Precisamos Falar do Assédio: histórias que precisam ser ouvidas

Precisamos Falar do Assédio: histórias que precisam ser ouvidas

Uma van-estúdio, uma cadeira, as vezes uma máscara para não relevar a identidade, e uma história que carrega um peso imenso e que precisa ser ouvida. Esses são os elementos do documentário Precisamos Falar do Assédio, de Paula Sacchetta, que além de cineasta é jornalista e chegou a ganhar o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

O documentário Precisamos Falar Sobre o Assédio foi lançado em 2016 no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, além de ter sido rodado por outros festivais conceituados do país. Além da criação do documentário,  Precisamos Falar do Assédio é um projeto que foi estendido para um site, onde qualquer mulher pode participar contando sua história e gravando para ser disponibilizada no site. Em 2017, o documentário estreou na TV no Canal Brasil além de estar em circuito educativo com distribuição pela Women Make Movies.

Toda mulher tem uma história de assédio para contar. Você já ouviu muitas histórias de assédio de suas amigas, mães, tias, primas ou conhecidas. O mundo, em um determinado momento da sua vida, faz questão de lhe avisar que por ser mulher você terá que lidar com diversas limitações e de uma hora para outra essa cobrança nos atinge como um peso que cai abruptamente em suas costas. Você não pode sair com a roupa que quiser. Você precisa sair sempre acompanhada (preferencialmente de um homem). Você não pode ir numa festa ou balada pra se divertir. Você não pode pegar um transporte público. E se alguma violência acontecer com você, a culpa é sua. Ser mulher é um verdadeiro filme de terror. Não há espaço seguro para nenhum mulher.

Precisamos Falar do Assédio
As máscaras que algumas mulheres usaram durante os relatos. Imagem: Reprodução

A cultura do estupro e a adultização de meninas são fatores aliados aos agressores e abusadores que retiram a infância de milhares de meninas. Alguns ainda revelam para a vítima que ela estava provocando, que ela causou isso, que ela “desestruturou” a família com a revelação do crime. A culpabilização da vítima acomete até mesmo com as crianças. As pessoas não acreditam nas meninas, o mundo não acredita nas mulheres. Sempre há a dúvida, a busca pelo “motivo” dos estupros, dos assédios e feminicídios. “Ela é louca!”, “Ela deve ter feito algo para causar a atitude dele”, alguns dos comentários mais comuns que ouvimos por aí. Podemos ver essa naturalização da violência contra a mulher até mesmo nas chamadas misóginas de alguns noticiários, ou nas revelações dos crimes.

O termo mais acessado nos sites pornôs do Brasil é termo “novinha”. As meninas não tem proteção em seus próprios lares. Não podemos esquecer que meninos também sofrem abusos, mas os números comprovam que as meninas e mulheres são as mais vulneráveis e atingidas pela cultura do estupro. Quando fazemos um recorte de classe e raça, as mulheres periféricas e negras estão no maior percentual das mais violadas. As delegacias e policiais, órgãos e profissionais que deveriam proteger a população, principalmente na periferia – como revela um dos de depoimentos expostos no documentário – não trazem garantias do cumprimento dos direitos. Muitas mulheres passam por novas formas de violências quando recorrem a quem deveria lhe assegurar esse direito.  

Seja na família, na roda de amigos, por perto de pessoas que supostamente deveriam protegê-las e respeitá-las, mulheres estão sendo violadas, agredidas e abusadas, e muitas por vergonha, medo ou decorrente de consequências psicológicas do trauma vivido, contam pela primeira vez neste documentário a agressão que sofreu, carregando o peso por onde passa. 

Assim como no silêncio e na escuridão da van-estúdio enquanto relatam suas histórias, elas precisam lidar com essas dores por anos, tendo (ou não) condições financeiras e apoio para recorrer a ajuda profissional. São pais, namorados, professores, médicos, policiais, pastores, os agressores estão em todos os locais e não apenas no estereótipo do agressor que fica escondido no beco da esquina. O abusador pode vir dentro dos lares ou em locais que a mulher imagina que está segura. Pode ser aquele homem com quem você tem amizade por uma década – como é exposto em um dos relatos do documentário – pode ser aquele namorado com quem você namora desde o colegial, ou com um desconhecido que julga sua sexualidade afirmando que você precisa de “um homem de verdade para aprender a ser mulher e não gostar de outras mulheres”.

Precisamos Falar do Assédio
A van-estúdio no Largo Treze durante a produção do documentário em 07/03/2016. Imagem: Reprodução

Precisamos Falar Sobre o Assédio não é um documentário fácil de assistir, os relatos são extremamente dolorosos, cortantes. Na atmosfera íntima que a diretora cria dentro da van-estúdio, sentimos como se estivéssemos frente aquela mulher que está narrando o peso de sua história, aquele peso que nunca irá embora.

Eu tenho certeza que isso teve reflexo na minha vida. Eu não sou a mesma pessoa. Eu era feliz. Eu gostava de ir nos lugares, eu gostava de me divertir. Eu gostava de conhecer as pessoas. Eu acreditava nas pessoas. E hoje eu só tenho medo e tristeza e ao mesmo tempo eu não consigo nem falar com a minha psicóloga, porque eu acho que ela vai me julgar e me culpar por não ter feito nada, por não ter dito antes.” (relato de uma das mulheres que participam do documentário)

O peso que excede ao da prática da violência e do abuso vivenciado, é aquele que essas mulheres carregam durante suas vidas, são os diversos transtornos e traumas pelos quais elas precisam lidar posteriormente. Os homens ainda enxergam as mulheres como objetos do seu prazer, mesmo quando ainda são meninas, crianças. Esses homens abusadores são capazes de desestruturar nocivamente de uma hora para outra à vida dessas meninas e mulheres, afetando suas personalidades, a forma de se vestirem, de se comunicarem com outras pessoas. 

Nós, mulheres, que estamos expostas aos diversos tipos de violências que pode acontecer conosco a qualquer momento, vamos nos diminuindo, nos apagando lentamente, deixando de frequentar determinados espaços. Nos cobram ainda que não devemos chamar atenção dos homens, enquanto sabemos que o problema não é a roupa, a idade ou o local. Vamos deixando de existir em cada culpabilização da vítima.

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Como podemos ver durante os depoimentos de Precisamos Falar Sobre o Assédio, as mulheres podem compreender ou não sobre as diversas formas de opressão ao qual estão vulneráveis a todo momento, podem buscar informações sobre a cultura do estupro, adultização de meninas, culpabilização da vítima, mas quando uma violência e agressão as atinge é como se vida paralisasse naquele momento. Muitas não querem acreditar que passaram por aquilo, por medo, por vergonha ou inúmeros fatores. Mas essas vozes e relatos precisam ser ouvidos. Precisam quebrar o silêncio para que o assédio deixe de ser naturalizado e discutido em todos os locais: na família, no trabalho ou no bar. O homens precisam mudar, precisam enxergar as mulheres como verdadeiros seres humanos.

O documentário de Paula Sacchetta é mais do que necessário de ser assistido, precisa ser debatido e recomendado por todas e todos. Precisamos Falar Sobre Assédio sempre! 

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Fundadora e editora do Delirium Nerd. Apaixonada por gatos, cinema do oriente médio, quadrinhos e animações japonesas.
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