[ENTREVISTA] Pollyanna is Dead: “Mulher não é boneca, nem capacho de machista. Eu, ela, todas unidas.”

[ENTREVISTA] Pollyanna is Dead: “Mulher não é boneca, nem capacho de machista. Eu, ela, todas unidas.”

A banda Pollyanna is Dead nasceu oficialmente em 2015, no Distrito Federal, e tem como integrantes as amigas Karla Machado (bateria), Isabel Elias (baixo), Denia Silva (vocal) e Lya Maria (guitarra). O nome remete ao clássico livro “Pollyana“, publicado em 1913 por Eleanor H. Porter – e o subverte. No lugar de uma doce órfã que sorri para tudo e tenta extrair o lado bom de grandes adversidades estão quatro mulheres que não fecham os olhos para a realidade.

Assumidamente feminista, Pollyanna is Dead possui uma sonoridade fortemente influenciada pelo grunge e pelo punk, e aborda a desigualdade de gênero e a união entre mulheres nas letras das músicas – entre outros temas que se relacionam com inseguranças femininas ou temais sociais mais amplos. O grupo mescla, de certo modo, sons mais sujos que lembram bandas como L7 com um apelo pop meio The Donnas em alguns momentos.

O primeiro passo rumo à união do grupo foi dado por Karla, quando decidiu trocar os patins de Roller Derby por baquetas, com o intuito de ter um projeto musical composto apenas por minas. Após um período de covers e mudanças internas, a formação atual foi consolidada e partiu para a produção autoral. O primeiro EP, “Eu não me calo”, foi lançado ano passado, mas o forte da banda são as apresentações ao vivo. Este ano lançaram o EP “Fica Esperta”, e a faixa de mesmo título mostra qual é o recado que elas querem passar:

“Pare, pense, escute e reflita, mulher não é boneca, nem capacho de machista. Eu, ela, todas unidas. Lutar por nosso espaço ou estaremos fudidas”.

 Pollyana is Dead

A composição de músicas novas anda a todo vapor, mirando em um próximo trabalho, que ainda não tem previsão de lançamento. Enquanto isso, conheçam um pouco mais sobre a banda nesta entrevista com as integrantes Karla, Lya e Isabel (Denia estava viajando): 

DN – Qual a experiência que tiveram com música antes do Pollyanna is Dead? Já foram de outras bandas?

Karla: Estudei bateria e percussão sinfônica na Escola de Música de Brasília quando era adolescente, mas nunca consegui ter uma banda. A vida acabou me distanciando da bateria por quase 20 anos, quando em 2015 resolvi voltar a fazer aulas e finalmente realizar o sonho de ter uma banda só de mulheres.

Lya: Quando adolescente comecei a estudar guitarra, mas abandonei para estudar canto. Toquei em várias bandas, como Mákina du Tempo, Lili Ava Vour, e sempre tive sonho de ter uma banda de minas. Recomecei meus estudos de guitarra e hoje estou em alguns projetos.

Isabel: Apenas Pollyanna is Dead.

DN – Nas músicas de vocês, fica evidente que rolam mensagens feministas e tudo mais. Qual a relação de vocês com o movimento?

Karla: É uma relação de aprendizado e busca por equidade, tanto no meio musical, quanto na vida. A gente sente na pele diariamente as consequências do patriarcado e vemos mulheres passando por violências horrendas todos os dias, seja nos círculos de amizade ou nas manchetes. O machismo mata, não podemos ficar alheias.

Lya: Eu não sabia que eu era feminista, mas percebi ao notar que eu não aceitava as coisas que me diziam ou que eu via por aí, e então comecei a me interessar pelo feminismo e conhecer pessoas envolvidas… Hoje faço parte de um grupo de veganas feministas.

Isabel: Todas nós nos consideramos feministas e questionamos, na medida em que nos é possível, as estruturas que mantêm as mulheres presas – tanto fisicamente quanto psicologicamente – em situações vulneráveis e desvantajosas.

DN – Como o público tem recebido a banda? Como tem sido os shows?

Karla: No geral o público nos recebe muito bem. Temos visto o público majoritariamente masculino do início tornando-se cada dia mais feminino. Hoje a mulherada é a maioria do nosso público!

Lya: No geral o público nos recebe muito bem. Acontece de pessoas cantarem as músicas e isso é demais!

Leia Também:
[ENTREVISTA] Gabriela Larocca: A relação entre o cinema de horror, questões de gênero e sexualidade
[ENTREVISTA] Shamsia Hassani: A artista afegã que desafia o machismo através do grafite nas ruas de Kabul
[ENTREVISTA] Gabriela Deptulski (MMGL): Psicodelia e transparência

DN – Vocês encontram, no cenário musical, alguma dificuldade específica por serem mulheres? 

Karla: Sempre! Principalmente os caras que acham que não sabemos nada sobre nossos equipamentos e estão sempre oferecendo “ajuda”.

Isabel: Encontramos a dificuldade que é tão comum a nós, mulheres, independente da área em que estamos atuando: muitas vezes, somos julgadas primeiramente pela nossa aparência e por sermos mulheres ao invés de sermos pelas nossas músicas em si.

Lya: A cena é dominada pelos homens, eles fazem os eventos e decidem as coisas… Percebo que às vezes querem banda de mulher porque mulheres são sexies, essas babaquices, e tem muito homem que se diz desconstruído mas que é cheio de preconceitos. É só ir em qualquer show de rock, a maioria das pessoas envolvidas é homem.

DN – E, para além do gênero, quais as dificuldades que encontram sendo uma banda independente?

Karla: Fazer tudo sozinha não é fácil. Sem apoio, sem grana… Fazemos tudo na cara e na coragem. Sentimos muita dificuldade principalmente em relação ao cachê. É raro ganharmos pra tocar, mesmo quando tem bilheteria! Todos os outros profissionais envolvidos são pagos, menos as bandas. Um absurdo.

Lya: Fazer rock é estar no underground… O que não estamos mais topando é tocar totalmente de graça, porque temos muitos gastos com a banda, aulas, equipamentos, deslocamento… E não é justo que só a banda não receba.

DN – Acreditam que a cena independente continue a ser machista, ainda que busque ser uma alternativa geralmente mais politizada que o dito “mainstream”?

Isabel: Sim. A cena independente é machista, ainda que talvez menos machista do que a cena “mainstream”. Por exemplo, ainda é frequente a organização e produção de eventos sendo feita por homens (e para homens). Ainda temos dificuldade, como mulheres, de colocar a nossa voz nesse espaço.

Lya: Uma vez fizemos um pequeno vídeo falando que é importante discutir feminismo e fomos xingadas de tanta coisa…

Karla: Ainda temos muito chão pela frente. Não sei como andam os bastidores do “mainstream”, mas o povo “politizado” também pode ser bem machista. Já passamos por situações bem constrangedoras, desde mandarem a gente lavar roupa até dizer que somos retardadas (risos).

DN – Quais bandas que vocês gostam e/ou possuem como referência? E quais bandas do Distrito Federal, especificamente, que vocês curtem também? Qual o estilo de som que vocês geralmente mais escutam?

Karla: Eu curto muito rock! Sou grunge de alma e minhas principais influências são dessa galera: L7, Alice in Chains, Soundgarden. Curto um som mais pesado também e muita coisa pop. Da cidade sou fã da Anillá, Mari Camelo, Soror, Estamira, Márcia Campus, Haynna, Paola Tainan, Supervibe e mais uma mulherada de respeito que toca na cena. 

Lya: Curto rock clássico, grunge, hard rock e pesquiso sobre mulheres no rock, bandas como Halestorm, In this Moment… e também cantoras pop como a Elle King. Tô meio por fora do cenário local, mas curto apoiar as bandas com mulheres, inclusive estamos tentando nos unir.

DN – Mandem um conselho para as meninas e mulheres que morrem de vontade de ter uma banda ou de começar a tocar um instrumento musical:

Karla: Comecem agora! Não adiem sonhos, todas somos capazes de aprender qualquer coisa que tivermos vontade e disponibilidade.

Lya: Não desistam de algo porque já tem um monte de homem fazendo… E daí? Eles também começaram do nada.

Foto: Sarah de Magalhães (Divulgação)

Escrito por:

11 Textos

Brasiliense, jornalista e especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Adora internet, bandas de minas, livros, ideias novas, lugares diferentes e comidas deliciosas. É autora do blog Vulva Revolução e colabora em diversos projetos legais por aí.
Veja todos os textos
Follow Me :