Kelela: os delírios confessionais de uma das vozes mais autênticas do R&B

Kelela: os delírios confessionais de uma das vozes mais autênticas do R&B

Criando atmosferas envolventes, angustiantes e urgentes, a cantora e compositora Kelela é uma das vozes mais interessantes no cenário do R&B contemporâneo

A qualidade na interpretação e na produção de seu conteúdo musical fizeram seus registros agradarem não só no gosto de críticos musicais, mas também de artistas de peso, como Solange e Björk. Aos que já conhecem o trabalho da cantora ou até mesmo para quem ainda não conhece, as notícias são boas: o primeiro disco de estúdio já tem data marcada para esse semestre. 

Kelela Mizaneskristos é uma cantora e compositora norte-americana, de ascendência etíope, que nasceu e foi criada em Washington D.C. Depois de cantar em bares e em cafés, a cantora já demonstrava interesse em flertar com propostas musicais que fogem do que tradicionalmente se experimenta no R&B e integrou a banda indie Dizzy Spells, além de ter tentado cantar metal progressivo após sua parceria com o instrumentista Tosin Abasi, da banda Animals as Leaders.

Em 2010, Kelela se mudou para Los Angeles, onde teve encontros e parcerias que influenciaram o seu som até os dias hoje. Três anos após sua chegada na cidade, ela conheceu o duo de música eletrônica Teengirl Fantasy, com quem contribuiu musicalmente na faixa “EFX”, do álbum “Tracer“, lançado no mesmo ano. Essa colaboração foi fundamental para que a cantora conhecesse Prince William, do selo americano Fade to Mind, responsável pela gravação da mixtape “Cut 4 Me”.

Esse primeiro registro explora o experimentalismo que habita o imaginário sobre uma artista do underground, mas traz uma produção afiada que surpreende. A mixtape reúne um time de produtores com foco na música eletrônica, R&B e Hip hop – como Girl Unit, Jam City, Bok Bok e Kingdom– que são responsáveis por criar a atmosfera de melancolia que os versos de Kelela pedem.

“Cut 4 Me” impressiona pela qualidade na sua composição. Com tantas mãos envolvidas, a obra é fragmentada, mas orgânica. Cada música tem suas propostas particulares, porém continuam se correspondendo e reafirmando a autenticidade do todo.

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O processo de Kelela parece sempre estar em contrapontos. Suas faixas estão conectadas com o clássico R&B dos anos 90, mas com um frescor que dá reinvenção para a música negra americana e britânica. As batidas sobrepostas produzem múltiplas camadas que se reorganizam ao longo de todo disco.

Essa artificialidade (sem conotação negativa) se mescla com o investimento passional – quase visceral – da cantora, que deposita suas dores e seus desejos nas bases agressivas e nos efeitos ruidosos. Essa dinâmica pode ser percebida na ótima Send Me Out e seus versos dolorosos como: “Now that we’re standing closer together/ I need to feel you in my arms/ All this mixed emotion breaks me down and makes me wanna cry” e “Even though I had a bit of doubt about it/ I still wrap you around my heart”.

Nessa mistura de sensações inquietantes e traços de trip hop e post-dubstep, “Cut 4 Me” em alguns momentos é intimista, mas também convida para dançar. A presença de Kelela não é ofuscada. A artista preenche cada campo que deve ser ocupado e até mesmo os seus vazios se tornam interessantes. Logo de cara, ela entrega um projeto que sabe a dosagem correta entre ambição e precisão.

Em março de 2015, foi a vez de se aventurar no lançamento do EP “Hallucinogen“. O primeiro single foi “A-Message”, que foi produzido por Arca, produtor e artista venezuelano que trabalhou com a cantora Björk no álbum “Vulnicura“, de 2015, e que teve o disco “Mutant” presente nas principais listas de melhores álbuns internacionais do mesmo ano.

O clipe é dirigido por Daniel Sannwald e conta com uma animação instigante como palco ideal para os sussurros confessionais da canção, como demonstrados nas frases “And all I know is all I’ve got/ Is it hard to face/ All we lost?/ So I’m gonna let you body go for sure”

Com apenas seis músicas, não é pelo número de faixas que a grandeza de “Hallucinogen” pode ser mensurada. O EP mostra uma Kelela com uma visão criativa mais madura, sem deixar de dialogar com a obra anterior.

Mais uma vez acompanhada por bons produtores, como Kingdom e Dj Dahi (parceiro de Kendrick Lamar e Drake), a atmosfera criada no disco é densa, passando por synths mais frios. A voz de Kelela é poderosa, firme e carregada essência em cada uma das canções.

A melancolia, os pensamentos mais particulares e até mesmo uma certa dose de tristeza são os sentimentos mais explorados pelas letras. Mas, engana-se quem acha que isso deixa o disco pesado. As frases francas da cantora fazem com que todo esse caos sentimental seja transmitido de modo simples, delicado e humano.

É na mistura de angústia, sensualidade, urgência e fraqueza que Kelela convence. Com maestria, suas músicas fazem uso da sobreposição de batidas minimalistas e intimistas para tratar de sensações sufocantes. É com essa intensidade que ela se torna tão inventiva na música eletrônica, fazendo da vulnerabilidade sua principal fonte de força ao cantar sobre a solidão, a carência e até mesmo eroticidade.

A proposta certeira está prestes a se materializar em um novo projeto: nesse mês, Kelela anunciou o lançamento do seu próximo disco e o single “LMK“, que ganhou um clipe no último 9. A canção traduz como nunca a relação da cantora como R&B dos anos 90, em um vídeo com direito a várias coreografias e estética no melhor estilo TLC em “No Scrubs”. O álbum se chamará “Take Me Apart”, contará com quatorze faixas e sairá no dia 6 de Outubro. 

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Estudante de jornalismo que ama milkshake, comidas veganas e poesia na mesma intensidade que não suporta desfazer malas ou arrumar o quarto. Vivendo sempre em um ritmo frenético, só a música consegue se fazer presente em todos os momentos. Ouve de tudo toda a hora e já fez playlist até para tomar banho.
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