Lâmina: banda punk feminista se apresenta na Virada Cultural

Lâmina: banda punk feminista se apresenta na Virada Cultural

Ainda no início de sua adolescência, Priscila Almeida, mais conhecida como Pryka, começou a tocar bateria na Princesas Podres, uma girl band que formou com colegas da escola e amigas do prédio – e como geralmente acontece com nossas primeiras bandas de adolescente, a Princesas Podres não durou muito. Pryka sempre quis tocar em uma banda verdadeiramente ativa, que realizasse shows e gravações e participasse de um contexto tanto cultural quanto político. Logo em seguida, ainda na bateria, Pryka formou com duas amigas e dois amigos a banda Lâmina, em 2003.

“Eu não estava tão feliz com essa formação, os meninos eram ótimos, mas eu queria uma banda só de garotas”,

conta a ex-baterista, que se tornou vocalista da banda pouco depois, quando cantou pela primeira vez em uma jam durante um dos ensaios da banda. “Quando comecei a cantar, todos da banda ficaram chocados”, diz. “Todos me pediram para assumir os vocais”.

A guitarrista Thais Regina é de São Paulo, mas estava morando em Brasília quando encontrou o blog feminista de Pryka, onde com ela trocaria comentários e, mais futuramente, ICQs. As garotas, por terem múltiplos gostos em comum – principalmente relativos à música e ao feminismo – passaram a desenvolver uma forte amizade.

Quando Thais estava prestes a retornar para São Paulo, Pryka a contou que o guitarrista de sua banda não poderia se apresentar no primeiro show, e então a convidou para substituí-lo. “Eu ainda não tinha guitarra própria na época, então pedia guitarras emprestadas de amigos, era um sufoco”, lembra Thais. “Antes do primeiro show, só ensaiei uma ou duas vezes, mas punk rock não é difícil de aprender”.

A banda se estabilizou com sua nova formação – completamente feminina, como almejava Pryka – em 2005, quando Dailla Facchini assumiu o baixo e Vanessa Lee, a bateria. “Não sei como o Lâmina era antes da nossa entrada”, diz Dailla, “mas conheci a Pryka na escola, ficamos muito amigas e mais tarde conhecemos a Vanessa na faculdade”.

As garotas, que têm diversas influências de grunge e punk, principalmente do riot grrrl – do Nirvana ao Sonic Youth, passando por Bikini Kill – gravaram o primeiro trabalho da banda em estúdio após um hiato de seis anos, o EP “Roll”, pelo Converse Rubber Tracks, um projeto que possibilita que bandas iniciantes e independentes realizem gravações gratuitas. O Lâmina tocou recentemente no lançamento do álbum de estreia da banda Charlotte Matou Um Cara, e tocam no domingo (21), às 10h, no Centro Cultural Olido, para a Virada Cultural de São Paulo.

Ouça o EP Roll:

DN – Vocês ficaram em hiato a partir de 2008 e retornaram em 2014, certo? Por que vocês pararam e por que vocês voltaram?

THAÍS – A gente era muito nova, e cada uma fazia uma coisa – eu trabalhava como cabeleireira em um salão, Pryka e Vanessa faziam faculdade de Jornalismo e precisavam arrumar trabalho. Estávamos cada vez mais sem tempo. Nós não decidimos pôr um fim, foi algo que aconteceu naturalmente, como um namoro de adolescente desgastado. Quando nos reencontramos, a minha vontade de tocar voltou, pois sempre tive a sensação de história inacabada.

PRYKA – Foi exatamente o que a Thaís falou, a gente nunca pôs um fim de fato. Nos reunimos pois queríamos gravar um CD, ter algo registrado para guardar como memória. Voltamos a ensaiar com mais frequência em 2013, por pura nostalgia. No começo de 2015, a Thaís ficou grávida e estava fazendo faculdade, então nós demos uma pausa para deixa-la mais tranquila.

DAILLA – A gente era muito nova e fazia muita bosta, chegava atrasada nos ensaios, ninguém se levava a sério. Eu não lembro bem do que realmente aconteceu, mas eu estava tratando síndrome do pânico e estava sendo uma situação bem difícil para mim.

DN – Geralmente, as bandas independentes demoram para realizar gravações por falta de recurso. Após 13 anos de banda, o Lâmina gravou seu primeiro trabalho, Roll, gratuitamente pelo Converse Rubber Tracks. Foi o orçamento que atrasou gravação do EP?

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PRYKA – O principal motivo foi sim a falta de dinheiro. A gente já sofria só por ter que pagar o ensaio, e show não dá retorno financeiro, não o suficiente para gravar um EP. Às vezes, ganhamos uma merreca, ou umas cervejas – aliás, já fizemos vários shows de graça – mas nossa maior motivação era tocar, se divertir e transmitir ideias. Ainda quando voltamos em 2014 e começamos a orçar os custos de um EP, o valor da gravação era alto. Hoje em dia, os custos são mais acessíveis para nós, todas nós estamos trabalhando – no começo da banda, tínhamos no máximo uns estágios.

LâminaFoto: Allan Almeida

DN – Como foi a experiência de gravar pelo Converse Rubber Tracks?

PRYKA – Conheci o projeto aleatoriamente, não lembro se vi no Facebook ou alguém me mandou, mas inscrevi a Lâmina numa época em que a banda ainda estava parada e achei a proposta super bacana. Era uma inscrição online em que você mandava uma página da sua banda, um site ou um perfil em rede social, respondia algumas perguntas relativas ao desejo da banda de gravar, à duração do projeto, quantas e quais músicas pretendia-se gravar. A inscrição foi em junho de 2015, e a seleção foi por volta de outubro do mesmo ano – não sei ao certo qual foi o critério de seleção, ou se houve alguma curadoria. O projeto é muito interessante, a ideia é divulgar a Converse através da música – você ganha um par de All Star no dia da gravação para divulgar a marca deles, mas também ganha um EP gratuitamente, e isso é incrível. Acredito que se não fosse pelo projeto, a gente não teria gravado algo tão legal até agora, com profissionais tão capacitados quanto os que nos auxiliaram naquele dia – como o Jean Dolabella, baterista do Ego Kill Talent e ex-baterista do Sepultura, que no dia atuou como engenheiro de som. Ele é um ótimo músico e nos ajudou em diversas questões, pois era a nossa primeira vez em um estúdio – inclusive, quando fomos selecionadas, ficamos muito felizes e muito nervosas ao mesmo tempo, justamente por nunca termos feito nada tão profissional até então.

DAILLA – Foi muito legal. Cara, a Thaís tinha uma guitarra two hands, a gente nunca teve contato com um equipamento foda.

THAÍS – A gravação foi no Family Mob, um estúdio na Lapa, e nós tivemos menos de um dia – mais especificamente, das 10h às 17h – para produzir todo o EP, incluindo a mixagem e masterização. Por questões estratégicas, escolhemos gravar as músicas que não errávamos nos ensaios para ganhar tempo e gravar o máximo possível – focamos principalmente em “My Air” e “8 de Março”. Gravamos muito rápido, conseguimos três faixas, quase quatro. Bernardo, meu filho, tinha apenas três meses e o levei para me acompanhar na gravação. Ele foi lá para dar sorte, ficou bem quietinho e bonzinho, a prima do meu marido me ajudou a cuidar dele enquanto gravávamos.

PRYKA – A gravação foi bem orgânica, foi realizada ao vivo, e isso nos fez economizar muito tempo. Eles souberam trabalhar com a banda, e isso fez muita diferença. Quando algo é de graça, você nunca sabe como será recebido, mas eles entendem o que cada banda é, o som que cada uma faz. Como nossas músicas são curtinhas, gravamos facilmente duas músicas e ainda conseguimos gravar uma terceira. Quando ouvi minha própria banda pensei “uau, acho que a nossa música é bacana” – nunca tinha nos ouvido em um lugar tão isolado acusticamente, ou com um retorno tão bom. Sempre ensaiávamos em garagens ou estúdios baratos, pois quando começamos, nos preocupávamos muito mais com nossos ideais do que com a qualidade estética.

DN – Nossa, gravação, mixagem e masterização em sete horas. Que desafio.

THAÍS – Ah, nossas músicas são bem simples, não tinha muita coisa para mexer.

DN – Thaís, quais são as dificuldades que você enfrenta sendo uma mãe em uma banda de rock?

THAÍS – Eu gostaria que os estúdios e casas de shows tivessem um espaço para o Bernardo ficar brincando, e isso deveria existir em vários lugares. Sou uma mãe muito leoa, meio paranoica, não deixaria ele em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Eu tenho muita sorte, pois meu marido é bem compreensivo e está sempre me apoiando, tenho uma sogra e uma mãe maravilhosas, pessoas incríveis que me entendem e me incentivam, então consigo dividir a responsabilidade pelo Bernardo. Mas quando se é mãe, a gente tem que aprender a administrar o tempo – o tempo precisa ser muito bem organizado, e eu nunca fui organizada. Eu estudo, faço faculdade de Medicina Veterinária, o que é outra dificuldade.

DN – Vocês se definem como uma banda feminista. Do começo da banda, em 2003, para a atualidade, em 2017, o feminismo mudou muito – surgiram novas pautas, mudanças em pautas antigas e uma maior visibilidade ao movimento. A transformação do feminismo transformou a forma como a banda o aborda?

PRYKA – O ideal em si não mudou, mas nós amadurecemos e as pautas mudaram. As vivências de uma garota adolescente são diferentes das vivências de uma mulher, então crescemos e começamos a pensar mais em trabalho, em aborto, maternidade. A opressão e as relações patriarcais são diferentes em diferentes fases da vida, quando se é nova, você vivencia mais intensamente o machismo na escola, na família, nos relacionamentos amorosos. Mas sim, o mundo está de fato mudando – algo que recentemente me deixou muito feliz foi ver todas as minhas amigas do trabalho aderirem à marcha do 8 de março, o que não acontecia há alguns anos.

Confira o primeiro videoclipe da banda, realizado para a canção “8 de Março”:

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Lâmina na Virada Cultural 2017 (Centro-SP) – Evento – 21/05

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Estudante de Comunicação Social com ênfase em Jornalismo. Apaixonada por música, documentários, artes visuais, quadrinhos e publicações independentes. Fascinada por contracultura e gente maluca.
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