[SÉRIES] Dark: A comum prática de desperdiçar personagens femininas

[SÉRIES] Dark: A comum prática de desperdiçar personagens femininas

DARK é uma serie alemã, produzida pela Netflix, que teve sua estreia no início de dezembro. Com o desaparecimento de duas crianças, a pequena comunidade da cidade de Minden se mobiliza por respostas, despertando antigos questionamentos sobre desaparecimentos semelhantes do passado. A Netflix já tem apostado em séries de suspense e terror, desde o sucesso de Stranger Things, e pelo trailer é sentida uma semelhança entre as duas séries. Porém, nos primeiros episódios Dark mostra que as semelhanças terminam no ponto da história ser ambientada em uma cidade pequena e ter o desaparecimento de crianças.

A produção mergulha nos gêneros de terror e suspense, aborda confortavelmente questões de ficção científica e deixa no ar o envolvimento de elementos sobrenaturais. Desenrola a temática de viagem no tempo com muitos elementos novos, carregados de suspense e tensão. Não se apega a muitas explicações orais, o que proporciona ao telespectador uma experiência sensorial e visual muito rica e estimulante. Em alguns momentos peca pela repetição, mas não prejudica a experiência.

Sua fotografia cuidadosamente desencadeia um sentimento de melancolia, recorre a tons frios, destacando assim a frieza e o vazio das relações familiares de Winden, no qual cada personagem mantém um segredo inconfessável. Nas áreas externas se destaca constantemente o amarelo e rosa da construções e das vestimentas, contrastando com o ambiente chuvoso de uma cidade rodeada por longas extensões de florestas, marcando o sentimento de isolamento e de atemporalidade.

Dark

Os enquadramentos e os movimentos de câmeras merecem destaque: sempre chamam o telespectador a prestar a atenção no que vem a seguir. Muitas cenas tem o ambiente iluminado por abajures o que gera um efeito bonito nos enquadramentos. A trilha sonora se encaixa perfeitamente ao ambiente melancólico, sendo um ótimo complemento técnico, tendo o poder de deixar o telespectador sempre tenso e atento, seja às palavras do narrador ou aos diálogos filosóficos sobre tempo e espaço.

O trailer sugere pistas, e os primeiros episódios também, mas só a partir do episódio três a viagem no tempo se revela como a trama central de Dark. “A pergunta não é quem/como/onde, mas quando”. Logo teremos o enredo sendo costurado por três ambiente temporais, o que contribui para acompanharmos o desenvolvimento de alguns personagens e a formação das famílias principais, que são peça importante para a trama. Compreender quem é quem e de qual família pertencem, pode ser um pouco confuso no início, mas não chega a ser um problema.

Dark

As mulheres

A série tem problemas graves em relação à representação feminina. O ponto decepcionante é o foco que alguns arcos narrativos fáceis e fracos recebem, enquanto outros que sugerem ser mais ricos para a narrativa são esquecidos ou pouco explorados. O arco narrativo que mais ganha destaque é o triangulo Hannah Kahnwald – Ulrich Nielsen – Katharina Nielsen, que está ali apenas para manter estereótipos de gênero de “amante perseguidora” e “esposa traída inconformada”. O arco narrativo não contribui em nada para o enredo principal, e só toma tempo em tela para reafirmar um papel feminino covarde.

A personagem de Hannah já é apresentada como a amante de alguém no primeiro episódio, e pouco se desenvolve seus laços familiares que poderiam criar camadas interessantes para a personagem, já que Jonas, seu filho é o protagonista e cumpre um papel de guia pelo mistério central da trama. Quando há diálogos, são curtos, não cumprindo função nenhuma além de reafirmar o distanciamento familiar e mais nada. Hannah é unicamente definida pela sua obsessão por Ulrich, sendo a presença masculina a definidora da existência e personalidade feminina.

Katharina é uma mulher forte desde a adolescência, mas cai no estereótipo de mãe e esposa que se encontra em um drama familiar pelo desaparecimento do filho, tendo que lidar também com a descoberta da traição do Marido, e ainda manter as relações com os filhos razoavelmente em ordem, já que Ulrich aparece com os filhos reunidos duas vezes durante a temporada inteira.

Sua personagem ganha camadas justamente quando é confrontada ou confronta outras personagens femininas, o que novamente é preenchido por um argumento de rivalidade feminina e não contribui efetivamente em nada para a trama principal. Os momentos de avanço e de interessante desenvolvimento de personagens femininas acontecem curiosamente nas temporalidades de 1953 e 1986, mas infelizmente com argumentos que pouco são explorados  –  apenas são deixadas algumas sugestões.

Dark

Há personagens femininas que vão na contramão da dupla Hannah Kahnwald – Katharina Nielsen; são Claudia Tiedemann e Charlotte Doppler. Claudia em sua época é uma mulher que ocupa um cargo de chefia em uma grande Usina Nuclear e que recebe destaque na trama sobre como isso é importante para as mulheres na época. Porém sua personagem demora a ganhar peso para a trama, sendo pouco explorada e reaparecendo somente nos últimos episódios, como uma âncora para uma suposta segunda temporada.

Charlotte é uma policial que investiga o desaparecimento das crianças que precisa lidar com o mistério que cerca o caso e enxergar todos da pequena cidade como suspeitos no decorrer da sua investigação. É a personagem mais explorada. É uma mulher tendo que lidar com a sexualidade e traição do marido, mãe de duas meninas de personalidade forte e uma investigadora talentosa.

Leia também:
[SÉRIES] Brooklyn Nine-Nine: Muito além de uma série de comédia
[SÉRIES] Outlander (3ª temporada): A constante barreira de ser mulher em um mundo dos homens
[SÉRIES] The Marvelous Mrs. Maisel: A comédia feminista que você precisa conhecer!

Vale destacar que o pouco desenvolvimento dos personagens é algo que afeta a todos. Eles são personagens bidimensionais, sem profundidade, sem muitas características que os tornem marcantes ou que seja possível se identificar. Há potencial, mas a série não se dedica a trabalhá-los, focando seus esforços para abrir mais perguntas do que fechar as abertas durante essa primeira temporada.

Dark

No geral, a trama de Dark é carregada pelo protagonismo masculino, dando destaque em tempo de tela para personagens femininas que não acrescentam à trama, enquanto poderiam explorar e utilizar outras personagens femininas com claro potencial e que efetivamente contribuem muito mais para a trama. Dark entrega uma série instigante e envolvente, com muitos acertos para o gênero e com possibilidades interessantes para uma próxima temporada, que sem dúvida tem potencial para salvar suas personagens femininas dos estereótipos e do segundo plano.

Autora convidada: Talita Sobrinho é professora de história, feminista e gateira. Gasta seu tempo livre engolindo séries e filmes.

Escrito por:

282 Textos

Site sobre cultura e entretenimento com foco em produções feitas e protagonizadas por mulheres.
Veja todos os textos
Follow Me :