[CINEMA] Patti Cake$: Desafiando o machismo e a gordofobia no cenário musical (crítica)

[CINEMA] Patti Cake$: Desafiando o machismo e a gordofobia no cenário musical (crítica)

Patti Cake$ é um filme divertido. Dirigido por Geremy Jasper, é daqueles longas que você assiste com prazer, gosta da música e torce para a heroína se dar bem. Vi muitos como esse quando era adolescente, diria até que saí do cinema com a mesma sensação que experimentava quando assistia a filmes como “A Garota de Rosa Shocking”, “Sobre Ontem à Noite”, “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas” e muitos outros dessa mesma época. São filmes que retratam uma geração, contextualizam questões de determinados grupos de uma sociedade e seus dilemas. Impossível não se identificar com um ou outro personagem e não torcer para um final incrível.

Em Patti Cake$ não é diferente. Patricia Dombrowisk é uma jovem de 23 anos branca, gorda, pobre e que vive em Nova Jersey, cidade periférica de Nova Iorque. Ela trabalha num bar e faz bicos de garçonete para ajudar no orçamento da família e no tratamento de sua avó doente. Seu maior sonho é tornar-se cantora de rap e ela se esforça intensamente para atingi-lo, acreditando com todas as forças que basta dedicação e força de vontade para que alcance seu objetivo.

Patti Cake$

Seu maior ídolo é o famoso OZ (Sahr Ngaujah), rapper de sucesso que influencia o desejo de Patti em tornar-se cantora do gênero e habita as fantasias de sucesso da protagonista: em seu imaginário, OZ atuaria como uma espécie de padrinho da carreira dela.

O melhor amigo de Patti é o indiano Jheri (Siddharth Dhananjay) e juntos ensaiam diariamente as canções que Patrícia – ou Patti Cake$, ou ainda Killa P – nomes artísticos que ela pretende usar quando sua carreira decolar – compõe. Quando Patti conhece o jovem misterioso Basterd (Mamoudou Athie) ela propõe formarem uma banda de rap, chamada PBNJ (Patti, Basterd, Nana e Jheri).

A avó de Patti é um capítulo à parte. Nana é vivida pela maravilhosa Cathy Moriarty que, para quem não sabe, atuou em Touro Indomável, de Martin Scorsese, dando vida à mulher por quem Jake (Robert de Niro) se apaixona. Nana é a grande incentivadora de Patti na busca pelo seu sonho, uma vez que sua mãe Barb (Bridget Everett), que na juventude fora cantora de rock, além de ter problemas de alcoolismo, não compreende a filha e tampouco apoia seu desejo por seguir carreira como rapper.

Patti Cake$

Porém, Patti Cake$ apresenta questões mais complexas que a simples história de uma pobre jovem que deseja ser bem sucedida em sua carreira como cantora. Nossa heroína é mulher, branca e gorda. O rap é um discurso rítmico com rimas e poesias, que surgiu no final do século XX entre as comunidades negras dos Estados Unidos. É um dos cinco pilares fundamentais da cultura hip hop, de modo que se chame metonimicamente hip hop. Até bem pouco tempo era um gênero musical quase exclusivamente masculino e as letras de suas músicas, em grande parte, sugerem misoginia, violência e objetificação da mulher.

Portanto, vemos reunidas questões atuais como machismo, gordofobia, bullying, racismo, conflitos geracionais e, porque não, até mesmo  apropriação cultural. Patti Cake$ aborda essas pautas de uma forma leve e divertida sem se aprofundar muito. É exatamente essa característica que nos remete a sensação de que vemos uma comédia romântica dos anos 80.

É evidente que me desdobrar em discutir e refletir sobre tudo o que o filme levanta e não aprofunda nos levaria a uma conversa interminável. Portanto, o ideal é focar no ponto que é o mais interessante e controverso: como uma jovem mulher branca pode construir uma carreira e sobreviver no universo machista do rap?

Patti Cake$

Patti sente um crush por Danny (McCaul Lombardi), um jovem bonitão que trabalha na lanchonete em que ela e seu amigo Jheri frequentam. Porém, Danny, além de ser o bonitão, compõe junto de outros jovens um pequeno grupo de rappers brancos e obviamente misóginos e gordofóbicos.

Em certa altura do filme, em uma das cenas mais fortes, Patti enfrenta o grupo e participa da batalha de rap sugerida por eles. Porém, a reação de Danny é cheia de violência e indignação diante das letras de Patti. Essa cena sintetiza a dificuldade dos jovens rapazes em entender que não existe um espaço adequado e específico para mulheres. Devemos e podemos estar e ser o que quisermos e nossa capacidade em realizar tarefas, até então destinadas apenas aos homens, não invalidam o trabalho de nenhum dos gêneros. Há espaço para todos.

Me pergunto: do que os homens têm medo? Seria simples dizer que é apenas o desejo de nos impor sua vontade e caprichos. Deve haver algum outro motivo que os conduz à crença de que às mulheres cabe somente lugares para os quais o homem não atribui valor e, portanto, considera menor ou insignificante para seu exercício de poder.

Na cena em questão, o que mais incomoda Danny e seus amigos não é somente o fato de uma mulher cantar rap, afinal eles são homens brancos cantando rap (apropriação cultural?), mas também o fato dela ser gorda. O que piora em muito a forma com que todos, homens brancos ou negros a tratam, como se o fato de ser mulher gorda fosse uma condição de inferioridade dupla.

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Mas ela lida com maestria diante de toda a provocação e ataque, e prova para todos que é tão boa ou melhor do que eles, uma vez que suas letras poéticas contam sua trajetória, defendem a ideia de empoderamento e a certeza de seu valor. Patti Cake$ usa o rap como forma de expressar toda sua capacidade, beleza e sua segurança sobre seu potencial como cantora. Não deixe de assistir ao longa e curtir a trilha, que sem dúvida é um capitulo à parte. Boa diversão!

O filme estreia dia 30 de novembro nos cinemas.

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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