[LIVROS] Como Ser Mulher: Um jeito irreverente e despretensioso de encarar o feminismo

[LIVROS] Como Ser Mulher: Um jeito irreverente e despretensioso de encarar o feminismo

Caitlin Moran é uma jornalista inglesa, colunista do London Times, que usou suas experiências de vida para desenvolver um olhar crítico e bem-humorado sobre a feminilidade e seus estereótipos. Como Ser Mulher, da editora Paralela, selo do grupo Cia das Letras, foi lançado em 2011 na Inglaterra e chegou ao Brasil em 2012. Um pouco antes do boom da literatura ativista, Moran se dedicou a escrever um livro de humor feminista e se saiu melhor do que Tina Fey, diga se de passagem. Seu livro é muito mais engraçado que A Poderosa Chefona.

A opção pelo humor é porque, segundo ela, o assunto é importante demais para se restringir a academia. Trata-se de dar visibilidade ao tema, de propor um novo jeito de encarar o feminismo. Um jeito que falar a todas. Ao fazer piada, ela opta por diversificar a linguagem, se aproximando da cultura pop e suas referências.

Criada numa casa apertada com oito irmãos, Caitlin passou por algumas necessidades e isso fez que ainda cedo ela percebesse que tinha que aprender a se virar sozinha. Diante da urgência em se tornar independente, seu feminismo aflorou e aos treze anos, quando seu corpo começou a mudar, ela viu que vida passou a ser complicada. A obrigação social de esconder os sintomas da menstruação e a preocupação em eliminar seus pelos, a fizeram sentir a diferença de gênero sem meandros e de forma brutal. Um de seus primeiros insights, foi sobre a opressão feminina causada pela mídia. A mídia vende uma imagem irreal da mulher, uma imagem que precisa de trabalho para ser alcançada.

Um garoto faz treze anos e o máximo que ele se sente impelido a fazer é passar um creme em suas espinhas. Já a mulher precisa retirar seus pelos, o frizz de seus cabelos, pintar suas unhas, apresentar a pele sem poros e imperfeições. Tudo isso de um dia para o outro.

Por 12 anos e 364 dias nos é permitido deixar a natureza seguir seu curso. Fazemos 13 e a luta começa. Uma luta incessante e sem prazo de término. As meninas são criadas apavoradas com a ideia de serem rejeitadas. Passam por um ritual imenso que vai do emagrecimento a retirada de pelos apenas para estarem atraentes os homens. Com questões como essas na cabeça, Moran se deparou com a autora Germaine Greer¹, que em 1970 lançou The Female Eunuch, o livro que mudou sua perspectiva.

Germaine faz com que ser mulher – fazer parte do gênero sexual jogado para escanteio, indignado, silenciado e esmagado – de repente pareça uma coisa fantástica”. SOU FEMINISTA. Diga em voz alta (ou escreva em caps look). Se você tem vergonha disso, você está dizendo ao patriarcado “tome meu voto de volta”, deposite meu salário na conta do meu marido. Diz ela de forma irreverente. Hoje em dia “é tecnicamente impossível” uma mulher argumentar contra o feminismo. Se você escolhe com quem casar, você é feminista. Se acha que deve ter direito a receber uma herança em seu nome, você é feminista.

Como Ser Mulher

Com o passar dos anos, Moran foi modernizando seu pensamento em relação a algumas questões apresentadas por Greer. “Uma feminista de verdade, jamais contrataria outra mulher para limpar sua casa. Porém, a bagunça é um problema da humanidade. Os trabalhos domésticos são questões de todos. Um homem que emprega um faxineiro é visto como um empregador.”

O livro nos diz que se uma mulher que trabalha, ao se ver diante da falta de tempo para gerir sua vida pessoal, precisa terceirizar as tarefas domésticas e para isso contrata uma pessoa para cuidar de seu filho ou limpar sua bagunça, a culpa é da forma como o horário de trabalho se organizou no sistema capitalista. Não se trata de oprimir outra mulher. É um assunto delicado e cheio de nuances. 

Uma outra questão abordada é a falta de espaço para a mulher como artista. Caitlin conta que durante seus anos como jornalista no jornal Melody Maker, havia um esforço para se divulgar a música feita pelas moças. Mas havia uma questão. As mulheres perdiam pontos em relação a qualidade do trabalho. Poucas mulheres são estimuladas a criar.

Mulheres se destacam facilmente como atrizes, cantoras pop, intérpretes. Posições em que a estética está inserida no trabalho. Quando se trata de criação somos poucas. Escritoras, compositoras, musicistas, há uma questão numeral que influi na qualidade do trabalho. Se existem mais musicistas homens, é claro o trabalho deles é mais consistente. Para ela, a falta de representatividade feminina é uma questão social. Os homens estão acostumados a verem as mulheres em segundo lugar. Nas palavras de Moran: as mulheres têm um “status ruim”. São esquecidas porque não tem visibilidade. Os homens apostam nos vencedores, e os vencedores são outros homens.

Por seu jeito sarcástico e irreverente, seu estilo de escrita já foi comparado ao do site Jezebel. No livro de 233 páginas, ela discute temas femininos e mostra sua forma de ver a vida. A proposta é tratar de estereótipos sem se aprofundar. É um livro divertido para ler nas férias, que pode funcionar como porta de entrada para o feminismo, cuja leitura desperta interesse em aprofundar melhor os temas.

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Moran por Moran:

“Hoje em dia, no entanto, estou muito mais calma – desde que me dei conta de que é tecnicamente impossível uma mulher argumentar contra o feminismo. Sem o feminismo, você não teria permissão para debater o lugar da mulher na sociedade. Você estaria ocupada demais dando à luz no chão da cozinha – mordendo uma colher de pau para não atrapalhar o carteado dos homens – antes de voltar a esfregar a latrina.

Mostre a uma menina uma heroína pioneira – Sylvia Plath, Dorothy Parker, Frida Kahlo, Cleópatra, Boadiceia, Joana d’Arc – e estará mostrando quase sempre uma mulher que acabou esmagada. Seus triunfos conquistados com tanta dificuldade podem ser totalmente negados se você viver em um clima em que suas vitórias são vistas como ameaçadoras, incorretas, de mau gosto ou – o que é mais importante de tudo para uma adolescente – simplesmente algo que não é legal. Poucas meninas escolheriam estar certas – sabendo disso no fundo de seus ossos inteligentes e cheios de brilhantismo -, mas solitárias.

Pessoalmente, eu acho bizarra a ideia de que as mulheres adoram fazer compras – quase  todas as mulheres que eu conheço têm vontade de chorar depois de 45 minutos batendo perna em uma rua comercial à procura de uma camisa, e buscam conforto em uma garrafa de gim com ansiedade nas tristes ocasiões em que é necessário sair para procurar um jeans.

Apesar de eu estar bem bêbada na maior parte do tempo e com frequência use tanto delineador que fico tecnicamente cega, não vejo a questão como um caso de homem contra a mulher, de jeito nenhum. O que vejo é vencedor contra perdedor.”

¹Germaine Greer é uma feminista e acadêmica que teve um papel importante para o movimento. No entanto, é também conhecida por seus posicionamentos transfóbicos, com os quais o Delirium Nerd não compactua.


Como Ser MulherComo Ser Mulher

Autora: Caitlin Moran

240 páginas

Editora Paralela

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8 Textos

Candida Sastre é roteirista de humor e pesquisadora. Escreve artigo e entende dos paranauê acadêmico. Suas inspirações na crítica são Clement Greenberg (amém), Arthur Danto e a rainha Aracy de Almeida. Carioca, mother of cats, diferentona, tinha um blog chamado Sylvia. Faz parte do Gloria Steinem Futebol Clube. Escreve humor porque tem facilidade, mas queria mesmo ser o Daniel MacIvor.
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