[CINEMA] Balanço do Dia: Abertura do X Janela Internacional traz diversidade de estilos

[CINEMA] Balanço do Dia: Abertura do X Janela Internacional traz diversidade de estilos

O Balanço do Dia de abertura da participação do Delirium Nerd no X Janela Internacional de Cinema conta com três filmes: Filhas do Pó, de Julie Dash, Zama, de Lucrecia Martel e Pink Flamingos, de John Waters.

Para início do X Janela aconteceu a sessão de Filhas do Pó, da diretora norte-americana e integrante da L.A. Rebellion, Julie Dash, antes mesmo da abertura oficial. Esse filme é um marco no cinema dos Estados Unidos, pois foi a primeira obra de uma cineasta negra a estrear no circuito comercial, em 1991.

O filme de Dash se passa em Ibo Landing e nos mostra uma família de gullah, descendentes de pessoas que escaparam da vida de servidão e que se estabeleceram próximo à costa norte da Carolina do Sul. A história de três gerações dessa família é contada por uma criança ainda no ventre de sua mãe, no ano de 1902. A trama procura mostrar os fortes laços familiares que eram formados mesmo quando não sanguíneos, o que poderia servir de ilustração para algumas passagens do aclamado livro Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis, além de lidar com assuntos como religiões, ancestralidade e partida. A estética do filme serviu de referências para obras contemporâneas, como o álbum visual Lemonade, de Beyoncé, segundo Luís Fernando Moura, um dos curadores do evento.

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Imagem: cena do filme “Filhas do Pó”

Todo falado na língua gullah (ou geechee), a obra nos traz imagens lindas de paisagens litorâneas que servem de fundo para reflexões sobre o que o futuro guarda para aquela família, contando a história de uma separação que está por acontecer e que é, ao mesmo tempo, temida e esperada. A dor sentida pela família que se separa é muito bem retratada, causando lágrimas nos espectadores de um Cinema São Luiz bastante cheio para uma tarde de sexta-feira.

Antes da exibição do filme de Lucrecia Martel, Kleber Mendonça Filho apresentou o júri do festival, assim como os participantes da Janela Crítica, iniciativa do Janela que dá a oportunidade de estudantes previamente selecionados terem acesso liberado ao evento para que exercitem a prática da crítica cinematográfica.

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Imagem: “Pop, Dip and Spin: The Legendary Biosensor for Forensic Science“. Reprodução do Youtube

O vídeo Pop, Dip and Spin: The Legendary Biosensor for Forensic Science, de Natália Oliveira, doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco, que venceu o concurso Dance Your PhD da revista Science, foi exibido e muito aplaudido, com direito a discurso da pesquisadora defendendo a popularização da ciência e contra os cortes que o campo de pesquisa vem sofrendo no Brasil. De forma divertida, Natália, em parceria com o grupo Vogue 4 Recife explicou a sua tese de doutorado para que mesmo quem não seja da área entenda sua importância. O vídeo vencedor pode ser assistido no site da Science.

A homenageada Lucrecia Martel falou brevemente sobre seu mais novo filme, Zama, adaptação do romance homônimo, de autoria de Antonio Di Benedetto, publicado em 1956. A diretora foi até a frente da plateia do Cinema São Luiz juntamente com sua equipe de direção de arte e montagem totalmente feminina, e nos disse que a parceria com o Brasil para a realização do filme foi importante, principalmente sobre a dificuldade de fazer cinema autoral na Argentina. Esse é o primeiro longa-metragem dela em que o roteiro não é original, além de ser o candidato argentino ao Oscar em 2018.

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Imagem: cena do filme “Zama”.

Zama conta a história de Dom Diego de Zama (Daniel Gimenez Cacho), funcionário da Coroa espanhola que deseja ser transferido do interior para a cidade. Um colonizador que tem uma ideia bastante elogiosa de si mesmo, declarando-se “pacificador de índios”. O drama vivido por Daniel é adjetivado como “kafkiano”, pois o protagonista está preso à máquina burocrática que o promete a desejada transferência que nunca chega. Até a metade do filme temos um Daniel bastante perturbado, ouvindo falas duplicadas e sofrendo uma espécie de delírio que nos é mostrado de forma bastante subjetiva com a utilização de sons graves e repetitivos.

Na segunda metade do filme, a narrativa sofre uma virada que poderia ter vindo anteriormente, pois o longa é um pouco arrastado até aí. Zama entra para um grupo do Exército espanhol que tem como missão caçar o famoso Vicuña Porto (Matheus Nachtergaele), a quem são creditados diversos roubos e estupros. Mas, até que ponto os crimes que Vicuña supostamente cometeu são tão mais graves que os atos praticados pelos colonizadores? Essa reflexão se mostra bastante sutil no filme.

Zama nos mostra absurdos de nossa história colonial que muitas vezes são ignorados, como a morte de índios por doenças trazidas por brancos e a escravidão.

Para encerrar a primeira noite do X Janela, a sessão de abertura do especial “Heroínas” ficou por conta de Pink Flamingos, do polêmico diretor John Waters. O filme nos traz a protagonista Divine/Babs Johnson (drag queen que interpreta a si mesma), que vive com sua mãe viciada em ovos, Edie, seu filho Crackers (Danny Mills) e a agregada Cookie (Cookie Mueller) em um trailer.

Divine e sua família têm a fama de pessoas mais sórdidas do mundo, mas seus inimigos, o casal Marbles (Connie e Raymond, interpretados por David Lochary e Mink Stole) discordam e dizem ser donos do mesmo título.

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Imagem: cena do filme. Reprodução.

A exibição do filme começou perto da meia-noite e esteve um pouco esvaziada em comparação à sessão anterior, talvez pelo horário ou porque o público sabia das cenas chocantes que seguiriam. John Waters fez Pink Flamingos com baixíssimo orçamento, utilizando recursos como animais reais em cenas de morte, nudez explicita, incesto e estupro.

Talvez o mais chocante na sessão não tenha sido as cenas explícitas, mas as risadas de pessoas na plateia durante cenas de estupro. Em uma dessas cenas, inclusive, uma galinha (que o diretor diz nas cenas extras que foi salva de uma morte em abatedouro e foi feliz em sua morte, pois até transou antes disso!) é utilizada para estuprar uma mulher.

É bastante difícil assistir a esse filme, e apesar de sua fama cult, ele pode e deve ser muito problematizado. É decepcionante ver que um diretor assumidamente gay mostre mulheres sendo tão maltratadas sem que isso seja problematizado (pelo contrário, serve como deboche), porém, não é surpreendente.

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Gaúcha moradora do Recife. Estudante de jornalismo com um pé (ou quase o corpo todo) nas artes. Acha que falar sobre si mesma na terceira pessoa é muito estranho.
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