Brasileiras que fizeram história na música: Rita Lee

Brasileiras que fizeram história na música: Rita Lee

Rita Lee Jones de Carvalho, conhecida apenas como Rita Lee, é uma cantora, compositora, instrumentista e escritora paulista. Ela é consagrada como a “Rainha do Rock brasileiro” mas já passou por diversos gêneros musicais, como MPB, Bossa nova e eletrônica. Em 2012, a “vovó do Rock” com seu estilo irreverente, sustentado por cabelos ruivos e muita atitude, resolveu se aposentar dos palcos, aos 50 anos de carreira. Rita Lee abre nossa série sobre as “Brasileiras que fizeram história na música”, que busca resgatar cantoras que são/foram importantes para os gêneros musicais nacional.

A vida de Rita é influenciada por diversas culturas. Seu pai, Charles Fenley Jones, é imigrante americano e sua mãe, Romilda Padula Jones, é filha de italianos. Fatores esses que levaram a cantora a ter uma formação ampla, com aprendizados em diversos idiomas: português, inglês, italiano, castelhano e francês. O conhecimento em diversas línguas, rendeu-lhe canções como “Dami mille bacci” em italiano e diversas músicas em inglês, destacamos “I want to hold your hands”.

Lee começou sua carreira nos anos 60, com apresentações em shows e festivais escolares da banda “Teenage Singers” (Cantoras Adolescentes), na qual era cantora e guitarrista. O trio feminino se junta ao “Wooden Faces”(Caras de Pau), e passam a ser chamados de “O’Seis”. Mais tarde, com a saída de três integrantes, o grupo composto por Rita, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias consagra-se como “Os Mutantes”.

A compositora permaneceu por seis anos no trio, período no qual realizou grandes feitos com a banda. Participaram do disco-manifesto “Tropicália ou Panis et Circensis”, gravado em parceria com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros artistas. O álbum “Os Mutantes”, gravado em 1968, é considerado um dos maiores álbuns da música brasileira, sendo composto por músicas como “Ando meio desligado”, “Dom quixote” e a “A minha menina”, que acumula mais de 1 milhão de visualizações no Youtube.

Rita Lee

Capa do álbum “Tropicália ou panis et circensis”. Fonte: Reprodução/Internet

“Um belo dia resolvi mudar. E fazer tudo que eu queria fazer. Me libertei daquela vida vulgar. Que eu levava estando junto a você…”. Os versos da tão conhecida “Agora só falta você” é parte do álbum “Fruto Proibido” que lançou Rita Lee & Tutti-Frutti para o mercado mundial, em 1975. Após a saída da compositora do “Os Mutantes”, no começo dos anos 70 ela se torna integrante da banda “Tutti Frutti”, que mais tarde acrescenta “Rita Lee” ao nome. A passagem da cantora pela banda foi um grande sucesso, com o disco “Fruto Proibido” chegaram a vender 700 mil cópias e conquistaram a certificação de platina dupla; “Esse tal de rock enrow” e “Ovelha negra”, são músicas que compõe o álbum.

No fim dos anos 70, Rita firmou uma parceria com Roberto de Carvalho, trazendo novos ares para a sua carreira. Mais voltado para o pop, o álbum que ficou conhecido como “Mania de você” contou com diversas canções de sucesso, “Doce Vampiro” e “Chega mais” são alguns exemplos; sendo que a última foi tema de abertura da novela global Chega Mais. Nos início dos anos 80, o disco “Rita Lee” emplaca grandes hits, como “Lança perfume” e “Baila comigo”; a primeira canção alcançou o topo nas paradas francesas e ocupou também a sétima posição na Billboard.

A compositora segue pelas décadas de 80 e 90 lançando grandes sucessos, estando presente de diversas formas na mídia. A cantora participou do especial “Mulher 80” na TV Globo, em 1985 se apresentou na primeira edição do Rock in Rio e foi jurada do “Festival dos Festivais”, no começo dos anos 90, Lee estreou seu programa “Tvleezão” na MTV Brasil.

O ano 2000 traz novos hits: “Erva venenosa” e  “Amor em pedaços” compõem o disco “3001”. Na mesma década Rita ainda lança os álbuns “Bossa’n Beatles”, apresentado uma regravação de sucessos da banda de rock britânica Beatles, e “Balacobaco”. O último é marcado pela canção “Amor e Sexo”, que foi indica a categoria de melhor canção brasileira no Grammy Latino de 2004.

2012 foi a data do último lançamento musical de Rita Lee “Reza”, o disco ficou conhecido pela música homônima, que alcançou números recordes de downloads no Itunes Brasil, tornando-se a canção mais escutada do ano. “Deus me proteja da sua inveja. Deus me defenda da sua macumba. Deus me salve da sua praga. Deus me ajude da sua raiva. Deus me imunize do seu veneno. Deus me poupe do seu fim…”. Com o desejo de que inveja e más energias fiquem longe da artista, Lee se despede dos palcos.

Letras com discursos empoderados que desconstroem estereótipos

Além de possuir uma biografia com inúmeras realizações, Rita Lee aparece em nossa série, pois possui músicas empoderadas, com discursos que antes não eram vistos cantados em vozes femininas. As canções de Lee falam sobre diversas temáticas, entre elas estão a liberdade sexual feminina, direito sobre o próprio corpo, desconstrução de estereótipos de gênero, entre outros.

“Elas querem é poder! Mães assassinas, filhas de Maria. Polícias femininas, nazijudias. Gatas gatunas, kengas no cio. Esposas drogadas, tadinhas, mal pagas. Toda mulher quer ser amada. Toda mulher quer ser feliz. Toda mulher se faz de coitada. Toda mulher é meio Leila Diniz.” – Todas as mulheres do mundo, Rita Lee.

“Todas as mulheres do mundo” foi composta em homenagem à Leila Diniz. A atriz brasileira, nascida em Niterói, trabalhou em telenovelas na rede Globo e ficou conhecida por quebrar tabus ao falar de sua vida sexual sem nenhum constrangimento ou pudores: “Você pode muito bem amar uma pessoa e ir pra cama com outra. Já aconteceu comigo”. Falas como essas concedidas por Leila ao jornal O Pasquim, em 1969, culminou na instauração da censura prévia à imprensa, também conhecido como “Decreto Leila Diniz”. A canção de Rita vem falar sobre mulheres nas suas mais diversas faces e personalidades, que reivindicam para si o direito sobre sua própria vida e felicidade, sobre seus amores e pudores.

“Amor é cristão. Sexo é pagão. Amor é latifúndio. Sexo é invasão. Amor é divino. Sexo é animal. Amor é bossa nova. Sexo é carnaval. Amor é para sempre. Sexo também. Sexo é do bom. Amor é do bem.” – Amor & Sexo, Rita Lee.

Em “Amor e Sexo”, Rita nos explicita as vontades e desejos sexuais humanos. Do início ao fim a cantora faz comparações entre o amor e sexo, com destinações bem atribuídas. Enquanto o primeiro é algo divino, idealizado por muitos como algo perfeito a ser alcançado, ela nomeia o sexo como algo carnal, uma necessidade do corpo que precisa ser apreciada, com muito prazer. Essa canção é importante por vários motivos: ela fala de sexo (de forma clara); é cantada por uma mulher (vemos todos os dias canções que abordam a temática, seja de forma explícita ou subjetiva, mas poucas vezes encontramos em determinados gêneros musicais, como o rock) e traz à tona os desejos e pensamentos que mulheres possuem. Letras como a de Amor & Sexo, expõe o empoderamento da mulher, sua liberdade sexual e o direito de fazer com o seu corpo o que bem quiser, seja amor ou apenas sexo.

“Levava uma vida sossegada. Gostava de sombra e água fresca. Meu Deus! Quanto tempo eu passei. Sem saber! Foi quando meu pai me disse: ‘Filha, você é a ovelha negra da família’. Agora é hora de você assumir. Uh! Uh! E sumir…” Ovelha Negra, Rita Lee.

A canção “Ovelha Negra” é dotada de interpretações, entre elas a de que a cantora compôs a música em resposta a sua expulsão da banda “Os mutantes”. A justificativa para a saída de Rita foi que ela não era o símbolo do “virtuosimo do rock progressivo” que a banda almejava. Após três anos, Rita lançou a canção como uma “volta por cima” dada pela cantora, na qual mostrou que mesmo tendo sido abandonada e tenha ficado perdida em alguns momentos, conseguiu se reerguer. O sucesso da artista se sobrepôs ao da banda “Os mutantes” e o disco “Fruto Proibido”, no qual o single foi lançado, vendeu 200 mil cópias.

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Como mencionado anteriormente, a letra dessa canção é passível de diversas interpretações, a desconstrução de estereótipos de gênero é uma delas. Ao ser nomeada como “ovelha negra” da família, a cantora subverte a idealização de rebeldia atribuída somente aos homens, em um contexto de uma sociedade conservadora dos anos 70. A narrativa da canção também aborda o abandono pela família, a necessidade de aprender a ser autônoma e mesmo assim conseguir se sair bem; essas temáticas podem se encaixar em situações como a gravidez na adolescência, na qual algumas meninas não tem nenhum apoio da família, sendo deixadas à mercê de sua própria sorte. As músicas de Rita expõe diversas temáticas, mas em todas percebemos um protagonismo feminino nas relações sociais e amorosas.

Fora dos Palcos

Longe do cenário musical, Rita Lee se dedica à sua carreira literária. Desde 1996 a cantora possui livros lançados, mas a dedicação tornou-se exclusiva após sua “aposentadoria”. Em 2013 “Storynhas” reabre as aventuras da escritora, em um livro que reúne histórias cômicas, tristes, melancólicas, raivosas e doces, que anteriormente foram publicas no Twitter de Rita. “Rita Lee: uma autobiografia” foi publicado em 2016 (Clique aqui para comprar!) e é um dos maiores sucessos editorias brasileiros, segundo levantamento realizado pela Folha de São Paulo; no mesmo ano a multiartista lançou “Dropz”, no qual revela seu gosto por ficção científica em um livro com 61 contos.

Rita Lee

Fonte: Reprodução/Internet

Rita Lee é uma das “brasileiras que fizeram história na música”. Os números da cantora são impressionantes, com 327 obras musicais, Rita é uma das artistas que mais vendeu discos no Brasil, ocupando o primeiro lugar entre as mulheres, com 55 milhões de cópias, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Disco. Num cenário musical ocupado em boa parte por homens, nomes como o da compositora destoam e garantem representatividade e protagonismo feminino, principalmente em gêneros como o rock, no qual poucas mulheres conseguem números tão exorbitantes como Lee.

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Estudante de jornalismo, feminista e mineira. Entrou pro Jornalismo para conhecer o mundo e se descobriu pesquisadora estudando o feminejo. É fã de séries, principalmente as de super heroínas, gosta de Oasis e ama documentários.
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