[EVENTO] Palavra Preta: Mostra promove a produção artística de mulheres negras em Brasília

[EVENTO] Palavra Preta: Mostra promove a produção artística de mulheres negras em Brasília

Entre as milhares formas de luta das mulheres negras contra o machismo, o racismo e a exploração de classe, fatores que se interseccionam e realizam a manutenção de desigualdades, a expressão artística encontra também o seu espaço como um modo de resistência individual e coletiva. Poetizar o cotidiano, evidenciar feridas, celebrar o amor ou enaltecer partes da história brasileira – e mundial – que convenientemente são esquecidas, enquanto se reforça a própria força criativa e criadora, são maneiras de fisgar ouvidos atentos, amolecer almas endurecidas e abrir olhos para questões que anseiam por atravessar os muros de onde estão confinadas.

Assim caminha o trabalho da cantora e compositora Luedji Luna. Equilibrando-se entre um misto de firmeza e suavidade, a artista desenvolve canções com ritmos inspirados no jazz e na música popular brasileira, que recebem também o tempero de sons de matrizes africanas. Desse modo, ela subverte a recente polêmica que girou ao redor da equivocada frase da cantora Mallu Magalhães – “essa é pra quem é preconceituoso e diz que branco não pode tocar samba” – e mostra que em um mundo onde os flashes apontam rotineiramente para os feitos de pessoas brancas, são as mulheres negras que precisam provar (e provam muito bem) que podem beber de muitas referências e possuir identidades múltiplas e complexas.

Neste ano, aliás, Luedji concorre em três categorias do Prêmio Caymmi – show, música com letra e clipe – e o resultado final será conhecido em agosto. O single Um Corpo no Mundo dá o tom do disco de estreia da artista que, com o mesmo título da música, deve ser lançado até o final de 2017, por meio de financiamento coletivo. Como afirmou para o site Correio Nagô, a canção surgiu a partir do encontro com imigrantes africanos em Salvador. “Eu sempre digo que nós negros da/na diáspora sentimos uma saudade ancestral, me deparar com aqueles corpos negros despertou em mim o desejo de saber qual daquelas Áfricas eu poderia chamar de minha”.

Soteropolitana radicada em São Paulo, Luedji é cofundadora de um coletivo de compositoras de Salvador – o M.O.V.A – e já foi parte do Bando Cumatê, coletivo engajado na pesquisa e difusão de manifestações artísticas tradicionais da cultura brasileira. Ela é também uma das cofundadoras do Palavra Preta, uma mostra nacional de autoras negras que teve a sua primeira edição neste ano. Uma das outras responsáveis pelo nascimento do projeto é a brasiliense Tatiana Nascimento, poeta, cantora, zineira e criadora da Padê Editorial, um selo independente de livros artesanais que publica autoras negras ou LGBTQI.

Tatiana Nascimento e o seu livro de poesias “Lundu”, autopublicado pela Padê Editorial. Foto de Daniela Vieira.

Tatiana é também uma artista de várias frentes, estando atualmente envolvida com a turnê Meio Beat Meio Banzo, onde as próprias letras e a própria voz se unem em diferentes modos de fazer poesia. O espetáculo, criado em Salvador, coloca em pauta a diáspora negra e a dissidência sexual, despertando memória e afeto a partir de melodia, ritmo, palavra. Por meio da mistura de timbres e ritmos negros que vão do afoxé ao blues, beats afrofuturistas denunciam cenários de luta mas também celebram “tecnologias ancestrais de cura”: axé, amor e água.

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Embora a jornada como cantora seja recente, iniciada em 2016, a artista possui longa trajetória na música, tendo sido parte de bandas de hardcore como Silente e Toda.Dor.Do.Mundo, ambas de Brasília, o que reforça o caráter único e variado que cada artista negra carrega em si. Produtora de eventos relacionados à composição e criação e criadora de batalhas de poesia falada, como o Slam das Minas e o Slam A Coisa tá Preta, tudo na vida de Tatiana conflui para um rumo que busca romper com o status quo e resgatar a herança diaspórica da arte negra contemporânea.

Como explicou no manifesto de apresentação da mostra Palavra Preta:

“Somos muitas, nos expressamos de diversas maneiras! Reinventamos as fontes ancestrais e renovamos os rumos da produção estética, poética, musical, performática desde a intimidade de nosso cotidiano até a expressão pública de nossa arte-existência-resistência. Partimos da crítica contundente ao cultivo da semente maravilhosa, construindo as pontes simbólicas que pavimentam nossa vida na trilha do amanhã.”

Neste mês, ambas estarão no Distrito Federal para a segunda edição do Palavra Preta, no Festival Latinidades, que começa na sexta-feira, dia 28 de julho. Este ano marca a décima edição do festival, que tem o intuito de destacar o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. O tema de 2017 é “Horizontes de liberdade: afrofuturismo nas asas da Sankofa”, e o evento traz uma programação que promove encontros que dão visibilidade para a produção artística, cultural, política e intelectual de mulheres negras em todo o mundo. Acompanhe o festival no Facebook e saiba de tudo que vai rolar.

Festival Latinidades

25 a 30 de julho

Museu Nacional (atividades gratuitas) e Calaf (festas pagas)

Palavra Preta: Mostra Nacional de Negras Autoras

28 a 30 de julho // sexta-feira a domingo

Festival de música e poesia voltado para autoras negras dentro da programação do Latinidades

Espaço literário (Museu Nacional)

Programação completa

Aproveitando a passagem pela capital federal, Luedji e Tatiana fazem também shows independentes pela cidade, em diferentes datas. Apoiem artistas negras!

Mais informações sobre os shows:

Luedji Luna, Um Corpo No Mundo

26 de julho // quarta-feira

Emporium Hermusche (413 Norte)

A partir das 20h

Ingresso: R$20

                                                                                                          –

Tatiana Nascimento, Meio beat Meio Banzo 

29 de julho // sábado

Sala Conchita do teatro Dulcina de Moraes (Conic)

A partir de 20h30

Ingresso: R$15,00 ou R$7,50 (carteirinha; doação de ração felina/canina)

1o de agosto // terça-feira

SESC Garagem (713/913 sul)

A partir de 19h44

Ingresso: R$15,00 ou R$7,50 (carteirinha; doação de ração felina/canina)

Imagem destacada: Amanda Daphne (Reprodução)

Julho é o mês da celebração da luta e da resistência da mulher negra. Marcadamente, o dia 25, representa o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Durante todo o mês, núcleos e coletivos articulam entre si, campanhas de cultura, identidade e empoderamento dessas mulheres.

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Brasiliense, jornalista e especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Adora internet, bandas de minas, livros, ideias novas, lugares diferentes e comidas deliciosas. É autora do blog Vulva Revolução e colabora em diversos projetos legais por aí.
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