O que aprendemos com as personagens femininas de “Mad Men”

O que aprendemos com as personagens femininas de “Mad Men”

Mad Men foi uma das séries de maior prestígio e sucesso da televisão norte-americana nos últimos anos. Ganhadora de 16 Emmys e 5 Globos de Ouro, contou em sete temporadas (de 2007 a 2015) a trajetória do mercado publicitário norte-americano nos anos 1960, personificado pelo anti-herói Don Draper (Jon Hamm).

Como o título da série sugere, o termo “Mad Men” foi criado pelos próprios publicitários da Madison Avenue, em Nova York, para definirem a si mesmos como os loucos que podiam tudo. Porém, mais do que simplesmente retratar todo o glamour, exageros e demonstrações de vaidade do mundo da propaganda, a série demonstrou uma forte crítica à sociedade americana, que sofreu mudanças drásticas entre as décadas de 1960 e 1970. E desde o primeiro capítulo a insistente menção ao sexismo da sociedade, na entrada dos anos 1960, prenuncia que a série mostrará a revolução protagonizada pelas mulheres nessa época.

Quando Mad Men começa, o imaginário vigente sobre o papel da mulher na sociedade era de ser esposa e se dedicar à família. Inclusive, todas as mulheres da série são questionadas sobre isso o tempo todo, é o que se espera delas. Porém, ao longo das temporadas essas próprias mulheres vão rompendo paradigmas e acabam tendo que lidar com uma nova visão de si mesmas, buscando se desafiar, ocupando postos no mercado de trabalho e inspirando umas às outras.

Embora nem todas as mulheres de Mad Men apresentem esse salto de consciência, na contextualização em que a sociedade da época é apresentada, podemos compreender que elas precisavam buscar formas de sobreviver em uma sociedade ultraconservadora, que as oprimiam simplesmente por elas existirem. E Mad Men representou, através de estereótipos sólidos, as diversas personificações femininas que vinham desde sempre sofrendo na pele o desenrolar de uma história hegemonicamente patriarcal, branca e machista.

A seguir, relembraremos as personagens femininas da série e o que aprendemos com cada uma delas.

AVISO: O texto a seguir contém spoilers da série

Resignação

A megera domada: Betty Draper

A megera domada: Betty Draper
Imagem: AMC (Reprodução)

Betty Draper é por si a definição da esposa americana perfeita, que vive em uma casa suburbana e cuida dos filhos de Don Draper, o protagonista. Também é a bela “esposa troféu”, que ele exibia em diversos eventos para deixar os outros se mordendo de inveja. Embora tenha conhecido seu marido sendo uma modelo e vivendo de forma independente em Nova York, Betty (January Jones) tem ideias bastante conservadoras sobre o papel da mulher na sociedade.

Criada como uma patricinha, ela costuma usar sua estonteante beleza como artifício, seja para fazer charme com o objetivo de conseguir algum favor ou até mesmo arrumar um casamento estratégico. E apesar de Betty explorar a figura de família feliz para projetar seu sucesso perante amigas, parentes e colegas do marido, ela é uma pessoa extremamente infeliz e depressiva, além de uma mãe extremamente cruel e pouco amorosa.

Porém, apesar de em alguns momentos ela assumir um certo ar vilanesco, Betty é só mais uma vítima de um sistema sexista; um sistema que a impede de voltar a trabalhar depois de ser mãe, que a faz se resignar a aceitar uma vida de dona de casa, que a faz viver longe para dar suporte às traições do marido, e que a impele a aceitar tudo isso – a despeito de suas crises de ansiedade – porque ela precisa manter sua aparência sempre impecável, é isso o que esperam dela.

Betty Draper representa a mulher tradicional, acostumada a se enquadrar nas regras hipócritas da geração anterior e que não consegue compreender as mudanças comportamentais da sociedade que se modifica.

Betty simplesmente não consegue se encontrar neste mundo que está mudando, mas também não consegue suportar o fardo de manter uma vida somente sustentada em aparências. Mesmo depois de ter se casado novamente, ela continua com os mesmos conflitos. E exatamente por isso é curioso que, de todo o elenco da série, ela tenha sido a única personagem que tenha tido um desfecho negativo.

Através da trajetória de Betty Draper, aprendemos que ninguém mais é responsável pela sua felicidade, senão você mesma. Não entregue a sua vida nas mãos de ninguém. É preciso, sim, nos realizarmos com a nossa vida, fazendo o que nos faz feliz e não o que esperam da gente. E lembre-se: beleza não é tudo na vida.

Resiliência

A dona de casa feliz: Trudy Campbell

A dona de casa feliz: Trudy Campbell

A esposa modelo de Pete Campbell (Vincent Kartheiser) se mostra desde o início uma mulher fútil, mas determinada a não medir esforços para fazer que seu marido suba de status na empresa, possibilitando a ela concretizar o plano de formar uma família perfeita, o que realmente parecia o sonho a ser alcançado para as mulheres nos anos 60.

Porém, as coisas não saíram como o esperado. Ela descobre uma das diversas traições do marido e decide se separar. Tendo que criar os dois filhos sozinha, Trudy (Alison Brie) descobre que há um limbo para mulheres divorciadas.

Marginalizadas pelas mulheres que não querem que ela seja uma concorrente, além de assediada pelos homens que a vem como um alvo fácil (pois não há a proteção do homem) é nesse momento que Trudy acaba desenvolvendo uma personalidade mais madura.

No final, ela acaba percebendo que nunca deixara de amar o marido e eles decidem recomeçar. A liberdade de poder ser o que quiser também contempla o fato de que você pode ser feliz se dedicando exclusivamente à sua família, e Trudy nos mostra isso.

Atitude

Não é pecado ser ambiciosa: Peggy Olson

Não é pecado ser ambiciosa: Peggy Olson

A personagem feminina mais adorada e icônica da série, Peggy (Elisabeth Moss) começa como uma ingênua mocinha de família com muitas ideias na cabeça, além de ser bastante pró-atividade e buscar mais da vida.

A série inclusive inicia no seu primeiro dia como secretária de uma importante agência nova iorquina, a Sterling Cooper, tendo como chefe imediato o executivo Don Draper. E neste primeiro dia já podemos ter a noção de quanto a sociedade que a rodeia é carregada de preconceitos contra as mulheres.

Ela é treinada por Joan Holloway (Christina Hendricks), a gerente das secretárias, que já a coloca a par da realidade de como é ser mulher naquele ambiente: elas devem se preocupar em servir os homens e estar além de suas necessidades. Porém, Peggy se dá conta de que nunca irá avançar na vida se não ousar.

Então, ela constrói sua própria virada na história ao não ficar calada em uma reunião e apresentar suas ideias para uma campanha. Posteriormente, Peeggy acaba sendo apadrinhada por Don e se torna redatora. Ela é uma das personagens femininas que inspiram as outras a buscarem seu próprio caminho.

Peggy é a representação de uma mulher que não se intimida com os homens e que fala o que pensa. Sua ambição a coloca como uma das primeiras redatoras de publicidade norte-americana na história, ganhando prêmios, respeito e avançando cada vez mais na profissão.

Frequentemente criticada pela mãe por só ter o foco na sua carreira e não ter como objetivo a construção de uma família, Peggy também traz para Mad Men assuntos como: o mito de que a mulher nasceu para ser mãe e se casar.

Depois de ter um breve affair com o colega de agência Pete Campbell, Peggy engravida e acaba tendo o bebê escondido, sendo acobertada pelo chefe Don. Ela decide então entregar o bebê para sua irmã criar, sem nenhum um pingo de apego. Mesmo não apresentando remorso pelo que fez, Peggy ainda carrega a culpa por não ter um instinto maternal durante toda a série.

O sexo casual, sem neuras, também foi um elemento ótimo trazido por Peggy. Durante toda a série ela teve uma enorme gama de parceiros e não se incomodava de forma alguma em tomar a iniciativa. Outra característica importante da personagem é que, embora ela escutasse a opinião dos outros, sempre acabava fazendo o que ela julgava certo ou o que tinha vontade, inclusive confrontando várias vezes até mesmo seus patrões.

Ela é a personagem feminina que mais interage com os homens e podemos perceber uma transformação a partir disso: a moça ingênua e delicada no início da série deu lugar a uma mulher mais decidida, com uma certa malandragem, que acaba se tornando referência pela sua competência e adquire respeito e admiração dos colegas.

Peggy foi a personagem que mais evoluiu ao longo de Mad Men, por se mostrar aberta a experiências e aberta ao novo, ela é uma mulher sem preconceitos e nem julgamentos.

Apesar de ter vivido duas grandes paixões platônicas e um relacionamento morno, a longa convivência com o colega Stan Rizzo (Jay R. Ferguson) fez como que ele se transformasse de um cara completamente preconceituoso, machista e desagradável para uma pessoa surpreendentemente legal e divertida.

E é com ele que Peggy acaba encontrando o amor no final da série. Percorrendo um caminho de forma destemida, Peggy nos inspira e ensina importantes lições: Não é pecado nenhum ser ambiciosa. Nem toda mulher nasceu para ser mãe. Acredite em si mesma.

Confiança

Eu sou mais eu: Joan Holloway

Eu sou mais eu: Joan Holloway

Joan (Christina Hendricks) representa na série o estereótipo da mulher gostosa que todo homem quer pegar, mas que nenhum deles leva a sério. Bonita, esperta e destemida, ela inicia a série como gerente das secretárias, tendo um caso com um dos donos da agência. Mas Joan quer mais da vida, embora não saiba bem o quê.

Bastante liberal na questão comportamental e pouco interessada na maneira como sua intensa vida sexual repercute aos ouvidos alheios, ela se mostra, porém, bem conservadora quanto aos papéis das mulheres na sociedade, talvez um tanto resignada com o papel de servir aos homens, que ela logo explica para Peggy em seu primeiro dia de trabalho.

Ao mesmo tempo que sai com vários homens, alguns casados, Joan percorre o sonho de encontrar a príncipe encantado, casar-se e viver para sua família. Entretanto, a virada de sua história ocorre exatamente quando ela vê Peggy dar um salto de ousadia e subir de secretária ao posto de redatora.

A partir desse momento que a inspira, a trajetória de Joan percorre várias reviravoltas e a vemos se dando conta de que príncipes não existem e que ela não precisa de um homem para cuidar de si mesma. Então, depois do casamento frustrado com o médico e com um filho para criar, ela se mostra mais autossuficiente.

Depois de entender como o jogo de barganha dos executivos funciona, ela começa a ganhar mais espaço na agência, até chegar o fatídico dia em que é coagida a transar com um cliente para conquistar uma conta. Esse momento é, sem dúvida, um dos mais indigestos de toda a série, pois mostra de uma forma muito contundente a mulher tratada como um objeto, de uma forma obscena e canalha, sem qualquer respeito ou humanidade.

Mad Men

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Porém, apesar de toda humilhação, Joan consegue ver uma oportunidade de dar uma guinada financeira em sua vida, e condiciona o encontro ao seu ingresso como sócia da agência.

No final da série, ela fica com a opção de escolher entre se acomodar em um relacionamento com um coroa ricaço ou aceitar o desafio de comandar o próprio negócio, e ela não pensa duas vezes em seguir seu próprio caminho.

Mesmo que não tenha sido intencional, Joan acaba se tornando um verdadeiro ícone feminista. Ela personifica através de sua história o ideal de que as mulheres podem chegar lá sozinhas e não precisam de aprovação de homem algum.

Liberdade

O amor livre: Megan Draper

O amor livre: Megan Draper

A moça descolada que parece modelo, fala francês e tem pais intelectuais começou na agência quando Don Draper já era sócio. Megan (Jessica Paré) foi admitida como sua secretária e acabava por assumir também a função de babá dos filhos de Don quando ele se separou.

A boa relação dela com as crianças aproximou os dois, que acabaram vivendo um affair, que resultou em um pedido de casamento. E logo depois, por ter bastante habilidade em redigir slogans, Megan foi promovida redatora. Porém, seu sonho era ser atriz e então largou a promissora e premiada carreira na publicidade para arriscar a chance em Los Angeles.

Lá ela se afasta cada vez mais de Don e modifica o seu estilo sofisticado e polido para uma lifestyle fora dos padrões, imergindo em uma nova realidade de glamour, festas, drogas e novas experiências sexuais com ambos os sexos. A distância física se torna emocional e ela acaba se separando de Don para investir somente na carreira.

De uma doçura meio que pastel, Megan transcende em liberdade. Ela representa uma nova geração de mulheres que já consegue se beneficiar com um movimento de maior autonomia feminina, esse mesmo movimento que foi inclusive protagonizado por mulheres como Joan e Peggy. Megan nos mostra que podemos, sim, ser o que quiser e mais que isso, podemos nos comportar da forma que quisermos, sem se preocupar com convenções sociais.

Empatia

A nova geração: Sally Draper

A nova geração: Sally Draper

A filha mais velha de Don e Betty começa criança na série e suas transformações ao longo das temporadas personificam as mudanças de visão de mundo, comportamentos e estética, que são mostrados no programa.

A capacidade observadora de Sally Draper (Kiernan Shipka) formam gradativamente o seu caráter maduro e independente. E olha que ela passa por várias situações bizarras desde criança, quando, por exemplo, lhe oferecerem bebida e cigarro em festas, além de ser constantemente humilhada pela própria mãe.

A relação de Sally com Betty é uma das dinâmicas mais comoventes da série, ao mostrar uma mãe por vezes muito fria e cruel, ao contraste com a admiração venerável da filha pela genitora, cuja imagem beirava à perfeição.

Sem falar nos conselhos absurdos que Betty dava à Sally, como: a menina tem que se ser boazinha, a mulher não deve convidar homens para sair e nem ter atitude. Segundo Betty, as mulheres devem esperar que os homens tomem a inciativa em tudo. Um conselho que Sally parece nunca ter escutado, ainda bem.

Mad Men

Embora Don não chegasse a ser um pai abusivo, ele era completamente desleixado e irresponsável ao cuidar de seus filhos e até conseguiu se deixar ser flagrado por Sally dando uns amassos na vizinha. Mesmo assim, ela nutria uma relação muito próxima com o pai, chegando até a lhe dar conselhos. Aliás, Sally foi certamente a personagem mais coerente e humana de toda a série, aprendendo desde cedo a cuidar de si mesma e dos irmãos.

No final, fica implícito que ela vai deixar seus planos de ir para a faculdade de lado, por se preocupar com o futuro dos irmãos e cuidar de uma família que ela nem mesmo criou. Entretanto, os tempos estão mudando e certamente, depois de Sally se tornar uma mulher adulta, ela poderia ter acesso a muito mais opções do que ser somente a esposa de alguém. Sally nos ensinou a aprender com os erros dos outros, a ter empatia e também a ter seu próprio julgamento sobre as coisas.

Mad Men ainda apresentou um grande desfile de personagens femininas, a grande maioria casos sexuais ou amorosos de Don Drapper, porém durante as duas décadas que a série retratou, podemos notar uma maior liberalidade de comportamento por parte delas, através dos costumes, na moda ou em posições na sociedade. E isso em si já indica um importante recorte, feito de uma significativa transformação da sociedade norte-americana.

Autora convidada: Bianca Rosa é jornalista, escritora e pesquisadora em comunicação. Cultua bons livros e adora conversar sobre música, filmes e series, ainda mais se for acompanhada de uma taça de vinho ou uma xícara de café. 

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