CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×04: Other Women

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×04: Other Women

O final do terceiro episódio de The Handmaid’s Tale deixou todas nós apreensivas. Ainda que se soubesse que a fuga de June não seria fácil, ninguém esperava pelo modo como tudo decorreu. Foi um fim dramático, sem música de fundo. O silêncio revelava mais dos sentimentos que qualquer música. Other Woman, então, é liberado para explicar melhor o que acontece. Mas como tudo em Gilead é um misto de violência mascarada, histórias são contadas para que o regime de opressão continue a operar. E tudo segue como se nada tivesse ocorrido. Algum vestígio, porém, sempre aparece para revelar o desequilíbrio. [contém spoilers]

De volta ao “lar”

June (Elisabeth Moss) enfrentou no episódio anterior uma difícil decisão. De um lado, podia permanecer no país e buscar sua filha Hannah (Jordana Blake). De outro, podia fugir e buscar a liberdade. E quando ela finalmente faz a sua escolha, descobre que não estava mais em suas mãos. Se é que algum dia esteve.

Arrastada, June retorna à sua vida de Offred. Agora, porém, ela não é apenas uma aia qualquer. A partir de agora ela é a aia que que o raptou o filho de uma esposa e de um comandante. E o bebê em seu ventre é tão importante que seus delitos são momentaneamente ignorados. Infelizmente para o sistema de Gilead, ainda não encontraram uma forma de separar, com vida, o bebê em formação do corpo da mãe.

Sob a alegação de que Offred foi sequestrada por inimigos do regime, ela retorna à casa dos Waterford. Afinal, o show de Gilead deve continuar. Mas estar grávida não é segurança para o esquecimento. Eles sabem o que ela fez, eles lembram o que ela fez. E eles fazem questão de lembrar que o filho dos Waterford – não mais seu filho – é o único motivo de ela não ter o mesmo destino daqueles que ousaram ajudá-la.

Leia as resenhas anteriores:
>> [SÉRIES] The Handmaid’s Tale – 2ª temporada: Primeiras impressões (contém spoilers)
>> [SÉRIES] The Handmaid’s Tale – 2×03: Baggage (contém spoilers)
>> [SÉRIES] The Handmaid’s Tale: A distopia feminista que todas as mulheres deveriam assistir (1ª temporada)

“Postura, querida”

Postura, querida“. Assim tia Lydia (Ann Dowd) se dirige a Offred. Contudo, diferentemente do sentido que o pedido de postura tem em nossa sociedade – de coluna ereta e cabeça erguida -, a postura a que a tia se refere quer dizer “abaixe a cabeça”. Offred pode carregar o filho dos Waterford, mas não tem direito a fala. É apenas um receptáculo. E como objeto, deve abaixar a cabeça para aqueles que a possuem.

Offred deve aceitar que a mãe de seu filho não será ela, mas sim a esposa do comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes), Serena Joy (Yvonne Strahovski). Não será ela que receberá os presentes. O primeiro chute será considerado aquele que a “verdadeira” mãe sentir. Mas Offred ainda não está pronta para deixar seu filho partir. Ainda está dividida entre o sentimento de liberdade que pensou adquirir na tentativa de fuga.

A insolência da aia intensifica um confronto com Serena. Incapaz de ter filhos biológicos, Serena sente como se Offred a tivesse ferido, roubado seu sonho ao quase levar seu filho para fora de Gilead. Foram 92 dias – e assim, tem-se uma ideia de quanto tempo June permaneceu foragida – em que essa mulher, estimulada a pensar unicamente em ser mãe, pensou perder a chance de tomar como seu o filho de outra.

“Tudo ficará bem”

Três meses que June pensou estar em liberdade. Três meses que Serena perdeu da gravidez de “seu” filho. Quando o regime insiste em colocar mulheres apenas na função reprodutiva e outras na função de criação, como dizer que aquele filho não era dela? Que aquela gravidez não lhe pertencia?

A loucura promovida por esse sistema é tão grande, que Serena de fato sente como se seu filho tivesse sido roubado. Tal qual mães que possuem seus filhos sequestrados, ela sente a dor de não ter vivenciado esses três primeiros meses. E mesmo o retorno de Offred não pode compensar os meses de frustração ao único sonho e dever que lhe é atribuído.

A grande questão é que, por mais que legalmente os filhos pertençam às esposas, faticamente eles não podem pertencer a elas senão depois do parto. Serena pode participar de todos os ritos de maternidade que desejar; não é em seu ventre, todavia, que o feto se desenvolve. Mas a sua frustração e o modo de operação do regime conduzem-na ao pensamento de que ela pode controlar o corpo em que o feto cresce como se fosse seu, podando a liberdade de outra mulher.

E numa cena angustiante, ela acaricia a barriga de Offred sem a sua autorização e repete “tudo ficará bem“. Mas para quem?

The Handmaid's Tale

Sentimento de culpa imputado

Tudo ficará bem e tudo ficará bem e tudo ficará bem“. Esta é mais ou menos a repetição de Serena para uma Offred que já foi acusada de sequestro, de furto e de traição. Na verdade, como diversas falas do episódio, é repetido como uma ferramenta de convencimento. E tal qual um mantra, a frase entra na mente dessa mulher fragilizada a quem todas as culpas são imputadas.

Offred recorda-se de outra mulher, daquela para quem ela foi “a outra”. Lembra-se da culpa de ter sido amante de Luke. Lembra-se também do olhar de súplica da esposa dele ao pedir para que ela se afastasse. Não importa que Luke tenha sido o único responsável pelo descumprimento de um dever de fidelidade. A ela a culpa foi atribuída pela sociedade, pela esposa, por ela própria. E agora ela vive o sentimento de ter algo seu roubado.

A culpe se une com o conhecimento do destino da família que a ajudara anteriormente. “Sua culpa, sua culpa, sua culpa“. Ao repetir tanto, Offred parece assimilar o pensamento. E se resigna com seu destino, em um processo de autoaceitação e loucura muito semelhante ao que passara a personagem Janine na primeira temporada.

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Os privilegiados e os ignorantes

Enquanto todos os problemas se desenrolam, os homens permanecem em suas posições de conforto. Fred Waterford surge apenas para reafirmar o sonho de Serena de ser mãe, e para relembrá-la de que tudo o que estão fazendo é para o bem daquele filho – pelo qual ele não demonstra muito interesse. Enquanto Serena está absorvida nos rituais de maternidade, o comandante está caçando com seus companheiros políticos, na reprodução de um estereótipo de gênero e papel.

Durante a conversa do comandante Waterford, somos informadas de que Gilead está em contato com o Canadá – para onde Luke e Moira fugiram, cabe ressaltar. Embora seja dito que o país está um pouco mais interessado do que deveria no regime, segundo os interesses dos comandantes, não se sabe se a intervenção será em benefício ou não dos dominados. Afinal, pode ser apenas uma contribuição de reforço ao sistema.

A esperança morre e ressurge aos poucos. O movimento Mayday parece ter desaparecido. Ninguém ouve dele nos últimos meses, não obstante tenha abandonado June. Aparentemente, desistiram de resgatar mais aias. E diante da falta de perspectivas, como Offred aponta, a ignorância é a melhor saída para a sobrevivência. Não se sabe, porém, se o final é uma escolha dela em face a essa conclusão ou uma reação inconsciente à carga de opressão. “We’ve been sent good weather“.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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