O protagonismo de Claire Beauchamp na busca da liberdade de ser

O protagonismo de Claire Beauchamp na busca da liberdade de ser

“Eu não tenho que fazer o que você quer que eu faça!”. Esse é um dos muitos discursos proferidos pela personagem da série Outlander, Clarie Beauchamp Randall Fraser (Caitriona Balfe), que denota o seu papel de empoderamento na sociedade escocesa, de 1743. A viajante no tempo e enfermeira vive inicialmente no século XX, tendo atuado na Segunda Guerra Mundial, cuidando dos feridos. Na ocasião, ela é casada com o historiador Frank Randall (Tobias Menzies). Ocorre que após o término do conflito, em 1945, Claire e o marido resolvem viajar para a Escócia no intuito de tentar dar uma repaginada no casamento. No entanto, durante um dos passeios ao místico círculo de pedras, ao tocar em uma das pedras, Claire depara-se com um portal que a transporta para um lugar no passado, precisamente na Escócia de 1743, no século XVIII, momento turbulento em que o clã escocês digladia com tropas inglesas.

Apesar de estar ambientada num contexto sociocultural onde as mulheres não gozam de quaisquer direitos políticos, sociais e civis, já que até então, a mulher não tinha conquistado o patamar de ter sua dignidade humana respeitada; Claire não se curvou aos imperativos sociais da época que negavam a humanidade das mulheres, consideradas somente uma propriedade de seus homens.

Durante os três anos em que Claire vive no século XVIII, ela é submetida a toda sorte de violência física e sexual, vez que os direitos das mulheres ainda estavam longe de ser conquistados e a sociedade de então, era muito hostil para a população feminina. Logo na primeira temporada, a personagem é capturada pelo capitão Randall, descendente de seu marido Frank, que também tenta estuprá-la por duas vezes.

Claire Beauchamp

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O protagonismo de Claire na vida amorosa e no trabalho

Logo nos primeiros episódios, deparamo-nos com uma personagem protagonista destemida e determinada, que deixa, voluntariamente, a companhia do marido protetor Frank Randall para servir ao país, na Segunda Guerra Mundial, na difícil tarefa de cuidar dos feridos no confronto, arriscando a própria vida e a integridade física. Ou seja, a personagem caminha na contramão do papel social convencional traçado para a mulher. Ela se recusa a ser apenas a esposa devotada ao lar e ao marido, deixando uma vida confortável para vivenciar os horrores de uma grande guerra por acreditar nos seus ímpetos e desejo de dar um sentido humano a suas construções e de ser útil ao próximo.

Em decorrência da experiência profissional e segurança emocional adquiridas durante o confronto, Claire ao viajar para 1743, logo se destacou por suas habilidades medicinais e cura. O que lhe rendeu a confiança de Colum Mackenzie (Gary Lewis), chefe de um importante clã escocês. Graças ao seu conhecimento médico, Claire também cuidou de Jamie Fraser (Sam Heughan), que viria a se tornar seu marido e grande amor, durante sua passagem pelo século XVIII. Nas suas relações amorosas com Frank ou Jamie, a personagem mostra que apesar de ser uma companheira dedicada, apaixonada e leal, não abre mão de sua personalidade forte e de ser uma pessoa autônoma.

No episódio intitulado “A conta”, Claire e Jamie discutem em razão da cultura autoritária e patriarcal deste. Ela o repreende dizendo que as mulheres naquele lugar só servem para obedecer às ordens dos homens e que ele a considera uma propriedade dele. A narrativa da série, baseada na obra literária de Diana Gabaldon, também constrói uma personagem muito decidida e segura dos seus desejos sexuais. Uma mulher que ama, que se entrega e não tem o pudor de manifestar que gosta de receber prazer. Enfim, uma mulher de carne e osso que não segue um padrão estabelecido pelas convenções sociais.

Quando o silenciamento de mulheres é uma norma, gritar é revolucionário!

Numa sociedade misógina, paternalista, historicamente marcada pelas tentativas em todos os âmbitos da vida, de silenciar as mulheres, por se partir da premissa de que o homem tem o direito de exercer o controle sobre a mulher (gênese de toda violência); a palavra proferida é um ato de subversão. Na narrativa ficcional, as personagens femininas, refletindo a realidade das mulheres, de então, e uma realidade que não ficou só no passado, mas que está arraigada na nossa cultura patriarcal; são estupradas, assediadas, agredidas, rotuladas de vadias e assassinadas.

Em muitas passagens da série, o comportamento de Claire é desaprovado e hostilizado pelos homens que dizem nunca ter presenciado uma mulher tão ousada por interferir nas conversas e espaços que competiam somente aos homens. Durante todo o desenrolar da trama, a personagem intervém nos assuntos que são considerados domínios dos homens como política, sexo, estratégia de combate, cura para doenças, crenças religiosas, costumes sociais, injustiça social, entre outros. Claire recusa-se, ainda que sofrendo na carne, retaliações de homens poderosos,  a ficar resignada ao casulo da cozinha e do cuidado do marido.

Claire Beauchamp

O atrevimento de Claire em não obedecer padrões e não silenciar, leva-a a desafiar um membro do clero que estava exorcizando uma criança que havia sido envenenada e por falta de cuidados médicos e avanço científico, encontrava-se na iminência de morrer. O padre como de costume, era chamado a exorcizar o demônio das crianças que apresentavam semelhante sintoma de envenenamento. Para os habitantes do local acreditava-se na crença de que as crianças que visitavam uma igreja do lugar, considerada diabólica e apareciam doentes; estariam possuídas pelo demônio. Quando na realidade o que acontecia é que elas comiam frutos venenosos e desconhecidos dos arredores da igreja.

Tendo descoberto a causa da doença, Claire interrompeu a sessão do padre e foi cuidar da criança, contrariando os dogmas do religioso que alegava o fato de a criança está possuída. Postumamente, a inimizade com o padre, rendeu a Claire a condenação à fogueira sob a acusação de bruxaria. Claire e sua amiga Geillis Duncan (Lotte Verbeek) são acusadas, segundo o depoimento do padre e de outros moradores do lugar, de praticar magia e bruxaria.

Claire Beauchamp

Assim, Outlander constrói um discurso importante sobre o papel social da mulher em distintas épocas da história da humanidade, mostrando que em todas as fases houve forças contrárias a tratar a mulher como um ser humano, negando os seus direitos mais básicos como o direito à integridade física, o direito de ter voz e à autodeterminação. Contudo, sempre existiram e vão existir mulheres como Claire Beauchamp Randall Fraser, mulheres que teimam, expressam-se e fazem da sua dor a sua trincheira, na busca pela liberdade de ser e ir além. Ser quem quisermos ser e ir além dos caminhos predeterminados pela sociedade.

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18 Textos

Jornalista, pós-graduada em Comunicação, Semiótica e Linguagens Visuais, estudante de Direito, militante femimista, autora do livro A Árvore dos Frutos Proibidos, desenhista, cinéfila e eterna aprendiz na busca do aprender a ser.
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