[ENTREVISTA] Maria Bonita Fest à beira do caos: Um tributo ao Bulimia vem por aí!

[ENTREVISTA] Maria Bonita Fest à beira do caos: Um tributo ao Bulimia vem por aí!

As mulheres dominaram o palco da Ocupação Mauá, no centro de São Paulo, no último sábado (23). Ódio Mensal (SC), Charlotte Matou um Cara (SP), M0ita (SP), Obstinée (SP) e Naome Rita (PR), entre gritos enérgicos, desabafos raivosos, um pouquinho de melódico – e, infelizmente, alguns problemas de som -, deram forma à 6ª edição do Maria Bonita Fest.  

O Maria Bonita Fest, que existe há pouco mais de um ano, surgiu com o intuito de criar um ambiente de apoio mútuo – e isso inclui também as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. Essa edição não fugiu à regra: foram pedidos brinquedos para as crianças da ocupação e livros para a biblioteca popular dos moradores.

Muita gente ajudou, e enquanto as bandas se apresentavam, os pequenos corriam de um lado para o outro segurando revistinhas de colorir, chutando bolas e tocando flautas (e às vezes, claro, os pais precisavam separar algumas brigas – criança sendo criança, né?).

Maria Bonita Fest
As gurias da Ódio Mensal saíram de Rio Negrinho, em Santa Catarina, para se apresentar no Maria Bonita Fest. Foto: Andreia Assis de Brito

Mas essa edição foi particularmente especial: além de dar visibilidade à história da Ocupação Mauá (que existe há 10 anos e corre risco de reintegração de posse), foi a primeira iniciativa de arrecadação de fundos para a construção do álbum “À Beira do Caos” – um tributo a uma das bandas mais importantes do hardcore punk feminista brasileiro, Bulimia.

Divulgado na página do Maria Bonita Fest pela primeira vez no fim de agosto, o projeto consiste na regravação do clássico “Se Julgar Incapaz Foi o Maior Erro que Cometeu”, que completa 20 anos em 2018. As versões ficarão por conta de bandas de mulheres de diversas localidades do Brasil, entre elas Bertha Lutz (MG), Margaridas em Fúria (PB), Ostra Brains (RJ) e Whatever Happened to Baby Jane (ES).

Para entender melhor o processo de criação e produção do álbum, conversamos com Cibs e Maia, responsáveis pelo Maria Bonita Fest e que, de quebra, comandam os vocais da banda M0ita:

Maria Bonita Fest
A versão de “Beat on the Brat”, do Ramones: “Bate no facho! Bate no facho com um pedaço de pau, oh yeah oh oh“. Foto: Andreia Assis de Brito

DN: Quando surgiu a ideia de organizar os eventos? Por qual razão acharam necessário que eles existissem?

MBF: A ideia surgiu em abril de 2016 com o extinto festival “Shut! No Saco”. Nos reunimos em mulheres antifascistas das cenas punk e hardcore e da militância feminista, para a idealização e construção de uma tomada de espaço nosso dentro das subculturas (já que a maneira como os homens conduziam e conduzem esses ambientes torna-os fechados e hostis para nós).

Foi necessária a sua existência, e é necessária a sua resistência, para que as mulheres e meninas tenham espaços de expressão, troca e discussão política e artística dentro das subculturas.

DN: No último festival vocês deixaram a entrada como contribuição voluntária. É sempre assim? As pessoas ajudam ou não?

MBF: Recebemos muito apoio das mulheres, e quando colocamos contribuição voluntária rola bem bacana, bastante gente ajuda com o que pode. Essa foi a forma que encontramos de custear as passagens das bandas, transporte de equipamentos, impressão dos zines etc, sem tornar o evento excludente – onde só quem tem o valor da bilheteria para pagar consegue ter acesso.

Entendemos que a “Bilheteria Obrigatória” seleciona o público que tem a possibilidade de colar no Fest, e gostaríamos que mulheres de todas as realidades sócio-culturais possam participar ativamente desse espaço. Além disso, sempre arrecadamos doações pra fortalecer mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Só uma vez o evento foi cobrado para ajudar no custeio dos gastos de uma das bandas que tocou (que era da Dinamarca).

Maria Bonita Fest
Zine produzido pelo Maria Bonita para a edição de comemoração de um ano, sobre Saúde Mental da Mulher. Foto: Reprodução

DN: Mesmo com tantos eventos feministas cheios e com apoio do público, tem rolado muita especulação sobre a cena underground/independente estar em decadência. Vocês concordam com isso?

MBF: A cena contracultural antifascista e feminista – o punk e o hardcore tocado por mulheres – está mais ativa do que nunca! De dois anos para cá surgiram e ressurgiram muitos eventos musicais e artísticos subculturais, idealizados por mulheres: muitas bandas, materiais e iniciativas produzidos por elas. Mosh Like a Blasfemme, Periféricas, Distúrbio Feminino, Subversivas Festival, Minas à Frente, Kolika, Charlotte Matou Um Cara, Crowd, Eskröta, The Truckers, Xavosa, Corujas De Gotham, Mau Sangue, Klitores Kaos, RÄIVÄ, Oldscratch, Noskill, Naome Rita, dentre outras muitas.

Sentimos que uma coisa vai puxando a outra numa crescente muito foda! Os espaços estão cada vez mais fortalecidos e tomados pelas minas.

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DN: Muitas dessas opiniões são de homens. Vocês acham que o pessimismo tem alguma relação com esse fato?

MBF: Sim. Acreditamos que a opinião dos caras se dá ao entender que a cena ou o underground se limita àquilo que eles conhecem e que é feito por eles (normatizam-na como masculina – e entendem que existe uma outra, à parte, feita por mulheres).

É uma visão bem limitada da realidade, digna de quem não sai da sua bolha ou da sua posição de privilégios para conhecer, reconhecer e valorizar aquilo que existe e re-existe para além do seu umbigo e da sua realidade. Nada novo sob o sol, infelizmente.

DN: Agora, indo pro lance do Tributo ao Bulimia… De onde veio a ideia?

MBF: Pensamos que seria legal regravar o álbum icônico “Se Julgar Incapaz Foi o Maior Erro que Cometeu”, com várias bandas de mulheres do Brasil somando na construção. Um tributo em homenagem à banda e aproveitando também esse momento de muita união das minas no underground para uma construção coletiva nesse sentido.

DN: Qual a importância do Bulimia na vida de vocês e também para a cena punk brasileira (não só para as mulheres)?

MBF: A maioria das bandas de hardcore/punk eram formadas por homens e, de certa forma, o Bulimia surge como a voz de muitas minas nesse meio, colocando em pauta nossos interesses. O Bulimia foi super importante por alinhar o som aos ideais feministas expressados nas letras.

DN: E como vocês conseguiram juntar tanta banda de mulher, de tanto lugar diferente, para engatar nesse projeto?

MBF: Algumas das bandas nós já conhecíamos. Mas para não chamarmos só as bandas das migas, pesquisamos bandas recentes de punk/hc com mulheres na formação. Existem muitas outras que infelizmente não puderam participar, tanto pela quantidade de músicas no álbum ser limitada, quanto por outros motivos.

É bacana que nesse meio tempo pudemos descobrir o trabalho de várias minas. A página União das Mulheres do Underground sempre divulga bandas com mulheres e eventos no Facebook. Acaba sendo um catálogo interessante, especialmente para quem diz não ter bandas legais de minas, né?

DN: Quando vocês lançaram a ideia, a galera topou logo de cara?

MBF: A aceitação foi 100% positiva, todas as bandas ficaram mega contentes com o convite! Disseram que a iniciativa tem muita importância – o que acabou sendo uma motivação grande para nós.

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DN: Sobre o corre de produção do álbum (aspectos mais técnicos e burocráticos), são mulheres também que estão tomando frente disso?

MBF: A princípio, sim. Cada banda ficou responsável pela gravação na sua cidade e escolheu com quem gravaria. O trampo de mixagem e masterização vai ser feito pela Helena Duarte, e vamos continuar arrecadando a grana com o bar e contribuição voluntária durante os rolês futuros.

DN: Depois que vocês divulgaram o projeto pela primeira vez no Facebook, teve muito engajamento?

MBF: Na hora que publicamos foi sucesso instantâneo! (Risos) A todo momento, ainda hoje, semanas depois da divulgação, as pessoas marcam outras e a reação é sempre muito boa. Ficamos felizes com isso.

DN: Sobre mulheres que tem vontade de organizar eventos e/ou projetos também: vocês tem alguma dica?

MBF: Se organizem com mulheres, juntem as amigas, chamem bandas com minas, fortaleçam as redes entre mulheres artistas e apoiem os trampos das minas. Promovam trocas de ideias entre as mulheres! É muito importante para todas nós, fortalecermos essas redes e espaços entre nós, com a participação ativa na tomada dos espaços.

Não tem nada que não consigamos realizar juntas!

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Escrito por:

Feminista, bruxa e vegana. Estudante de jornalismo e de bateria. Apaixonada por gatos, filmes de terror, contracultura e roller derby. Cozinheira (e meio piadista) nas horas vagas.
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