[CINEMA] “O Amante Duplo” e a ideia da loucura feminina

[CINEMA] “O Amante Duplo” e a ideia da loucura feminina

O mais novo e polêmico filme de François Ozon, O Amante Duplo – indicado no Festival de Cinema de Cannes 2017, aos prêmios de: Palma de Ouro, Prêmio do Júri, Prêmio de Interpretação Feminina, Prêmio de Melhor Diretor, Grand Prix, Prêmio de Roteiro e Prêmio de Interpretação Masculina, – estreou na quarta-feira, 6 de junho, no Festival Varilux de Cinema Francês, e estará em exibição durante os próximos dias do Festival.

O Amante Duplo, um suspense erótico baseado no livro da autora Joyce Carol Oates (“Lives of the Twins”), conta a história de Chloé (Marine Vacth), uma belíssima e frágil mulher que, cansada de sofrer com intensas dores de estômagos, acaba convencida de que tais dores possam ser de fundo emocional. Ela procura a ajuda do psicólogo Paul Meyer (Jérémie Renier) e, com o passar do tempo, Chloé e Paul se apaixonam e acabam indo morar juntos. O tratamento de Chloé acaba sendo interrompido por conta da relação do casal e eles acreditam que ela tenha “curado” suas dores de estômago.

O Amante Duplo

Porém, passado algum tempo desde que o casal decidiu viver juntos, a jovem mulher faz uma descoberta inesperada sobre seu parceiro e suas dores voltam a atormentá-la. Durante a terapia com Paul, Chloé compartilha sensações sobre si e como se vê nas relações com seus pares, demonstrando grande necessidade da aprovação de sua mãe e de sentir-se amada para além de sua aparência frágil e ao mesmo tempo sedutora.

Quando se muda para o apartamento de Paul, ela se dá conta de que pouco sabe a respeito dele e passa a questioná-lo para que ele compartilhe mais sobre sua vida pregressa. Como não consegue que ele comparta sua história, Chlóe passa a investigá-lo e descobre que ele tem um irmão gêmeo, Louis Delord (Jérémie Renier), coincidentemente, também psicólogo. Esse segredo desperta nela sensações contraditórias – medo, vulnerabilidade, curiosidade, atração e desejo pelos irmãos gêmeos – e o filme imerge numa trama cheia de suspense e sedução (com fortes apelos eróticos) que remetem a espectadora ao estilo de Cronenberg.

O Amante Duplo

Chloé é uma mulher muito bonita, que se esforça para parecer invisível ao olhar e desejo do outro. Trabalhou como modelo quando mais jovem e agora exerce uma atividade discreta como segurança de um museu. Porém, por trás das inseguranças que carrega em relação a si mesma e a notada atração que sente ao descobrir que seu namorado tem um irmão gêmeo, Chloé acaba acessando lugares dentro de si antes desconhecidos e fica obcecada pela ideia de que Paul e Louis se complementam – e que dessa forma podem proporcionar a ela uma relação perfeita.

Além de ter forte apelo psicológico e tratar de um tema recorrente no cinema, as relações entre gêmeos (“Irmãos Gêmeos”, 1988; “Gêmeos – mórbida semelhança”, 1988; “Operação Cupido”, 1998 e outros), o filme parece extrapolar essa questão, se imaginarmos que o desejo de Chloé, quando mergulha nesse triângulo, é o de encontrar o par perfeito. Ou seja, o homem que reunirá todas as qualidades para suprir suas expectativas afetivas, está dividido entre esses dois irmãos.

Fica claro que ela é apaixonada por Paul, afinal ele é gentil, cuidadoso e o responsável por “curar” suas dores de estômago. Por Louis, ela sente uma paixão avassaladora e descobre as delícias do sexo sem tabus. Portanto, a junção dessas duas personas garantiria a Chloé (evidentemente que isso acontece de forma subjetiva dentro dela) a existência de um homem ideal.

O Amante Duplo

Leia também:
>> [SÉRIES] Alias Grace: A loucura e a violência na experiência de ser mulher
>> [CINEMA] Mãe!: A loucura genderizada de acordo com Aronofsky
>> [CINEMA] A Mulher de Preto: Loucura feminina e a maternidade diabólica

François Ozon (“Frantz”, 2016; “Jovem e Bela”, 2013; “8 mulheres”, 2002 e muitos outros) de certa maneira faz parecer, ao adaptar a obra de Joyce Carol Oates para o cinema, que o sofrimento de Chloé (assim como o de muitas mulheres) está ligado à busca incessante pelo par perfeito e à ideia, quase sufocante, de que somente um homem pode nos “conter” e tapar todos “nossos buracos” (existenciais, de propósitos de vida, sexuais e de fertilidade) e dessa forma nos conduzir à felicidade.

Embora consideramos que O Amante Duplo seja um filme de grande qualidade e que deve ser visto sob várias perspectivas, não podemos negar que Ozon faz parecer que o gozo e a sanidade mental dessa mulher (Chloé) estão nas mãos dos gêmeos. Isso deixa a representação das mulheres, neste filme, condicionada à existência de alguém mais forte e mais capaz de conduzi-las pela vida, e esse alguém é um homem. Aliás, a junção de dois homens pela metade, que somados garantirão o bem-estar e a felicidade plena de Chloé.

Será essa fórmula confirmada pelo estudo dos gêmeos? Sabe-se que numerosos mitos lhes imputam a potência do herói, através do que é restaurada na realidade a harmonia do seio materno, mas à custa de um fratricídio. Seja como for, é pelo semelhante que o objeto como o eu se realiza: quanto mais pode assimilar de seu parceiro, mais o sujeito conforta ao mesmo tempo sua personalidade e sua objetividade, garantes de sua futura eficácia”. Jacques Lacan, 1938.

Veja aqui a programação completa do Festival Varilux de Cinema Francês 2018

Informações adicionais:

Chama-se gêmeos dois ou mais irmãos que nascem de uma mesma gestação, podendo ser idênticos ou não. Os gêmeos dizigóticos são formados a partir de células diferentes, dois óvulos fecundados por dois espermatozoides, gerando, assim, dois embriões. Quase sempre desenvolvem-se em placentas diferentes e não dividem o saco amniótico. Esses gêmeos fraternos não se assemelham muito entre si, podendo ter ou não o mesmo fator sanguíneo e serem ou não do mesmo sexo.

Os gêmeos monozigóticos são formados a partir de uma única célula, um único óvulo fecundado por um único espermatozoide, o que os faz possuírem o mesmo genoma. Esses gêmeos idênticos/univitelinos podem ser xifópagos ou siameses – formados a partir do mesmo zigoto. Neste caso, o disco embrionário não chega a se dividir por completo, produzindo gêmeos que estarão ligados por uma parte do corpo ou que têm uma parte do corpo comum aos dois. O embrião de gêmeos xifópagos é, então, constituído de apenas uma massa celular, sendo desenvolvido na mesma placenta, com o mesmo saco amniótico.

Escrito por:

43 Textos

Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
Veja todos os textos
Follow Me :