Da MPB ao Hip Hop: 5 destaques do cenário nacional

Da MPB ao Hip Hop: 5 destaques do cenário nacional

Já estamos no segundo mês do ano, não podemos deixar de atualizar nossas playlists com o melhor da música brasileira feita por mulheres (é claro), para isso separamos para vocês indicações de 5 cantoras. Destacamos as músicas que mais refletem o universo feminista no repertório das artistas escolhidas, com canções que falam de empoderamento, liberdade sexual e do próprio corpo, vivências e realidades do que é ser mulher, principalmente no Brasil e que vão da MPB ao hip-hop. Confira!

Ellen Oléria

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Fonte: Reprodução/@ellenoleriaOficial

Para começar, vamos falar de Ellen Oleria. A cantora e compositora brasiliense completou 15 anos de carreira com o lançamento do projeto “Afrofuturista”, que combina ritmos como samba, forró, afoxé e carimbó a arranjos contemporâneos, com o intuito de evidenciar o protagonismo das comunidades negras brasileiras. Dona de uma bela voz que interpreta canções de diversos gêneros musicais, como MPB, samba e hip-hop, a compositora foi vencedora da primeira edição do programa The Voice Brasil, e atualmente, apresenta um programa que discute pautas ligadas ao universo LGBTQi na TV Brasil.

“Suor e choro. A noite é fria. Pra esses lances ninguém nunca está preparado. Depois de um dia duro, meu corpo foi travado. Assalto à mão armada. Levaram o violão, o microfone emprestado. Eu chorei, eu chorei. A bandidagem não acompanhou a estereotipia… Eram três garotos. Tipo uns quinze anos. Nunca vi na área esses garotos brancos.” Testando, Ellen Oléria.

Em “Testando”, Ellen denuncia o racismo enfrentando por negros e negras. No começo da canção a cantora traz falas empoderadas, de autoaceitação, recorrendo às ancestralidades; mas logo o tom decidido dá lugar à realidade do sexo feminino nas ruas: medo e incerteza frente aos perigos que é ser mulher e negra no Brasil. Segundo dados do Mapa da Violência, no período de 2003 a 2013, a taxa de homicídio de mulheres negras aumentou 54%, passando de 1.864 para 2.875 vítimas. Ao final da canção, Ellen expõe a subversão dos padrões denominados como “de gente negra” ao contar que foi assaltada por meninos brancos, com isso, a cantora traz seu grito sufocado de negra. Grito esse que clama por uma sociedade em que a cor da pele não carregue consigo o nome de “bandido”.

“Não importa pôr roupa chique ou dar seu sobrenome. A mulherada já sabe o cotidiano da rua: Anoiteceu? Sozinha cê não tá segura”. Testando, Ellen Oléria.

“Aqui não tem drama ou gente inocente. Aqui tem mulher firme arrebentando as suas correntes. A vida toda alguma coisa tentou me matar e eu me refiz. Dandara! Acotirene! Salve! Negras dos sertões. Negras da Bahia. Salve! Clementina, Leci, Jovelina. Salve! Nortistas caribenhas clandestinas. Salve! Negras da América Latina.” Antiga Poesia, Ellen Oléria.

Letras que marcam a temática feminina podem ser encontradas em diversas músicas de Oléria, como “Antiga Poesia”. A canção reafirma o poder e força de ser mulher (principalmente da mulher negra), de se (re)construir, de se sustentar, traz à tona figuras femininas importantes para o movimento negro, como Dandara e Acotirene. O que nos chama atenção nessa música, é como a personagem vai contando o que é ser feminista, com exemplos cotidianos de mulheres que trabalham, que muitas vezes não tiveram educação por meio da alfabetização, mas que através de experiências vividas conquistaram sabedoria.

Mulamba

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As cantoras que compõem a banda Mulamba. Fonte: Reprodução/@mulambaoficial

Se for para falar de banda composta apenas por mulheres, precisamos falar sobre Mulamba. O grupo curitibano formado por seis meninas, foi criado em 2015, inicialmente com a intenção de fazer um tributo a Cássia Éller. A reunião de mulheres feministas, acabou por formar uma banda  cuja proposta é falar sobre temáticas sociais e políticas, com o objetivo de transformar “a luta pela igualdade de gêneros em batalha diária”. Além de passear por gêneros musicais como MPB e rock, o que nos chama atenção na banda são as melodias que embalam suas canções, compostas por instrumentos de corda e percussão.

“Painho quis de janta eu. Tirou meus trapos, e ali mesmo me comeu. De novo a pátria puta me traiu. E eu sirvo de cadela no cio. E eu corro. Pra onde eu não sei. Socorro. Sou eu dessa vez.” P.U.T.A, Mulamba.

“Agora o meu papo vai ser só com a mulherada. ‘Nós não é’ saco de bosta pra levar tanta porrada. Todo dia umas 10 morrem, umas 15 são estupradas. Fora as que ficaram em casa e por nada são espancadas.” Mulamba, Mulamba.

Em “P.U.T.A” e “Mulamba”, o grupo curitibano expõe umas das maiores mazelas da sociedade, a violência contra a mulher. Segundo dados do Anuário de Segurança Pública, em 2016 foram registrados cerca de 49 mil casos de estupro no país, reflexo de uma sociedade patriarcal que dá livre acesso sexual aos corpos das mulheres. “P.U.T.A” narra a história do cotidiano de todas as mulheres, o medo do estupro, o estupro, o descaso da mídia em denunciar tal crime, a culpabilização da vítima atribuída às suas vestimentas. A canção é um grito por socorro. “Mulamba” começa revelando como a mulher é vista por muitos “o lixo humano, escória da sociedade”, aos poucos a canção mostra a que veio ao atribuir protagonismo à mulher, na própria vida e em seus relacionamentos amorosos. Ainda podemos ver a sororidade entre as mulheres, por meio do apoio e da reivindicação contra o fim da violência doméstica.

Marina Peralta

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Marina Peralta pelas lentes de Vitor Mareco. Fonte: Reprodução/@marinaperaltacg

Marina Peralta é uma jovem de Campo Grande, que começou sua carreira de forma despretensiosa em 2014, ao lançar um vídeo com a música autoral “Só agradece”; o sucesso foi tanto que em 2015, a artista fez uma “vaquinha virtual” para financiar o primeiro CD. Se dedicando ao MPB e reggae, a cantora tem sido considerada uma das promessas do estilo musical no Brasil. O sucesso que se estende às redes sociais (a página de Marina no Facebook possui 100 mil curtidas), é devido ao teor crítico e político de suas canções, com letras que trazem pautas sobre as condições de vida dos povos indígenas, desigualdades sofridas pelas mulheres e pelos pobres.

“Só que seu ocorre é todo dia, sua luta é mais que grito. Não dá asa pro fuxico nem procura homem rico. Um dia não votava, também não estudava. De casa ela saiu, pra rua foi armada. Armada de ousadia, o medo escondia. Homem priveligiado mais sistema, oprimia. Um salve pras mina que na luta botam fé.” Ela encanta, Marina Peralta.

A personagem de “Ela Encanta” vem dizer sobre o lugar do sexo feminino na sociedade: “lugar de mulher é onde ela quiser”, já entoa alguns versos da canção. A história narrada é carregada de empoderamento, de uma mulher que tomou para si o direito de seu próprio corpo e de suas roupas, ocupou lugares em diversos gêneros musicais, como rap e funk, saiu de casa e foi à luta. O destaque dessa música é para referência às manifestações a favor do direito de votar das mulheres (defendido pelas conhecidas sufragistas), conquistado, na maioria dos países, no início do século XX.

“Quem cê pensa que é? Chega de mansinho, toma de assalto. Nessa conversa revela um lado. Um comportamento inraizado. Especializado a cortar as asas delas. Você não sabe perder. Quando ela levanta te dizendo não. Não sede a pressão, dá opinião. Derruba essa história de submissão. E pode ser melhor que você. Isso não é um problema.” Vida, Marina Peralta.

“Vida” é uma canção que representa de forma fidedigna os relacionamentos abusivos. A personagem (real) da história é Mayara Amaral, musicista nascida em Campo Grande, que foi assassinada por três homens em julho de 2017; entre os criminosos estava o homem em que a artista mantinha um relacionamento amoroso. Dados mais recentes divulgados pelo Mapa da Violência, mostra que são registrados 7 feminicídios por dia. Em seus versos, Marina Peralta vai destrinchando a história de tantas Mayaras, fala sobre a submissão da mulher ao homem (ações construídas em cima de conceitos patriarcais) e estimula a sororidade feminina ao fazer referência ao movimento “Ni Una Menos”.

Yzalú

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Yzalú na capa de seu primeiro álbum. Fonte: Reprodução/@cantorayzalu

Luiza Yara Lopes Silva, mais conhecida como “Yzalú” é natural de São Bernardo do Campo e um dos principais nomes do rap nacional. Sua interpretação da canção “Mulheres negras” é considerada um dos símbolos do feminismo negro no Brasil. Em 2016, quando completava 13 anos de carreira, a artista lançou seu primeiro álbum: “Minha bossa é treta”, que mistura ritmos de Rap, MPB, Samba Jazz e Afrobeat; com o objetivo de dar visibilidade para pautas políticas sobre feminismo negro e pessoas com deficiência, por exemplo.

“Assino inicias como denúncia abusa quem usa. Ofusca e fuça a moral confusa. Abrilhanta a revolução. Contida em opressão jão. Não é pros fracos não. A coragem desce com gelo e limão. Com gelo e limão, facilita a digestão. Pra agachar de vinte em vinte. Dessipe que não tem limite. Se fosse num filme de tropa de elite. Mas é a caminhada fica na sapata minha fia. Madrugada na fila com jumbo. O cheiro é de pólvora em todos os muros.” Minha bossa é treta, Yzalú.

“Minha bossa é treta” foi composta para falar sobre a humilhação que todos os dias mulheres são submetidas ao fazerem visitas em presídios. Todos os dias quem visita os presídios da maior parte dos estados brasileiros (salvo 7 em que essa ação é proibida), é forçado a ficar nu e fazer agachamentos, o que é conhecido como “Revista vexatória”. Dados da Secretária de Administração Penitenciária de São Paulo, mostra que dos 350 mil visitantes cadastrados, 66% são mulheres e 12% são crianças, portanto, a violência institucionalizada é feita para atingir o sexo feminino, nos colocando em situações humilhantes e degradantes, já que advogados e parlamentares passam apenas por detector de metal. O álbum “Minha bossa é treta” traz ainda uma importante simbologia. Na capa do disco, Yzalú posa nua mostrando sua prótese na perna direita, com isso levanta-se uma discussão em torno da representatividade das pessoas com deficiência, já que essas somam 25% da população brasileira e continuam na invisibilidade aos olhos da mídia, do poder público e do povo.

Clau

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Clau na capa de seu primeiro álbum. Fonte: Reprodução/@claurrifeloficial

Para finalizar nossa lista, conheça Clau. Ana Cláudia Scheffer Riffel é cantora e compositora gaúcha, ficou conhecida após gravar covers de artistas como Pitty, Miley Cyrus e Beyoncé, hoje a jovem de 21 anos possui contrato com a gravadora Universal Music e é uma das principais apostas de Anitta para o hip-hop brasileiro. Mostrando a que veio, no seu mais recente trabalho lançado “Relaxa”, a cantora possui mais de 3 milhões de visualizações no Youtube. Apesar de estar no início de sua carreira é possível perceber qual a mensagem que suas músicas querem passar: empoderamento feminino.

“Não vou mais, voltar atrás. Não, não vou mais, ficar pra trás. Não vou mais, me segurar. Não, não vou mais parar. Aqui você vai ver quem é a menina de ouro. Na batida altitude, é nocaute e estouro. Na sequência eu posso virar, uma bailarina. Com minha rima fina elegância, sempre lá em cima.” Menina de Ouro, Clau.

“Não, não vai tentar. Me convencer que é pra ser assim. Se aqui não virar. A vida é longa e eu tô pronta. Tô comigo, sempre até o fim. E não vai falar que eu não sei o meu lugar. E não vai falar que esse não é o meu lugar. E nem vem falar pra eu me colocar. Lá escondida, reprimida. Olhando pra sala de estar.” Não, Clau.

“Menina de Ouro” e “Não” trazem personagens fortes e protagonistas de suas ações. A primeira canção faz um paralelo a combates marciais como Muay thai e boxe, na qual o nocaute é critério de vitória; Clau vem dizer da mulher que está sempre em busca de seus sonhos e realizações, que não se abala nem desiste e que possui a consciência de que pode ser o que quiser (“na sequência eu posso virar, uma bailarina”). A mensagem de empoderamento se estende a letra de “Não”, que narra a história de uma mulher que fala não para tudo que não é bom para si, encontramos também referências da própria vida da cantora, que conta seu caminho: da saída do Sul aos desafios de se encontrar.

As músicas da cantora gaúcha, como das demais indicações que foram feitas nessa lista, refletem as proporções e discussões sobre conceitos do movimento feminista que vêm sendo reivindicados por nós mulheres. Dados divulgados pelo buscador Google, em 2017, mostram que a busca por “feminismo” no país, cresceu 200% nos dois últimos anos. Essa lista caminha de encontro a esse maior interesse do sexo feminino em empoderar-se, principalmente por meio de canções.

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Estudante de jornalismo, feminista e mineira. Entrou pro Jornalismo para conhecer o mundo e se descobriu pesquisadora estudando o feminejo. É fã de séries, principalmente as de super heroínas, gosta de Oasis e ama documentários.
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