[CINEMA] Construindo Pontes: passado e presente, política e família, pai e filha (Mostra de SP)

[CINEMA] Construindo Pontes: passado e presente, política e família, pai e filha (Mostra de SP)

O primeiro longa-metragem dirigido pela experiente diretora de fotografia Heloisa Passos se debruça sobre uma difícil tarefa: falar sobre esses Brasis fracionados pela polarização política entre esquerda e direita. O debate político levantado a partir dos acontecimentos que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff é o motor de Construindo Pontes. Porém, o cenário que de fato está em jogo neste documentário é o microcosmo situado na casa do pai de Heloisa e sua relação com ele.

Os atravessamentos presentes em Construindo Pontes são da ordem dos afetos, mas também de uma hierarquia muitas vezes invisível. A ponte que liga estas duas extremidades se faz presente não apenas de forma alegórica. Álvaro Passos foi um renomado engenheiro que atuou no período da ditadura civil-militar brasileira em grandes obras realizadas pelo projeto de expansão e ocupação urbana de todo o território nacional.

O ponto alto do filme são os tensionamentos entre esses dois personagens (diretora e seu pai) que seguem debatendo sobre a História Brasileira ao mesmo tempo em que tentam afinar as arestas de sua relação parental. A generosidade com a qual a diretora apresenta seu antagonista mostra uma faceta interessante da dominação patriarcal. Homens estão autorizados a dizerem sempre tudo que pensam. Às mulheres, o espaço da fala ainda é desconfortável. Talvez esses dois universos e a forma como os corpos de pai e filha imprimem na tela podem dar a falsa sensação de que ele é uma pessoa ponderada e ela uma mulher iracunda (para usar a terminologia que foi atualizada e “está na moda” para desqualificar aquelas que ousem discordar do status quo em qualquer instância). Mas, as aparências quase sempre nos enganam.

Construindo Pontes

Nesse sentido, as pontes que Heloisa pretende constituir com seu filme são múltiplas. É possível fazer uma leitura exclusivamente política do filme. Ao mesmo tempo em que ele nos fornece chaves interpretativas afetivas pela difícil, e quase inconciliável, relação entre pai e filha. Relação essa que fez com que a diretora saísse da casa dos pais ainda muito jovem. E transborda ainda para uma apreensão pela chave do gênero no qual um embate entre o feminino e o masculino, de partida, já nasce desigual devido à estrutura social em que estamos inseridos.

Inúmeros meses foram necessários até que Heloisa Passos conseguisse abandonar apenas o gravador sonoro e ligasse a câmera efetivamente. A dualidade entre os dois personagens é tão marcante que vemos o exercício autoritário de Álvaro se materializar a todo o momento como se quisesse guiar a narrativa e decidir o quê e como seria filmado. As diferentes visões de mundo e os olhares irreconciliáveis de ambos sobre um mesmo fato, fica evidente no terço final do filme, no qual ambos saem em uma viagem de carro pelo interior do Paraná para visitarem uma das estradas construídas por Álvaro.

A tensão entre as personagens Heloisa e Álvaro não se encerram naquilo que é visto na tela já que no extracampo a narrativa foi construída vividamente pela diretora. A montagem feita por Isabela Monteiro de Castro e Tina Hardy (também produtora) e o roteiro escrito em trio por Heloisa Passos, Letícia Simões e Stefanie Kremser são determinantes para o distanciamento da diretora de seu objeto documental e para o resultado final, que de forma extremamente eficiente, consegue transpor para a tela muito dos impasses que estamos vivendo atualmente no Brasil pós-golpe. A opção por trabalhar com uma equipe exclusivamente feminina faz parte de uma declaração feminista de Heloisa Passos que acredita na força das mulheres para uma mudança social através da micro e da macro política.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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