Uma Dobra No Tempo: a versão em graphic novel de uma história entre dimensões

Uma Dobra No Tempo: a versão em graphic novel de uma história entre dimensões

Na década de 60, uma história diferente ganhou popularidade entre as crianças. Escrito por Madeleine L’Engle, Uma Dobra No Tempo trazia como novidade o protagonismo feminino em uma história de ficção científica. Não só mostrou que crianças poderiam entender ciência, em uma linguagem mais simples, como mostrou que as meninas poderiam viver ciência. Unindo conhecimento científico com reflexões sobre a sociedade, chegou aos dias atuais e ganhou uma adaptação cinematográfica. E foi, então, transformado em graphic novel pela editora Darkside Books. Em uma linda edição, torna a experiência da história ainda mais mágica.

Toda menina pode ser uma heroína

Meg Murry é uma menina de 12 anos que enfrenta diversos problemas na escola, sobretudo em razão do desaparecimento do pai. E não bastasse os seus próprios problemas, ainda tenta defender seu irmão mais novo Charles Wallace, um menino inteligente, mas que prefere não se manifestar como todos esperam. Como toda adolescente, Meg queria ser mais bela, mais inteligente, e acha que não tem nenhuma importância no mundo. Isso até que três estranhas senhoras aparecem em sua vida.

A primeira é a senhora Quequeé, a excêntrica mulher que aparece em sua casa durante uma tempestade. Depois vem a senhora Quem, aquela que fala apenas em citações, pois tudo já foi dito no mundo. E então a senhora Qual, a mais velha e enigmática de todas. E apesar da estranheza inicial de Meg, ela precisa aceitar a simpatia de Charles Wallace pelas três senhoras, que, mal sabe ela, a levaram em uma grande jornada – e no caminho de busca por seu pai.

Uma Dobra no Tempo

Junto ao amigo Calvin, Meg e Charles Wallace encaram viagens interdimensionais pelo princípio do tesserato – uma dobra nas dimensões. Assim, exploram novos mundos em busca de uma solução para o mal que os ameaça. E nessa aventura, cada um exerce uma função essencial. Inclusive Meg, aquela que pensa não possuir nenhuma qualidade. Onde os “defeitos” não são vistos como defeitos, mas como características, qualquer menina pode ser uma heroína. Mesmo ela, que nunca acreditou em si mesma.

Uma jornada interdimensional

Três mulheres apresentam-se como guias para os personagens de Uma Dobra no Tempo, levando-os a encarar seus próprios medos em uma luta entre o bem e o mal. Com a ajuda da ciência, Meg, Charles Wallace e Calvin são transportados a um mundo em que os detalhes se tornam mais nítidos. Apesar de toda a beleza desse universo, entre seres mágicos e belas paisagens, os três também conseguem enxergar uma perigosa névoa que se espalha pelo universo. É a força maligna contra a qual o pai de Meg vem lutando.

Ainda que assustados pela profundeza dessa força, os três decidem ir atrás do pai de Meg e ajudar na reversão desse grande mal. Mas surpresas os aguardam, algumas das quais provenientes deles mesmos. Em um planeta ritmado, quase hipnótico, em que a divergência não é uma opção, aqueles que parecem se sobressair podem se entregar à arrogância. E aqueles que parecem nada oferecer, podem representar a esperança.

Uma Dobra no Tempo

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A preocupação com o mundo

Uma Dobra No Tempo não mescla apenas ficção e ciência. A obra também aborda princípios, além de discussões sobre filosofia e sociedade. Em primeiro lugar, há personagens que destoam dos padrões, seja pela aparência ou pela história de vida. Em decorrência disso, enfrentam julgamentos sociais, preconceitos em diversas esferas. Meg é julgada por não seguir um padrão de feminilidade e nem de inteligência, quando ela apenas é quem é. E é sua essência que ela precisa descobrir e aceitar. Sua mãe é julgada por, aparentemente, ter sido abandonada pelo marido. Charles Wallace, por não interagir dentro de um padrão. Calvin, por não ter a família “padrão” ou por não cumprir as expectativas dentro dela.

Em segundo lugar, há críticas explícitas a um padrão da vida moderna, em que as pessoas cada vez mais tentam se padronizar, mas também tentam transformar o mundo em uma máquina a serviços de interesses egoístas. Em Camazotz, tudo é pré-determinado e todos seguem a mesma lógica. O mundo é transformado em uma grande fábrica, para a qual todos devem servir sem questionar. Questionar é uma ameaça, e aqueles que divergem devem ser aprisionados, silenciados.

Uma Dobra No Tempo também traz elementos fortes de princípios, como o amor. E apesar das referências a um deus que remete ao deus cristão, a autora justificou que não quis se restringir a uma religião, mas abordar princípios universais para falar dessa luta entre o bem e o mal, sobre o amor por si e pelos outros.

Das páginas do livro para a graphic novel

A adaptação publicada no Brasil pela Darkside é fantástica. De fato, o livro possui algumas passagens difíceis de serem compreendidas ou imaginadas. São descrições facilitadas para as crianças, mas que exigem um certo raciocínio. Ou então, descrições fantásticas demais que muitas vezes não conseguem ser transformadas em imagens. No entanto, a iustradora Hope Landerson consegue captar e traduzir bem a obra de Madeleine L’Engle. As teorias científicas tornam-se visíveis através de seus desenhos e dos recursos próprios do estilo. Quadros escuros mostram o vazio de alguns momentos, enquanto desenhos sem preenchimento marcam as etapas das viagens. A história, portanto, se materializa melhor no estilo.

Uma Dobra no Tempo

Em tonalidades azuis mais sóbrias, a graphic novel transparece o ar de ciência próprio da história. Talvez, em algumas partes, faça falta as cores que remetam à toda a magia desse universo. Entretanto, não é algo que atrapalhe. Não obstante, as tonalidades utilizadas também dão ar de seriedade e profundidade ao conteúdo abordado.

Os desenhos são diferentes, mas adequados à proposta e transmitem o que obra original pretende. O formato ainda concede maior dinamicidade à obra. Um dos pequenos problemas do livro é que a história em si não apresenta grandes aventuras, em contraste a livros mais modernos, o que torna sua leitura mais especial pela história da obra como uma obra, do que pelo seu enredo propriamente. Como graphic novel, contudo, a leitura torna-se mais fluida, ainda que extremamente fiel.

É, com certeza, uma adaptação de qualidade a uma obra que marcou a literatura feminina.


Uma Dobra No TempoUma Dobra No Tempo

Madeleine L’Engle

392 páginas

Darkside Books

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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