My So-Called Life: representatividade na série adolescente mais influente de todos os tempos

My So-Called Life: representatividade na série adolescente mais influente de todos os tempos

Em 25 de agosto de 1994, estreava o primeiro episódio da série My So-Called Life (Minha Vida de Cão), criada por Winnie Holzman (Jerry Maguire: A Grande Virada) e cancelada em 15 de maio de 1995, após 19 episódios, devido a sua baixa audiência. Há quase 25 anos essa pequena obra, que conta apenas com uma temporada, foi ao ar e ganhou status de cult, sendo reconhecida influência em produções que marcaram sua época: Dawson’s Creek, Skins e 13 Reasons Why.

Com uma narrativa ousada para época, a série revelou atores bastante conhecidos atualmente, como Jared Leto (Clube de Compras Dallas) e Claire Danes (Homeland). Em sua curta vida, My So-Called Life tratou de temas pesados, como abuso infantil, armas nas escolas, homofobia, infidelidade, alcoolismo na adolescência e abandono. A tarefa de revisitar uma obra que foi considerada demasiadamente inteligente para TV e inovadora demais para sua época não é fácil, mas a oportunidade de mergulhar na jornada inacabada de seus personagens (em especial sua protagonista Angela, interpretada por Claire Danes) compensa as dificuldades.

My So-Called Life

Por uma vida menos ordinária

Angela é uma garota classe media de 15 anos que se sente deslocada e vive todos os conflitos existenciais inerentes à idade. Já no primeiro episódio as espectadoras assistem sua transição de menina bem-comportada para uma adolescente rebelde em busca de liberdade. Ela começa a sair com Rayanne (A.J. Langer) e Rickie (Wilson Cruz), se afastando completamente dos seus amigos de infância Sharon (Devon Andessa) e Brian (Devon Gummersall), pinta o cabelo de vermelho e foge para ir a festas. A série é narrada principalmente do ponto de vista da protagonista, então a espectadora pode compartilhar dos sentimentos e pensamentos dela e mergulhar na jornada de amadurecimento de Angela de uma forma satisfatória. Nesse sentido, a série é muito feliz. 

A relação de Angela com seus pais Patty (Bess Armstrong) e Graham (Tom Irwin) e com sua irmã mais nova Danielle (Lisa Wilhoit) é outro foco da série. Logo no início, fica estabelecido que o processo de crescimento de Angela acarreta um distanciamento natural de sua família, que não consegue lidar com essa nova Angela. Para completar, temos Jordan Catalano (Jared Leto), seu primeiro amor platônico. Quem assistiu Everything Sucks, sentirá uma familiaridade com a fidedigna ambientação de uma escola pública americana dos anos 90 e da juventude daquele período.

“Escola é um campo de batalha para seu coração.”

– My So-Called Life

Passadas duas décadas, é difícil mensurar como essa obra foi inovadora. Mas ainda hoje podemos enxergar um diferencial em My So-Called Life de tantos outros seriados do mesmo gênero. A forma com que ela retrata a adolescência e as relações familiares é extremamente realista, sendo ultrapassada apenas pela britânica Skins nesse quesito.

My So-Called Life

Os outros personagens também têm jornadas interessantes, por exemplo os pais de Angela. O episódio 4 (Father Figures) é muito significativo nesse sentido, porque é quando vemos o machismo do pai de Patty e sua luta por reconhecimento como uma mulher capaz de gerir um negócio. A infidelidade de Graham em nenhum momento é tratada de forma moralista, mas sim de forma delicada.

Outro ponto interessante é que Angela, nem de longe, possui uma vida desestruturada, podendo ser considerada uma rebelde sem causa. Diferente dos seus amigos, ela possui tudo: pais presentes, beleza, uma boa estrutura financeira e nenhum grande problema social. A escolha de uma protagonista tão normal foi acertada, porque mostra que a adolescência é uma fase difícil para todos.

My So-Called Life
ABC/Reprodução

As personagens femininas de My So-Called Life

A mãe de Angela, Patty (Bess Armstrong), é um dos personagens centrais da série. Ao mesmo tempo em que vemos a jornada de Angela, acompanhamos os dilemas de Patty como mãe e mulher. É notória a evolução dela durante os episódios. Em alguns momentos a personagem serve de contraposição à protagonista, mostrando o lado de uma mulher de meia-idade frente a questões como o envelhecimento, padrão de beleza e maternidade.

Sua relação com as filhas, em especial Angela, é marcada pelo natural conflito geracional. É muito bonito ver na tela como elas, mesmo não se entendendo, se amam e buscam aprovação mútua. No episódio cinco (The Zit), temos uma dinâmica bastante interessante sobre essa questão geracional entre as mulheres: se de um lado temos Angela, que sofre por uma espinha e não consegue aceita seu próprio corpo, do outro lado temos Patty, que questiona a sociedade quando esta diz que mulheres mais velhas são menos atraentes que homens mais velhos.

My So-Called Life

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Outro personagem que merece destaque é Rayanne Graff (A.J. Langer). Uma espécie de oposto de Angela, ela é uma garota aparentemente descolada e que não leva nada a sério, mas quando olhamos com atenção, vemos toda sua vulnerabilidade. Filha de uma mãe solo, ela sofre pela falta de uma figura paterna. Seu comportamento autodestrutivo e o abuso de álcool é bastante explorado durante a série.

Sua amizade peculiar com Sharon (Devon Odessa) rende ótimos momentos, servindo como desenvolvimento de ambas as personagens. Falando em Sharon, se no começo da série acabamos intuitivamente odiando essa personagem, com o passar do tempo passamos a nos identificar com sua jornada de amadurecimentos sexual e psicológico.

Questões como homossexualidade não ficam de fora em My So-Called Life. Muito antes de Six Feet Under e Dawson’s Creek, acompanhamos um pouco a busca de Rickie (Wilson Cruz) por um lugar no mundo. Sem o mesmo destaque de Angela e Rayanne, sua trama às vezes fica relegada a situações que incomodam; como na questão do banheiro feminino, maquiagem e sua identificação de gênero. Mesmo sem aparecer muito, sua presença quebra vários estereótipos comuns da época em relação às personagens homossexuais.

Com o olhar atual, é muito difícil entender como uma série tão boa como My So-Called Life foi cancelada por baixa audiência. Não existe um episódio ruim. Sua linguagem, até mesmo para os padrões atuais, é inovadora. E passados 24 anos de sua exibição, a série continua viva e mostrando que o tempo passa, mas os problemas continuam os mesmos. Essa pequena obra de apenas 19 episódios merece ser vista e revista por todos!

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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