[LIVRO] Belas Maldições, de Neil Gaiman e Terry Pratchett: O apocalipse é politicamente incorreto!

[LIVRO] Belas Maldições, de Neil Gaiman e Terry Pratchett: O apocalipse é politicamente incorreto!

Belas Maldições (As Justas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, Bruxa) é uma obra única, que reúne dois gênios da literatura fantástica inglesa em uma recontagem dos últimos dias na terra. [SEM SPOILERS]

Primeiramente, confira a sinopse oficial de Belas Maldições:

Segundo as Belas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, o mundo vai acabar num sábado. No próximo sábado, e ainda por cima antes do jantar! O que é um grande problema para os anjos Aziraphale, emissário do Céu, e seu colega Crowley, que na época de Adão ocupava o posto de Serpente do Paraíso. Eles precisam impedir o Apocalipse, porque a Terra é um ótimo lugar para se viver, pelo menos na opinião deles…

Portanto, eles não têm outra alternativa senão encontrar e matar o Anticristo, a mais poderosa criatura do planeta. O problema é que o Anticristo tem onze anos e, ao contrário de tudo o que você já possa ter visto em algum filme, é um garoto que adora seu cachorro, se preocupa com o meio ambiente e é o filho que qualquer pai gostaria de ter. Além, claro, de ser indestrutível…

Em Belas Maldições, Terry Pratchett e Neil Gaiman se uniram para criar uma engraçadíssima sátira a filmes como “A Profecia” e “O Bebê de Rosemary”, num caldeirão que mistura personagens tão improváveis de se encontrar quanto tibetanos, alienígenas e os Quatro Motoqueiros do Apocalipse. Afinal, o que se poderia esperar nos anos noventa?

Dramatis Personæ:

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse – Que se tornaram os 4 motoqueiros do apocalipse, numa sacada incrível. Fome, Guerra, Morte e… Poluição (se quer saber porque a Peste foi substituída, leia o livro!)

Os Eles – O núcleo infantil, formado por Adam (também conhecido como O Anticristo), Pepper, Wensleydale e Brian. Nas narrativas dos Eles, é impossível não associar com outras obras que mostram aventuras com um grupo de crianças, como Goonies, Stranger Things, Stand by Me e Et.

Os caçadores de bruxas – Newton Pulsifer e Shadwell são dois caçadores de bruxa que nunca viram uma bruxa na vida, nem nada parecido com isso. São vizinhos de Madame Tracy, uma meretriz e médium.

Cão – É o hellhound, descrito como Canino Satânico e Caçador de Gatos. 

Anathema Device – Ocultista Prática (uma bruxa) e  Descendente Profissional (mais uma vez, para saber do que se trata, leia o livro!).

Aziraphale e Crowley – Um anjo e um demônio que são amigos e gostam tanto da terra que não querem que ela se torne um palco de batalha entre o céu e o inferno e seja destruída.

Outros – Há ainda outros personagens que aparecem ao longo da história, como Metatron (a voz de Deus), os demônios Belzebu, Hastur e Ligur, tibetanos, aliens e alguns outros.

Os personagens descritos acima aparecem em uma lista logo no início da obra, portanto, fique tranquila porque não se trata de spoiler. O livro consegue conectar muito bem todos os personagens em uma história engraçadíssima e politicamente incorreta. Nas primeiras 50 páginas, a obra parece não funcionar e não sabemos onde está a voz de Neil Gaiman e nem a de Terry Pratchett. Mas logo em seguida há uma incrível melhora no texto e o humor, cheio de sacadas e tiradas no melhor estilo Douglas Adams, prevalece e funciona muito bem. Mas antes de falarmos da obra em si, vamos gastar algumas linhas sobre os autores, o processo de escrita e sobre o fato de ser politicamente incorreto.

Belas Maldições
(Reprodução) Arte de Sean Phillips

Os Autores e o processo de escrita:

Se você não esteve em coma nos últimos 30 anos, então com certeza sabe quem é Neil Gaiman, portanto não falaremos sobre ele aqui. Terry Pratchett, amigo de Neil, é igualmente talentoso e genial, mas não é tão conhecido no Brasil. Ele é autor de dezenas de livros da série Discworld e tem cerca de 100 obras publicadas. Morreu em 2015, com apenas 66 anos.

Belas Maldições tem o nome dos dois na capa, como coautores. Ao pegar uma obra assim, ficamos sempre curiosas para saber quem escreveu o quê e qual foi a participação exata de cada um na construção da história. Bem, isso é impossível de saber, mas podemos ter uma ideia. Segundo Neil Gaiman, Pratchett escreveu cerca de 60 mil palavras focou mais na história principal e ele, 45 mil e focou mais nas pontas soltas e no que fazer com elas. No entanto, ao longo do processo, esses papéis foram invertidos e um chegou a escrever notas de rodapé nos textos do outro, ao ponto de no fim não ficar claro quem escreveu o quê.

Já Pratchett diz que escreveu 2/3 da obra, mas como ele mantinha os disquetes (estamos falando dos anos 90!) com os originais e conversava diariamente com Gaiman por telefone, fazendo um brainstorming sobre a obra, é meio que impossível saber quem surgiu com tal ou tal ideia e contribuição. Ele diz ainda que  quem escreveu a obra foi uma criatura chamada Terryandneil. “No fim, foi um livro feito por dois caras, que dividiram o dinheiro igualmente e fizeram por diversão”, conclui. Mas ele ainda enumera 3 pontos sobre sua participação na obra (em tradução BEM livre nossa):

  1. Eu tive que [escrever]. Neil Gaiman tinha que continuar com Sandman – e eu podia dar um tempo de Discworld.
  2. Uma pessoa tem que ser o editor geral, e fazer todo o corte, troca, alteração e, como eu disse antes, fui eu, por um acordo – se isso fosse uma graphic novel, seria Neil o editor, pelas mesmas razões que eu sou o editor desta novela.
  3. Eu sou um bastardo egoísta e tentei escrever mais para ter mais texto antes de Neil.

Belas Maldições é uma obra politicamente incorreta – mas, isso é bom?

Ao pensarmos nas palavras “humor politicamente incorreto”, só vem coisa ruim à mente, não é mesmo? Este termo é muito utilizado por criaturas como Danilo Gentili, Rafinha Bastos e seus fãs como se fosse uma justificativa para fazer agressão e disseminar ódio e preconceitos em forma de humor. Falar dos limites do humor é algo que pode ser bem mais complicado do que parece. Pois o que pode ofender uma pessoa pode ser algo bobo para outras.

Para ilustrar essa complexidade, citamos  duas (co)criações femininas e com protagonistas femininas repletas de humor politicamente incorreto, mas que não são imbecis e nem têm discursos de ódio. Unbreakable Kimmy Schmidt, série da Netflix, cocriada por Tina Fey e com Ellie Kemper como protagonista, aborda temas como racismo, homofobia, estupro, sequestro e feminismo através de um humor escrachado, exagerado e, muita vezes, crítico.

Outro ótimo exemplo é a (infelizmente ainda bem desconhecida por aqui) série Portlandia, cocriada por Carrie Brownstein, da banda de riot grrrl Sleater-Kinney. A série é composta por vários sketchs por episódio, com personagens que se repetem em alguns, e é uma sátira ao modo de vida atual, cheio de hipsters, yuppies, hippies, veganos, ativistas e por aí vai. O humor é uma sátira, muitas vezes bem ácida, sobre tudo e todos. Entre as personagens mais queridas estão um casal de lésbicas que é dono de uma livraria que só tem livros de feminismo radical. A série usa e abusa de estereótipos de gênero e faz MUITA piada com isso. Já dedicaram grande parte de um episódio, por exemplo, ao senso comum de que feministas são peludas – com participação de ninguém menos que KD Lang, que incorpora uma lésbica com trejeitos masculinos – ou seja, fazendo piada consigo mesma. Vale lembrar ainda que Carrie Brownstein é assumidamente bissexual e já namorou uma garota por anos (a colega de banda Corin Tucker). 

Fazer humor politicamente incorreto é, de certo modo, também saber rir de si mesmo e das coisas em que acredita. Em Belas Maldições este tipo de humor perpassa toda a obra. Não perdoam nada nem ninguém. Há piadas e situações com tudo e todos – e sobra principalmente para os ingleses, muitas vezes tratados como burros, sistemáticos e atrasados. Em algumas críticas, e até mesmo na contracapa, há comparações com o humor de Monty Python. Isso se deve a algumas situações completamente nonsense ao longo da história. Mas é algo bem dosado e que não chega aos pés do grupo de comédia inglês. 

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A representação Feminina em Belas Maldições:

Agnes Nutter, apesar de ter seu nome no subtítulo da obra e ser mencionada constantemente, está morta há cerca de 300 anos e, por isso, sua participação é bem limitada. Há um convento de freiras satânicas (sim, você leu certo), a esquentadinha Pepper, A Guerra, Madame Tracy e Anathema Device. O livro dedica algumas cenas a todas essas mulheres, porém, a história foca mais em Aziraphale e Crowley em sua busca pelo Anticristo (busca? Como assim? Mais uma vez: só lendo para saber).

Conclusão:

Podemos dizer que o maior defeito de Belas Maldições é ser tão curto. A leitura é fluida e instigante e as 350 páginas passas muito mais rápido do que queríamos. A obra vai agradar muito quem é fã de Douglas Adams e Monty Python – ou seja, quem aprecia o famigerado humor inglês. Ao ler, você vai rir (muito) com as referências e com as situações cheias de imaginação. O livro termina em grande estilo, com uma engraçadíssima paródia com uma famosa frase de George Orwell.

Duas Curiosidades sobre Belas Maldições:

1 – Belas Maldições vai virar série pelo serviço de streaming da Amazon, o Prime Video (aliás, muita gente não sabe, mas este serviço já está disponível no Brasil, com séries e filmes com legendas em português e dubladas – incluindo outra obra de Gaiman, American Gods). Ainda não há previsão de estreia, elenco, direção nem nada anunciado.

2 – O Personagem Crowley, um demônio, tem esse nome tirado de seu nome “original”, Crawly (rastejante), a serpente do Éden. Crowley também é uma referência direta ao mago/ocultista inglês Aleister Crowley – e este com certeza foi o motivo da escolha do nome. Mas a curiosidade em si é esta: se você assiste à série Sobrenatural, sabe quem é o demônio Crowley. Então… é impossível não notar MUITA semelhança entre o demônio de Sobrenatural e o de Belas Maldições (criado bem antes da série). O ator que interpreta o demônio, Mark Sheppard, disse que já ganhou diversas cópias de Belas Maldições e que as pessoas vivem perguntado sobre isso. No entanto, apesar de sabermos que o criador de Sobrenatural conhece a obra de Gaiman e Pratchett, não encontramos nenhuma fonte onde ele abertamente admite isso. Mas está lá e é inegável. Portanto, se você conhece Sobrenatural, vai ser impossível ler Belas Maldições sem ter em mente a figura do personagem de Mark Sheppard. E mais, se isso acontecer, provavelmente você vai imaginar a figura do anjo como sendo Castiel, outro querido personagem da série. 


Belas Maldições

Belas Maldições

Autores: Terry Pratchett e Neil Gaiman

350 páginas

Editora Bertrand / Editora Record

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