[FESTIVAL DO RIO] A Guerra dos Sexos: questões de gênero, sexualidade e direitos iguais (crítica)

[FESTIVAL DO RIO] A Guerra dos Sexos: questões de gênero, sexualidade e direitos iguais (crítica)

A segunda onda feminista irrompeu os Estados Unidos na década de 1960, espalhando-se posteriormente por grande parte do mundo ocidental. Uma das principais reivindicações era a igualdade salarial para homens e mulheres. Muitas ativistas contribuíram para algumas conquistas que desfrutamos hoje. Uma delas foi Billie Jean King. Tenista americana número 1, King travava batalhas dentro e fora das quadras. A Guerra dos Sexos (Battle of the Sexes) se passa na década de 1970 e vai abarcar essa aventura de mesmo nome provocada pelo tenista aposentado e fanfarrão Bobby Riggs (Steve Carrel).

Cansado do ostracismo e precisando de dinheiro para lidar com o déficit que o vício em jogos lhe rendeu, propôs aquilo que ficou conhecido como Guerra dos Sexos. Ele lançou uma campanha visando desafiar as mulheres que pleiteavam melhores salários no esporte, para provar se eram tão boas quanto os homens, num duelo dentro da quadra. Este jogo, que ocorreu em 1973, entrou para a história, pois se tornou um dos eventos esportivos mais assistidos de todos os tempos.

Com uma reconstituição de época muito bem aplicada em termos de cenografia, direção de arte e figurino, o filme da dupla Valerie Faris e Jonathan Dayton tem êxito ao empregar toques de comédia neste drama que rememora uma passagem emblemática da vida de Billie Jean King, interpretada com afinco por Emma Stone.

Curioso que a dupla de diretores tenha a predileção por trabalhar temáticas relacionadas às questões de gênero, em especial às relacionadas ao universo feminino. Em 2006, com A pequena Miss Sunshine, Valerie e Jonathan já esboçavam uma atenção especial ao modo como a sociedade americana educa crianças e adolescentes de forma a pré-determinar alguns tipos de comportamento.

Abusando dos super closes, os diretores acabam colocando o espectador o mais próximo possível daquele momento, gerando empatia pela protagonista e a causa que persegue. Mas o ganho real do filme nem é toda a mise-en-scène que culmina com a esperada partida de tênis entre King e Riggs. A subtrama que envolve o romance de Billie Jean King com sua cabeleireira Marilyn Barnett (Andrea Riseborough) eleva o filme a outro patamar, ao propor um debate sobre os direitos e os interditos relacionados à comunidade LGBTQ+.

Com uma cena que remete ao episódio San Junipero (da terceira temporada da série Black Mirror), temos uma trilha sonora regada a “Crimson Clover”, de Tommy James and The Shondells, e muito neon na boate onde as duas flertam pela primeira vez. Apesar desta descoberta em termos de sua sexualidade, King era casada com Larry (Austin Stowell), fato que trará alguns entraves para o desenvolvimento do romance.

Impossível não pensarmos no excelente Laços de Sangue (Hard, Fast and Beautiful, 1951), dirigido por Ida Lupino, na qual uma jovem tenista precisa enfrentar os desafios impostos por uma mãe empreendedora, que via no esporte que a filha praticava, com destaque a tão sonhada oportunidade de ascensão social; ao mesmo tempo em que o noivo não entendia a paixão da moça pelo esporte e o seu empenho profissional. Em A Guerra dos Sexos, vemos uma mulher ousada, assumidamente feminista, empenhada em lutar pelos direitos das mulheres e dedicada profissionalmente numa área em que se dá pouco ou nenhum destaque às mulheres ainda hoje.

A tenista norte-americana Serena Williams (15ª colocada no ranking mundial de tênis) escreveu um artigo este ano para o site de economia “Fortune” cobrando equiparação salarial para mulheres negras. É bastante desanimador pensarmos que em quase 50 anos avançamos tão pouco nas pautas feministas.

Num momento de forte conservadorismo e perda iminente de direitos, em que vemos os Estados Unidos governado por Trump e o Brasil por Temer, A Guerra dos Sexos acaba por ser um sopro de ânimo para que não desistamos de lutar por igualdade em todas as esferas da vida social.

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120 Textos

Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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