[SÉRIES] The Good Place: Os dilemas éticos de cada dia!

[SÉRIES] The Good Place: Os dilemas éticos de cada dia!

The Good Place é a melhor série de comédia da atualidade, e essa afirmação não é exagero. O sitcom da NBC, transmitido mundialmente pela Netflix, tem todas as melhores características do gênero e conta com um elenco de peso, com nomes calibrados da comédia americana e apostas interessantes.

Criado por Mike Schur, o mesmo criador da marcante série Parks and Recreation, e coprodutor da versão americana de The Office e Master of None, The Good Place, estrelada por Kristen Bell (Veronica Mars) e Ted Danson (C.S.I.: Investigação Criminal), narra a história de Eleanor Shellstrop, uma mulher com uma vida ordinária e comportamentos morais e éticos duvidosos, que morre devido uma falha no sistema e vai parar num lugar chamado “Good Place” (lugar bom), que seria uma espécie de paraíso para pessoas que acumularam pontos por suas boas ações na terra, no decorrer das suas vidas. 

Recepcionada por Michael, o arquiteto do lugar, ela recebe algumas explicações e é apresentada a outros moradores do lugar, como seus vizinhos Tahani (Jameela Jami), uma paquistanesa globalista e filantropa, e Jianyu Li (Manny Jancinto), um monge budista praticante do voto de silêncio; além de sua alma gêmea, Chidi (William Jackson Harper), um professor de Ética nascido no Senegal. 

Com medo de que o erro do sistema seja descoberto e ela seja enviada para um “Bad Place” (Lugar Ruim), Eleanor contará com a ajuda do relutante Chidi, que fará de tudo para que ninguém descubra que ela não pertence aquele lugar perfeito. Partido dessa premissa absurda, The Good Place possui 2 temporadas completas, divididas em 26 episódios, de 22 minutos cada.

Você é bom ou mau?

No decorrer da história do mundo ocidental diversos filósofos, teólogos e pensadores se debruçaram em volta da mesma pergunta: “a natureza humana é boa ou má?”. De Rousseau a Hobbes, Aristóteles a Kant, passando por Santo Agostinho e Nietzsche, essa pergunta sempre divide opiniões.

Em The Good Place, a questão permeia a primeira temporada. A jornada de aprendizado de Eleanor nos leva a refletir sobre a natureza moral das nossas ações. Os problemas que ela enfrenta, pelo fato de ter que esconder sua identidade, cria o grande conflito inicial da trama, que mesmo após a revelação do oitavo episódio, vai se aprofundando de uma forma que abre espaço para uma discussão sobre pertencimento, em um mundo que originalmente não foi feito para ser de todos.

The Good Place

É sempre necessário ressaltar que o conceito de justo ou injusto, certo ou errado, bom ou mau, moral ou imoral, são ideias temporais e históricas. Nesse sentido, The Good Place acerta em cheio ao tratar de temas fundamentais para filosofia ocidental, como ética, moral e pós-morte, de forma ácida e bem-humorada.

Os roteiristas conseguem mesclar piadas políticas da atualidade americana, com profundos conceitos éticos e morais, de uma forma a produzir um entretenimento de qualidade. Cada episódio da série tem pequenos cliffhangers muito bem executados no encerramento, e o final da primeira temporada possui uma revelação enorme que muda todas as nossas certezas morais e tira do chão as personagens.

Território dos spoilers (Quem ainda não assistiu, pule para outro tópico.]

The Good Place é um sitcom incomum. No decorrer dos 11 primeiros episódios da primeira temporada, torcemos pela jornada de aprendizado de Eleanor e ficamos indecisas com os dilemas éticos de Chidi. Rimos com amizade de Eleanor e Tahani, e com a estupidez de Jianyu, para no final descobrirmos que o “Good Place” era uma grande mentira, um simulacro de paraíso criado pelo demônio Michael para torturar os humanos de uma forma psicologicamente eficaz. Durante todo tempo os personagens estavam no “Bad Place”.

Diferentes de nós, espectadores, as personagens saem da primeira temporada sem lembrar dessa revelação bombástica, num tipo de eterno retorno. Na segunda temporada, através de diversas cenas hilárias, o grupo se reúne novamente por um bem comum e faz uma aliança improvável. De uma forma desajustada, resistem a diversas situações absurdas. Essa virada de premissa, em mãos erradas, poderia dificultar e muito o desenvolvimento narrativo, mas nas mãos de Schur e seus roteiristas abriu uma porta para um maior aprofundamentos das discussões morais e éticas acerca das ações humanas, além de uma nova reviravolta narrativa no final da segunda temporada.

Um sitcom comum e diferente!

O formato da comédia de situação, não é nenhuma novidade. A televisão americana cresceu explorando esse gênero, como por exemplo, nas séries “I Love Lucy” e “Everybody Loves Raymond”. As séries que abordam a comédia de eventos do cotidiano são extremamente populares, seja no EUA ou em outros lugares no mundo. Durante décadas, os clichês narrativos e a estrutura se mantiveram intactos e as vezes aparecia uma ou outra série que saía um pouco do padrão como “M*A*S*H”, que retratava de forma engraçada e irônica o cotidiano de um acampamento militar americano da Guerra das Coreias. Só em 1989, com estreia de “Seinfeld”, que o gênero ganhou um gás novo.

The Good Place

Seinfeld, sem dúvida, é a pedra fundadora que proporcionou décadas depois a existência de séries como “Parks and Recreation”, “Community” e The Good Place. O absurdo e cinismo como elementos narrativos, as situações sem sentido e nonsenses de Seinfeld, criaram algo diferente e inteligente que marcou uma geração de roteiristas e produtores, que hoje estão a frente dos maiores programas e séries de comédias americano e de outros países.

The Good Place tem um formato comum a outros sitcoms. Todas as cenas foram feitas em estúdio, sem nenhuma trilha sonora que se destaque, com o adendo para escolha de “My Way”, de Frank Sinatra. Para o fashback do último episódio da primeira temporada, o figurino foi feito de acordo com as personalidades dos personagens, além dos cenários usarem muito bem as cores e a arquitetura de uma pequena cidade americana.

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Almas Gêmeas, representação e gênero em The Good Place!

A crítica ao conceito determinista de almas gêmeas aparece em diferentes contextos no decorrer da série. Num tom bem-humorado e banal, todo os parceiros que Michael escolhe como almas gêmeas, para cada um do grupo nas versões do projeto, são irreais. O relacionamento de Eleanor e Chidi se constrói contrapondo a essa ideia. Mesmo com tantas diferenças, o casal mostra que no final, a confiança e o companheirismo são as reais bases de um relacionamento.

O episódio nove da primeira temporada está repleto de boas críticas, em relação a diversos comportamentos masculinos machistas. A série possui uma representação de gênero boa. Temos uma paridade étnica que faz sentido na trama, não é apenas uma forma que Hollywood usa para se fazer de politicamente correta. O sitcom, em todo seu arcabouço irônico e bem-humorado, nesse nono episódio chamado “Someone Like Me as a Member?”, através da visita de representantes do “lugar ruim”, debruça em várias situações que muitas mulheres passam no dia-dia, como a interrupção de suas falas por homens, a objetificação dos seus corpos, entre outras coisas.

The Good Place possui força e profundidade narrativa incontestável. Em apenas 22 minutos por episódio, o sitcom da NBC/ Netflix, faz piadas usando conceitos filosóficos complexos, sem parecer pedante. Com um primor de roteiro, a série já tem uma terceira temporada garantida ainda para esse ano, que depois do twist do final da segunda temporada, promete ser memorável.

https://www.youtube.com/watch?v=RfBgT5djaQw

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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