[YOUTUBE] TV Em Cores: A Representatividade LGBT na Cultura Nerd

[YOUTUBE] TV Em Cores: A Representatividade LGBT na Cultura Nerd

Falar sobre representatividade em filmes, séries e games pode ainda parecer um exagero para muitas pessoas, afinal “entretenimento é só entretenimento”, não é mesmo? Entretanto, quando se faz parte de grupos de minorias, como mulheres, LGBT+ ou pessoas negras, por exemplo, é possível notar como essa representatividade é importante e como é necessário falar sobre ela.

Foi pensando nisso que os amigos Mic e Júlia começaram o canal TV Em Cores no Youtube no final de janeiro. O canal, que hoje conta com 1,3 mil seguidores e está crescendo mais a cada dia, surgiu da necessidade de discutir séries, filmes e games pela perspectiva da comunidade LGBT. Os dois atualizam o canal semanalmente, trazendo sempre assuntos atuais, como o cancelamento de Sense8 ou a importância do filme da Mulher-Maravilha. Em entrevista concedida, conversamos um pouco com os dois sobre o início do canal e os próximos vídeos. Confira!

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DN –  De onde surgiu a ideia de começar o canal? Vocês já tinham experiência com Youtube antes?

Mic: A ideia era eu fazer um blog bem simples pra falar sobre as series que assisto, daí olhei pro lado e vi o Murilo (que mora com a gente) do Muro Pequeno e pensei “por que não fazer um canal”?

Julia: Eu tinha uma ideia de fazer um canal pra falar sobre a minha realidade de lésbica e nerd mas eu não sentia que ia conseguir fazer sozinha, então decidi deixar pra lá.

Mic: A questão era: eu no meu privilégio de ser homem cis e branco não senti que ia adicionar tanto, o canal precisava de uma voz que tivesse uma realidade além do G, porque bem ou mal o gay branco na diversidade é o maior potencial opressor.

Julia: Estávamos em casa um dia falando sobre uma serie e falei pro Mic que ela era problemática, ele não entendeu o porquê e daí entramos num debate extenso sobre esse tipo de coisa. Foi aí que ele chegou com a ideia sobre fazer um canal juntos pra falar sobre esse tipo de coisa e eu topei. Sobre termos experiência: Nós já aparecemos num vídeo no muro pequeno e eu já apareci em um lá sobre o Dia da Mulher, além disso… mandem colab!

DN – Qual é o seu processo de criação dos vídeos? Como vocês pensam nos assuntos que serão abordados em casa?

Mic: Sendo bem sincero? As coisas que conversamos em casa de nerdice, a gente simplesmente repete em frente às câmeras.

Julia: Como o mundo nerd tem sempre coisa nova saindo e está envolto em problemas (machismo, LGBTfobia etc) essas discussões são nosso cotidiano.

Mic: O canal é muito sobre compartilhar essas ideias e achar mais gente que também debata sobre isso.

Julia: A gente não está procurando só quem concorda com a gente, estamos procurando discussões; queremos trocar ideias.

DN – Tem algum canal que vocês se inspirem ou admirem muito?

Muro Pequeno. Sem o apoio tanto moral quanto técnico do Murilo o TV em Cores não existiria. Ele é nossa fada madrinha. Canal das Bee, foram eles os grandes responsáveis pelo ganho de espaço de LGBTs no YouTube. Eles mostraram que a gente existe, abriram um caminho pra todos os outros canais e mostraram que era possível ter voz na plataforma. Também um não-brasileiro que nos espelhamos muito é o Outside Xbox; eles são engraçados e por enquanto mostram que dá pra ser engraçado sem ofender. Achamos sensacional.

DN – Vimos que vocês fizeram parceria com o Murilo, do Muro pequeno – que é amigo de vocês. Com quais outros Youtubers vocês gostariam de colaborar?

Mic: Na verdade a gente nem se considera amigo, nós somos família! Nós 3 morando juntos é pura lindeza. Uma colab que íamos ficar sem chão seria com o Canal das Bee. Conhecemos a Jessica e o Herbet, quase passamos vergonha…

Julia: Nós passamos vergonha… e nos encantamos. E eles são…. eles! Uma das nossas principais referências fazendo vídeo com a gente seria incrível! Também sonhamos com um vídeo com a linda da Mandy Candy, porque a gente sabe que ela joga vídeo game também. Além disso, nossos migos Samuel (do canal Samocréia) e o Thiago Siciliano (do canal “Nada Contra“) que já conversarmos de papear de jogos em breve.

DN – O canal está ainda no começo, mas como tem sido o feedback dos vídeos? Qual impacto vocês pretendem causar com ele?

Mic: O feedback 98% está sensacional. Já rolou uns pingados problemáticos mas em meio a tanta lindeza quase não lembramos.

Julia: quando eu vi muita gente comentando no vídeo que participamos no Muro Pequeno sobre Queerbaiting que o que a gente estava falando tinha um nome, é real, não é coisa da cabeça delas e foi a gente que auxiliou essa descoberta é o tipo de coisa que me faz sentir realizada.

Mic: Sim, saber que você não está sozinho, que não é drama seu, que esses problemas realmente nos afetam e é ok a gente se incomodar com isso aquece o coração. É muito lindo.

Julia: As pessoas que estão vindo no nosso canal querem ter essa conversa e não é fácil de achar. Verem no nosso canal um lugar seguro e receptivo é o que a gente almeja.

Mic: *limpando a lágrima dos olhos*

DN – Muitas pessoas acreditam que séries e filmes são apenas entretenimento que não devem ser “problematizados”. Na opinião de vocês, qual é a importância de ter um olhar crítico dessas produções?

Julia: O entretenimento e o lazer formam pensamento, então dizer que uma serie não deve ser problematizada é dizer que o riso não deve ser problematizado. E o riso tem um poder muito grande, você naturaliza e diminui as coisas com ele.

Mic: A gente que se ver nessas mídias como pessoas, não como riso, não como um adendo. Não desejamos pruma criança ou adolescente LGBT hoje em dia que está se entendendo como indivíduo a falta de representatividade que tivemos (e ainda temos). Nem consigo conceber o quão menos sofrido ia ser minha infância caso eu tivesse visto um menino beijando um outro num filme e não pensasse que o que eu era e o que eu sentia fosse algo errado.

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DN – Para a Ju: A representatividade lésbica tem melhorado aos poucos nas séries, entretanto ao mesmo tempo a morte de mulheres lésbicas para chocar o público tem sido cada vez mais utilizada nos roteiros, por que você acredita que isso acontece?

(Risos) Eu já pesquisei muito sobre isso pra entender e ter certeza que isso não era coisa da minha cabeça. Isso tem um nome, né? Dead Lesbian Trope (Trupe das Lésbicas Mortas).  A morte de mulheres, principalmente em séries pra desenvolvimento de personagens masculinos é um método muito usado. Com as personagens lésbicas é isso mais uma lesbofobia explícita.

Eu acho que eu não lembro de nenhuma série em que a lésbica era o personagem principal. Ela pode ser uma das protagonistas, mas nunca a mais relevante. Uma das justificativas de matar elas era de que elas seriam mais relevantes mortas para andar a narrativa do que vivas. Isso é muito tóxico pra gente, porque eu (e sei que muitas meninas) só veem a serie pela sapatão para ver o desenvolvimento da personagem. Hoje em dia eu já vejo series esperando que elas não terminem juntas (esse sendo o “melhor” final pra elas) ou mortas.

DN – Quais séries e filmes vocês cresceram assistindo? Qual foi o primeiro personagem LGBT que vocês conheceram?

O mais interessante é o tempo que a gente levou pra ter a resposta dessa pergunta. Isso mostra exatamente o que falamos da falta de representatividade.

Julia: Eu cresci vendo Warner e HBO. Tudo que passava nelas. Eu acho que as primeiras personagens que conheci foram a Susan e a Carol de “Friends”. Mas eu não reconhecia elas como um casal porque eu não entendia. Eu não via elas juntas, e a serie só falava que elas eram um casal, nunca mostrava.

Mic: Também assistia muito Warner. “‘Friends” e “Smallville” eram lei. Primeira pessoa LGBT que me lembro na infância acho que é Vera Verão. Parando pra pensar eu acho um máximo que logo essa personagem é o que me vem na cabeça. Mesmo em meio a comentários homofóbicos, racistas e transfóbicos das pessoas ao meu redor eu via alguma coisa de mim ali. 

DN – Para a Ju: quais séries e filmes você indica a mulheres que se relacionam com mulheres assistirem?

As que eu vou indicar têm alguns problemas, mas são muito boas. Supergirl, com o arco de saída do armário de uma personagem lésbica foi muito bonito e real. O problema é que a serie tem um certo queerbaiting. Apesar de ter um casal de mulheres a serie ainda consegue ter o queerbating, que é a criação de um subtexto não-hetero que não irá se concretizar, provando que até mesmo uma serie com representatividade LGBT consegue ter um queerbaiting. A outra é Person of Interest, que é uma serie sensacional. A relação das personagens é muito interessante, porque no contexto da serie elas não deveriam ser um casal, mas são. Isso mostra o reconhecimento dos criadores da serie com o desenvolvimento da relação delas.

DN – Para o Mic: qual série você indicaria para os homens que se relacionam com homens?

Olha, confesso que não sei. As duas que conheço que rodam totalmente ao redor do mundo de homens gays eu acho péssimas, que são “Looking” e “Queer as Folk“. “Looking” é uma realidade completamente inalcançável pras pessoas com vidas normais, só tem gay branco malhadinho e bonitinho. Quando a segunda temporada começou a ter personagens mais diversos e debate sobre soropositividade a HBO cancelou. Você já vê aí DE NOVO como a gente não acha fácil series que nos retratem com sinceridade. Gosto muito de “Unbreakable Kimmy Schmidt” e o personagem Titus. É um bicha real ali. Mesmo com todo a sem noção da série. Ele tem suas convicções, medos, problemas. Acho o personagem incrível.

DN – Na opinião de vocês, qual é a série ou filme que está mais acertando na representatividade de minorias e qual ainda precisa melhorar muito?

Tinha “Sense8“, mas tiraram da gente com o cancelamento. “Orphan Black” acerta em pontos absurdos, todas as letrinhas do LGBT aparecem. “Unbreakable Kimmy” tem grande parte do elenco formado por pessoas brancas, mas ainda assim mulheres. E Titus é um gay, negro, gordo e afeminado com seu próprio arco e a serie sempre traz à tona discussões muito boas mesmo com humor.

DN – Recentemente tivemos o lançamento de Mulher-Maravilha, que foi dirigido por uma mulher e por isso trouxe uma visão que não sexualiza a sua personagem principal. Para vocês, qual é a importância de ter mulheres, pessoas LGBTs e negras atrás das câmera produzindo conteúdo?

Essas pessoas vão saber muito melhor como retratar essas histórias e respeitar outras. Você falar sobre a sua própria história torna ela muito mais real.

Mic: tem também a questão da representatividade em empregos. Você saber e ver que existem pessoas LGBTs criando algo traz um precedente e uma esperança na gente que pode mudar toda uma mentalidade negativa de que nunca poderíamos criar histórias e conteúdos.

Julia: Mulheres à frente de produções de mídias é muito difícil de achar, então ver uma produção grande com mulheres liderando dá uma certeza de que vamos conseguir espaços cada vez mais.

Mic: E Mulher-Maravilha ser o melhor filme da DC não atrapalha nem um pouco.

Julia: Amen to that!

DN – Por fim, qual dica vocês dariam para pessoas que também estão começando a produzir conteúdo para o Youtube?

A gente também tá começando e ainda descobrindo muita coisa. Mas achamos que acima de tudo você tem que ter algo pra falar e saber que sua voz é importante sim. A questão não pode ser sobre número de inscritos e visualizações, mas sim como e o quanto sua mensagem está sendo passada.

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Feminista. 20 anos. Libriana indecisa com ascendente em leão que sonha em viajar o mundo. Estudante de publicidade e propaganda, apaixonada por séries, livros, filmes e levemente viciada em ver fotos de animais fofinhos na internet.
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