CRÍTICA | Evolução: uma distopia feminina

CRÍTICA | Evolução: uma distopia feminina

Dirigida por Lucile Hadzihalilovic, Evolução (Évolution, 2015) é uma produção distópica de terror e ficção científica, repleta de referências e subjetividade.

Nicolas (Max Brebant) é um garoto de 11 anos que mora em uma ilha habitada somente por meninos e mulheres. Ele passa seus dias desenhando e explorando o mar e suas criaturas, com as demais crianças. Porém, sua rotina é alterada quando ele encontra um corpo de um jovem nas profundezas do oceano. Após contar à mãe e ter sua experiência desacreditada, ele passa a questionar toda a sua comunidade e seu funcionamento.

Importante ressaltar que nenhum esclarecimento é entregue de mãos beijadas nesse filme. Assim como em Nicolas, nossa curiosidade aumenta a cada ato, mas as explicações vêm de maneira subjetiva e quase sempre visual. A quase ausência de trilha sonora e os pouquíssimos diálogos nos obrigam a prestar atenção em todos os mínimos detalhes de cada cena, em busca de qualquer elucidação. A análise apresentada a seguir é somente uma das possíveis interpretações desse curioso body horror.

AVISO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS

Grande parte do filme é ambientada numa estranha clínica, escura e extremamente úmida, para onde os garotos são levados. Acreditando que estão doentes, eles participam de diversos experimentos médicos bizarros, sem qualquer noção do que realmente têm.

O ponto principal é que em Evolução, algumas mulheres tornaram-se uma espécie de criatura marinha humanoide, que são capazes de respirar embaixo d’água e possuem grandes poros em seus corpos, mas que, provavelmente, por uma questão evolutiva, são incapazes de gerar filhos. E é para isso que elas usam os jovens garotos.

– Por que estou doente?
– Porque na sua idade seu corpo está mudando e enfraqueceu.
– Que nem os lagartos?
– De certa maneira. Que nem os lagartos ou os caranguejos. Quando mudam, são muito frágeis.
– E as estrelas do mar?
– Só mudam uma vez, no seu nascimento.
– E depois?
– Depois começa um novo ciclo. Uma nova vida.

Cenas finais nos levam a crer que os meninos são raptados do resto da civilização, e são alimentados e medicados com estranhas substâncias que fazem com que eles se esqueçam de suas antigas vidas. Por algum motivo, Nicolas consegue manter algumas poucas lembranças, como vemos em seus desenhos. Rodas gigantes, prédios e mamíferos (como gatos e girafas) parecem estar fora do dialeto e do conhecimento dessas mulheres, mas permanecem no subconsciente do garoto.

O processo de reprodução nos faz lembrar os cavalos marinhos. As mulheres da ilha realizam uma espécie de dança do acasalamento na praia, para a liberação dos óvulos. Após isso, os meninos os recebem por uma injeção na barriga. Os fetos são retirados em pouco tempo, por meio de cesáreas, e deixados para desenvolver em vidros.

Depois disso, os garotos passam a ser inúteis para essas mulheres e são então descartados no mar. Mas a curiosidade e memórias do jovem Nicolas acabam despertando afeto e interesse de Stella (Roxane Duran) – uma das enfermeiras – que não consegue deixá-lo ficar para morrer. Ela o leva pelo mar, liberando oxigênio para o menino até um pequeno barco, em direção à sua antiga civilização. O que acontece com ele, com ela e com a ilha, fica por conta de cada expectadora.

Durante quase todo o filme há uma constante sensação claustrofóbica para quem o assiste. O silêncio é quase ensurdecedor. As cenas e as personagens apáticas nos remetem a quadros antigos de extrema palidez e inexpressão. Por mais que haja tentativas das “mães” e enfermeiras de demonstrarem qualquer sentimento pelas crianças, elas são falhas e parecem forçadas e mecânicas. Seus olhares refletem superioridade e frieza. Há aqui uma total quebra de conceito de mulheres sentimentais e maternais.

É também fascinante assistir uma distopia onde as mulheres são os seres mais evoluídos, sendo os homens prestados aos papéis de reprodução. Na maioria das produções, como em The Handmaid’s Tale, por exemplo, mesmo sendo distópicas, nós continuamos sendo os seres subjugados, basicamente para “repovoamento”, enquanto os homens permanecem governando toda a situação.

Assim como a maioria dos últimos grandes exemplares do gênero, Evolução segue uma linha de forte presença da natureza (principalmente com o mar, neste caso), deixando que ela fale por si só. Cenas de lagartos, anêmonas e estrelas do mar são frequentes, e por mais que pareçam desconexas de primeira impressão, possuem forte ligação com a trama e sua temática. Uma ótima recomendação para as fãs de terror e para quem procura mais produções dirigidas por mulheres.

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“O senhor não imagina bem que eterna variação de gênio é aquela moça. Há dias em que se levanta meiga e alegre, outros em que toda ela é irritação e melancolia.” (Ressurreição, Machado de Assis). 20 anos, estudante de Engenharia e que prefere passar o dia vendo filmes do que com a maioria das pessoas.
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