[LIVROS] Em Águas Sombrias: O macabro destino de ser mulher (Resenha)

[LIVROS] Em Águas Sombrias: O macabro destino de ser mulher (Resenha)

É sabido, nesse ponto da história humana, pelo menos por grande parte de nós, que vivemos em meio a uma cultura de estupro direcionada ao sexo – e gênero – feminino. E não para por aí, vivemos, na verdade, em meio a todo um aparato “anti-mulheres” que se presta, desde o nascimento das mesmas, a fazê-las seguir um determinado modelo de comportamento (imposto por homens), em que aquelas que não se encaixam são, sem nenhum remorso, descartadas. Tal sistema é plenamente ilustrado no novo livro de Paula Hawkins, lançado pela Editora Record: Em Águas Sombrias.

“- Por que ela é louca.

 – Claro – murmurou para si mesma – Mulher é tudo doida.”

Tal qual seu sucesso anterior, A Garota no Trem, Paula Hawkins traz, neste novo livro, uma história de suspense construída sobre as bases de protagonismos feminismos e, como já é sua marca registrada, a utilização de aspectos da realidade para a criação de sua narrativa.

Em Águas Sombrias

Os acontecimentos retratados no livro nos são apresentados através da escrita detalhista e pontual de Hawkins, sendo, porém, impossível de ignorar como tal detalhamento não contribuí para a agilidade do texto, o que faz com que a história tenha um tom arrastado – e maçante – até que o clímax se aproxime.

Além disso, o suspense da narrativa, apesar de possuir alguns plot twists e certos elementos que colaboram para a (proposital) confusão do leitor, o romance de Hawkins possui um alto grau de previsibilidade, sendo os diversos destinos e aspectos dos personagens, logo notados pelo leitor de suspense mais assíduo, o que não faz com que o livro em questão possa ser considerado inovador nem surpreendente.

Tais características, entretanto, não nos impedem de perceber o aspecto mais assustador retratado no livro: o profundo patriarcalismo a que nós todas (mulheres) estamos, compulsoriamente, sujeitas.

“Beckford não é um local de suicídios. Beckford é um local para se livrar de mulheres encrenqueiras.”

A história trata, basicamente, das mortes ocorridas em uma cidadezinha britânica e como todas têm relação com o mesmo trecho de um rio, chamado “O Poço dos Afogamentos”, em que diversas mulheres – em diferentes épocas – se jogaram (ou foram jogadas?) do penhasco em direção ao referido “poço”. O curioso, traço que até é questionado no livro, é que todas as mortas foram mulheres consideradas, por um motivo ou por outro, transgressoras, agindo em oposição àquilo esperado – leia-se imposto – a elas.

Ao longo das 360 páginas da história, vemos o tratamento disposto à grande parte das mulheres, pelos homens, e por algumas mulheres reprodutoras de tais opressões, de forma que percebemos, infelizmente, que o que nos é mostrado é mais verossímil do que gostaríamos que fosse.

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Diante disso, o que mais nos prende – e nos apavora – não é o suspense em si, mas a profunda semelhança que a narrativa tem com aquilo que vemos diariamente no mundo real, isto é, o constante desprezo que a sociedade (majoritária) tem em relação às mulheres, estando elas – leia-se nós – em posição de absoluto descaso e/ou controle.

Em Águas Sombrias

É interessante ler o livro de Hawkins por, além dos motivos já citados, não sabermos exatamente se, nas situações narradas, estão presentes críticas aos acontecimentos (infelizmente) cotidianos ou apenas exposições de cenários reais. Decidimos acreditar na primeira opção, mesmo considerando que o objetivo primordial de Hawkins deve ter sido apenas a representação das concepções dos personagens retratados na história.

Se se tratam de críticas, podemos considerar, então, que Em Águas Sombrias traz em suas páginas, em oposição às diversas violências sofridas pelas mulheres que retrata, um sentimento de irmandade e sororidade, muitas vezes, ausente em narrativas desse gênero e um traço não tão presente no livro anterior de Hawkins.

Isso se dá, por exemplo, em críticas feitas pela autora não apenas à condição de fraternidade existente entre as instituições de poder, estando em questão aqui a polícia, mas também as circunstâncias reiteradas de heterossexualidade compulsória, culpabilização da vítima (em caso de estupro) e a responsabilização da mulher, em geral, como em casos de adultério.

Em Águas Sombrias

Em meio as diversas situações que fundamentam não apenas o desfecho da narrativa, mas também a comparação que podemos fazer da história com a vida real, extraímos o sentimento que Em Águas Sombrias é um livro que merece ser lido, talvez não pelo suspense apresentado, mas pela reflexão que o mesmo nos promove.

Tal reflexão, na maior parte do livro, e mesmo em nossas vivências reais, nos parece negativa, como se nem mesmo nos livros seja possível uma história diferente, mas, durante nossa leitura vemos, também, o exato oposto disso; vemos que é possível, sim, haver o sentimento de irmandade – especialmente entre mulheres – ou mesmo a (correta) constatação de que o controle ao corpo e mente femininos não deve ser reproduzido e forçado.

Até que tais pensamentos se tornem comuns, ao ponto de poderem ser reproduzidos com algum grau de verossimilhança na literatura universal, nos resta sobreviver em nossa condição de encrenqueiras, bem como, com a constatação, como dito no próprio livro, de que alguns dias são melhores que outros.


Em Águas SombriasEm Águas Sombrias

Autora: Paula Hawkins

Tradução: Claudia Costa Guimarães

Editora Record

364 páginas

Este livro foi cedido para resenha

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