeios com uma câmera analógica. “Como minha memória não é muito boa, comecei a fotografar para mim mesma, como forma de registrar alguns lugares e coisas que eu gostaria de rever daqui a alguns anos”, diz.

Duda TÖFU

Duda TÖFU

Os materiais utilizados pela ilustradora são dos mais variados – de papel e caneta POSCA, sua preferida, à tinta acrílica vencida sobre madeira encontrada no lixo. Em geral, Duda leva cinco horas para terminar um desenho. “Normalmente, termino minhas ilustrações em um dia, pois não consigo retomar trabalhos, não consigo finalizar um desenho que deixei pela metade”, explica. Diagnosticada com ansiedade social, a artista leva a prática da ilustração como uma forma de terapia e desenha para expressar seus pensamentos, suas emoções e, principalmente, sua angústia.

DN – O que te inspira?

Duda TÖFU – A maior parte das minhas ilustrações tem como temática algo pessoal, algo que estou pensando ou sentindo, principalmente em relação à ansiedade e depressão. Quando estou mal, começo a desenhar como uma forma de externar meus problemas. Além disso, meus desenhos são voltados aos estudos de tatuagem. Tenho muita vontade de frequentar um estúdio e me tornar aprendiz, de pesquisar, de praticar e de me dedicar ao procedimento.

DN – De fato, vejo muita influência do old school em seus desenhos. Você já tatuou?

Duda TÖFU – Já tatuei algumas vezes, mas nunca profissionalmente. Eu gostaria muito de ser tatuadora. Tenho muito interesse por tatuagem desde a 8ª série, e fui me interessando cada vez mais a partir do ensino médio. Já fui convidada por um tatuador da cidade a frequentar o seu estúdio, ele elogiava meus desenhos, mas não me ensinava absolutamente nada, nem ao menos a teoria – ele não me queria como aprendiz, mas sim me assediar. Já me ofereci para ajudar outro tatuador que admirava varrendo ou limpando o estúdio em troca de aprendizado, mas ele disse que não tinha espaço para aprendizes. Dois meses depois, um garoto passou a ser seu aprendiz.

Sinto que, por ser menina, os homens não me levam a sério.

Duda TÖFU

DN – Que merda. Tenho visto muitas ilustradoras usando seus desenhos como forma de militância, mas isso não é tão aparente em seu trabalho.

Duda TÖFU – Já fiz algumas ilustrações voltadas para o feminismo e para o veganismo, mas geralmente evito abordar questões políticas por uma preferência pessoal. Como a arte não é objetiva, tenho muito medo de ser mal interpretada. Às vezes, fico desapontada comigo mesma, pois não consigo discutir na internet sem me tremer ou ter um ataque de pânico. Não participo de um debate virtual sequer, mas pessoalmente até que consigo dialogar melhor.

DN – É engraçado, pois conheci seus desenhos através do Zine XXX, que de certa forma tem ligação com o feminismo por ser um projeto que busca dar visibilidade às ilustradoras e quadrinistas mulheres.

Duda TÖFU – O Zine XXX foi um projeto que abriu muito a minha mente, eu conheci vários trabalhos de outras mulheres e, consequentemente, isso mudou muito a minha maneira de pensar e ilustrar. Foi a primeira vez que participei de um projeto semelhante, com tantas meninas quadrinistas, e a primeira vez que trabalhei com quadrinhos.

Quando me convidaram para participar do projeto, pensei “caralho, eu nunca fiz um quadrinho, como é que eu vou fazer um quadrinho?”, mas ainda assim, tentei fazer – e fiz – algo. Eu tenho muita vergonha do meu quadrinho que saiu no Zine XXX, parece que ele foi feito no MS Paint, porque é um desenho muito feio e não tem nada a ver comigo, não tem nenhuma característica do meu traço. Eu digo que fiz parte do projeto, mas nunca mostro o meu desenho, porque até a mensagem do quadrinho é meio bosta, bem rasa e idiota. Mas enfim, eu gostei muito de ter participado do projeto e, graças a ele, tento fazer quadrinhos até hoje – eu ainda tenho que evoluir muito como quadrinista, afinal, não sou uma.

DN – O seu trabalho me lembra um pouco o trabalho do Alex Vieira, que é quadrinista. Talvez você o conheça por conta da Revista Prego, que é basicamente um compilado de ilustração independente, ou por conta da banda Merda, da qual ele é baterista.

Duda TÖFU – Sim, eu conheço o Alex! Ele é uma grande referência e uma pessoa que eu admiro muito por ter uma loja de arte e publicações independentes, que é algo que eu adoraria ter. Em Blumenau não tem como, aqui é um cuzinho, um espaço semelhante não duraria dois meses na cidade. Além de gerenciar a loja, ele faz ilustrações, tatuagens e música, enfim, eu acho isso incrível. Eu tenho muitos tatuadores como referência, mas normalmente o que me inspira não são os desenhos em si, e sim as pessoas e a forma de como elas fazem as coisas acontecerem.

DN –  Que artistas te influenciam?

Duda TÖFU – Muitas das minhas inspirações são garotas que conheci através do Zine XXX, como a Beatriz Lopes, ou Tombo Bê, que é idealizadora do projeto e uma produtora incrivelmente foda, a Gabrila Masson, ou Lovelove6, que faz a Garota Siririca e tem outras centenas de projetos incríveis – além de ser uma pessoa e militante admirável  – e a Beatriz Perini, que faz zines, ilustrações e colagens bem loucas e parece ter uma mente muito fodida.

Também tem o Adams Carvalho, que é um ilustrador de São Paulo, ele tem um traço lindo e é uma grande referência no meu trabalho – não gosto de copiar desenhos, mas o traço dele realmente influenciou muito as minhas ilustrações. Além dele, tem o Juan & Diëgo, que é um artista do Chile e, dentre todos, é o que eu mais pago um pau, e a Izzys Jarvis, que é americana e conheci por conta da ilustração, mas depois descobri que ela também faz xilogravura e canta em várias bandas de punk. Também tem o Shiko, o Bryan Lee O’Malley, o Ray Castelo, o Broken Fingaz, o Gustavo Magalhães/Estúdio Miopia… Muitas pessoas me influenciam, essas não necessariamente são as minhas referências principais, mas são as que eu estou lembrando agora.

 

DN – Como desenhar te ajudou a lidar com transtornos psicológicos?

Duda TÖFU – Uso o desenho como forma de me expressar e vejo a prática da ilustração como uma forma de personificar esses transtornos, de representá-los como um personagem além de mim. Fiz tratamento psicológico e psiquiátrico, eu estou doente, mas não sou a minha doença. É difícil pensar dessa maneira em momentos de crise, eu perco o controle sob meu corpo tanto mentalmente quanto fisicamente, mas no fundo eu sei que sou muito mais do que meus transtornos. Externá-los é também uma forma de me distanciar deles.

DN – Você acredita que seus desenhos podem ajudar pessoas que passam pelos mesmos problemas?

Duda TÖFU – Acredito que sim, não como forma de terapia, mas como forma de autoconhecimento. De qualquer maneira, é uma ajuda. Se as pessoas interpretam por meus desenhos que os transtornos nos acompanham, mas não nos resumem, talvez passem a lidar melhor com eles. Recebo muitas mensagens de pessoas dizendo que se identificam com meu trabalho, que se emocionam ou sentem algo muito forte quando veem minhas ilustrações.

DN – Vi uma foto sua no primeiro volume do fanzine “Garotas no Punk”, da Rosane Calegari. Qual a sua relação com o punk?

Duda TÖFU – Comecei a gostar de hardcore no ensino médio e consequentemente conheci pessoas que também gostavam nesse período. Passei a conhecer a política DIY, seus respectivos materiais – os zines, os flyers, os formatos de impressão – e o que isso significava dentro do movimento. Quando fui ao meu primeiro show em Blumenau, já conhecia alguns dos produtores envolvidos no evento e os pedi para fazer um cartaz. Essa foi a primeira ligação da minha arte com o hardcore, e desde então eu sempre tentei participar de vários eventos dessa maneira, já fiz vários cartazes, inclusive o flyer para os shows do RVIVR que rolaram em Blumenau e Curitiba. Depois, conheci um menino que virou o meu melhor amigo na época, com o qual montei uma distro para produzir shows, trazer bandas de fora e divulgar nosso material. Nosso foco na ligação entre os shows de hardcore, os artistas visuais e, às vezes, o veganismo, então a gente procurava sempre realizar shows com mini-exposições e comida vegana.

Duda TÖFU

DN –  Quais são suas bandas preferidas?

Duda TÖFU – Não tenho bandas preferidas, mas tenho escutado muito Gorillaz, La Dispute, Mineral, Orchid, Bikini Kill, Brat Mobile, Pg.99, Alchemist, Daylight, Raein, Punch, City Of Caterpillar, Daïtro, Sed, Teen Suicide, I Create, Apart, Romantic Gorilla, DeaF Kids, Black Alien, Ricon Sapiencia, Polara e Ventre. Eu não ouço música o tempo todo, só quando desenho ou estou na rua, e como não tenho – nem nunca tive – internet em casa, fico restrita a ouvir só o que já baixei e acabo não conhecendo coisas novas, infelizmente.

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DN – Como você analisa o cenário de ilustração independente no Brasil?

Duda TÖFU – Não posso opinar com segurança, pois estou inativa dentro dele e, consequentemente, bem desatualizada. Faz mais de um ano que não vou a um evento, mas esse ano estou voltando a sair de casa e tentando retomar a minha participação nessa cena. Acho que nas principais capitais brasileiras, como São Paulo, Curitiba ou Brasília, e às vezes aqui em Santa Catarina, em Florianópolis, acontece muita coisa.

Acredito que a Feira Plana continue sendo a maior referência entre as feiras de publicações, ao menos de publicações independentes. No entanto, ela parece não ter um quesito muito importante para o meio independente – são tantas publicações, tantos artistas, tanta coisa acontecendo em tão pouco tempo que você não consegue parar nas bancas e dialogar com ninguém. 

Além disso, você quer conhecer tudo e fica com receio de gastar dinheiro em uma arte, pois pode encontrar algo melhor depois. Eu nunca fui na Feira Plana, mas é isso que os artistas participantes geralmente me relatam, e é isso que eu também percebo nas feiras grandes que já fui. Acho que as feiras menores são muito importantes nesse quesito, pois você consegue ter um maior contato, uma certa proximidade com quem está fazendo.

Outro problema é que muitas vezes não querem comprar seu material por terem outras prioridades – infelizmente, as pessoas não podem investir tanto nas publicações, pois elas acabam sendo superficiais para quem não tem estabilidade financeira. Eu não consigo apoiar outros artistas, pois não tenho grana nem para pagar o meu aluguel, que está atrasado há um mês. Às vezes vejo gente gastando muito mais com cerveja do que com publicações, e isso é algo que me deixa extremamente irritada. Mas acho que tem rolado uma mobilidade bem grande, a galera está fazendo muito material, ilustrando, fazendo adesivos e patches.

DN – Que conselho você daria para quem quer começar a desenhar?

Duda TÖFU – Pesquise. Veja referências no Instagram, no Tumblr e no Pinterest, saia de casa, ouça música. Tenha em mente que ninguém desenha igual a ninguém, então busque um traço próprio. Desenhe da forma que te deixe mais confortável, não fique olhando e copiando algo que já existe. Basicamente, desenhe com personalidade e procure por conhecimento.

Duda TÖFU

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Estudante de Comunicação Social com ênfase em Jornalismo. Apaixonada por música, documentários, artes visuais, quadrinhos e publicações independentes. Fascinada por contracultura e gente maluca.
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