The Love Witch: o conceito misógino de amor

The Love Witch: o conceito misógino de amor

The Love Witch é um filme norte-americano de 2016, escrito e dirigido pela cineasta independente Anna Biller. Na produção, Biller recria o universo dos thrillers dos anos 60 e 70. A fotografia antiga remete o espectador ao período, mesmo que o filme se passe na atualidade. Através dessa ferramenta, cria uma história sobre bruxaria e violência de modo a desconstruir a ideia misógina de amor, que não tanto se distancia daquela das décadas passadas.

The Love Witch

A bruxaria e o mito do amor

Elaine Parks (Samantha Robinson) é uma bruxa moderna. Após o divórcio, encontrou na bruxaria a salvação para a sua dor. A mágoa pela rejeição e pelo sentimento de ter sido usada pelos homens foi amenizada pela possibilidade de ser dona de sua sexualidade. Assim, o coven de Barbara (Jennifer Ingrum) e Gahen (Jared Sanford) lhe mostrou que a atitude misógina dos homens pode ser utilizada contra eles. Todavia, como recriar os conceitos de poder em indivíduos que cresceram rodeados pelo mito fantástico do amor encantado?

Como quase todas as mulheres, Elaine foi ensinada de que devia dar aos homens o que desejavam, na tentativa de encontrar o príncipe encantado em um cavalo branco. Diante da oportunidade de encontrar esse sonho de amor, a protagonista utiliza de feitiços e poções. Acaba, no entanto, frustrada ao perceber que o amor prometido é irreal.

O primeiro homem foi Jerry (Stephen Wozniak), com quem se casou. O amor do matrimônio cedeu lugar às exigências de um instituto marcado culturalmente pela submissão. Jerry, acostumado com os estereótipos de papéis, desvalorizava Elaine como pessoa. A rotina de opressão é rompida quando ele a deixa e se envolve com outra mulher. Elaine passa, então, a dançar em um clube noturno, onde conhece Barbara e a bruxaria. Ele, por sua vez, morre pouco antes do novo casamento de forma misteriosa.

The Love Witch

Os homens que não amam as mulheres

Em virtude do falecimento de Jerry, Elaine se muda de São Francisco para uma pequena cidade. O primeiro de seus envolvimentos é com o professor de literatura, Wayne (Jeffrey Vicent Parise). Wayne é o homem de perfil culto. Ama mulheres, mas sofre por não encontrar aquela que se enquadre em seu ideal de perfeição.

Elaine aparece como a salvação para um homem “frustrado” pela inexistência da mulher de seus sonhos – que seja bela, inteligente, carinhosa e desapegada. Wayne, porém, é também mais um homem que não consegue lidar com seus sentimentos. Exige atenção integral da amada em surtos de egocentrismo.

O terceiro homem a passar pela vida de Elaine é Richard (Robert Seeley). Marido da prestativa Trish (Laura Waddell) – a única amiga de Elaine na cidade -, o personagem é apresentado como o homem dos sonhos. Atencioso e romântico, parece amar Trish “por quem ela realmente é” e não por concepções de cunho patriarcal.

No entanto, é mais um indivíduo que não resiste ao olhar hipnotizante de Elaine. E seu sentimentalismo logo se torna em obsessão que pode levar à morte. Novamente, a loucura masculina é causada por alguém do sexo feminino. Um homem é tipicamente um ser são. Sua alma é corrompida por aquelas que se negam a respeitar as normas sociais preestabelecidas – as bruxas da contemporaneidade.

O último homem é Griff (Gian Keys), o insensível. Griff é caracterizado como dono de seu destino, incapaz de amar ou de ser conquistado. É o responsável por investigar as mortes em torno de Elaine, com quem acaba se envolvendo. Como tantos homens da vida da protagonista, profere promessas falsas motivado pela concepção de que precisa gerar herdeiros.

A ideia de garantir um destinatário ao seu legado exige a participação de uma mulher, uma vez que apenas elas podem reproduzir. O matrimônio parece ser um requisito formal ao seu desejo. Por essa razão, Griff não enxerga como inapropriado realizar promessas sobre sentimentos que não nutre.

The Love Witch

O amor que sexualiza mulheres em The Love Witch

O filme orbita em torno da relação de Elaine com as concepções de amor. Amor, conforme a narrativa, foge da conotação de empatia que muitas vezes a palavra adquire. Aproxima-se da concepção cultural de relações desiguais de poder. Nelas, geralmente a mulher exerce papel de submissão, de devoção, enquanto o homem exerce domínio em busca de seu próprio prazer.

Elaine joga o jogo dos homens, mas, por vezes, se anula na ideia de domínio. No grupo de bruxas que frequenta, por exemplo, mostra claro desprezo pela figura assediadora de Gahan. No entanto, permanece no grupo sem questionar a participação deste homem que defende a libertação das mulheres.

A libertação feminina, por sua vez, é defendida como o domínio sobre a própria sexualidade. Todavia, o controle é exercido no uso da sexualidade para controle dos homens. Ainda que algumas mulheres consigam o que desejam através dessa ferramenta, não deixa de ser uma forma de perpetuar a cultura de sexualização e objetificação da mulher.  A liberdade que ela almeja, no fim, a prende cada vez mais às relações de poder em que já se encontra.

The Love Witch

A misoginia disfarçada de amor em The Love Witch

Elaine não é a protagonista que se imagina. É apresentada como contrária a algumas propostas do feminismo, mas é construída justamente para contrastar teorias e realidades. Nesse contraste, realiza-se a crítica a uma sociedade que brinca com os corpos femininos e abomina qualquer espécie de poder das mulheres.

The Love Witch é um filme positivo, na medida em que consegue realizar paralelo entre importantes fatores de uma cultura misógina. Relaciona a figura da bruxa moderna com as relações de amor impostas socialmente. Afinal, quem eram as bruxas? Eram mulheres que usavam a natureza para obter poder. Contrariavam os padrões sociais e se recusavam a obedecer às normas vigentes. Eram mulheres que na reconstrução das relações representavam uma ameaça às imposições masculinas.

O longa, por fim, desconstrói estereótipos, tanto masculinos quanto femininos. Expõe uma sociedade de julgamentos, que condena mulheres por tentarem fazer parte dos jogos de controle. Brinca com o fascínio por esse sentimento no confuso estabelecimento do poder. Discorre sobre a concepção distorcida de um amor cada vez mais violento, através de medidas exageradas pelo estilo, mas reais. E entretém, mesclando crítica ao horror cômico vintage de sua produção.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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