[SÉRIE] One Day At a Time – 3ª temporada: novas questões e mais profundidade

[SÉRIE] One Day At a Time – 3ª temporada: novas questões e mais profundidade

O formato dos sitcoms televisivos pré-Netflix contavam com temporadas com cerca de 20 até 26 episódios. Com estreias semanais de novos episódios, cada temporada, separada em dois blocos divididos por férias de verão e inverno, garantia que uma série ficasse praticamente o ano inteiro no ar. Divulgados de forma homeopática, você ainda podia perder o episódio em seu dia de estreia, que as reprises davam conta do recado. Que saudade!

Os sitcoms com plateia — muito comuns nos anos 80/90/00 — migraram para o streaming, mas a lógica da Netflix é a de incentivar a maratona e a produção de séries variadas, então a nova ordem praticamente acabou com as temporadas com mais de 15 episódios. O que torna “One Day at a Time” um programa agridoce: mesmo que a história se feche com os 13 episódios de cada temporada, é ao mesmo tempo tão pouco! Pra quem gosta de comédia dramática leve, “One Day at a Time” conseguiu atualizar o formato antigo por meio de sua temática contemporânea e ótimas caracterizações de suas personagens.

Em sua terceira temporada, e depois de um sucesso de críticas em suas últimas duas, a série manteve e aprofundou seus elementos de maior sucesso: a incorporação de debates sociais à sua narrativa, e o uso da comédia e do drama como forma de aproximação do espectador para pontos de vista mais progressistas. E um pouco diferente das temporadas passadas, a questão específica do imigrante cubano — o ponto controverso da série, que sugere um sonho americano realizável e superior à realidade de Cuba, que já foi abordado na resenha da temporada passada — ficou resumida mais ao primeiro episódio, em que Penelope e sua família vai ao enterro uma tia e encontra com as primas e tias numerosas.

As atrizes que estrelam “Brooklyn 99“, Melissa Fumero e Stephanie Beatriz, junto com a cantora cubana Gloria Estefan aparecem na série como parte da família gigante de Lydia e Penelope, e emprestam sua comédia nesse crossover. A reunião acaba virando um acerto de contas entre Lydia e sua irmã mais nova Mirtha, interpretada pela cantora Gloria Estefan, e a consequência dessa briga ressoa na relação de Penelope com sua prima Estelita (Melissa Fumero); melhores amigas que foram separadas pela desavença das mães.

No episódio, Elena (Isabella Gomez), a filha mais nova de Penelope, também ronda sua prima Pilar (Stephanie Beatriz) sobre sua sexualidade, tocando mais uma vez na diferença entre as gerações de latinos de vivem nos Estados Unidos. Neste ponto, “One Day at a Time” consegue retratar com humor como o silenciamento e uma certa “vista grossa” fez parte do relacionamento da família católica com seus integrantes homossexuais.

One Day At a Time
Penelope e Estelita

E nessa temporada, foram muitos os pontos abordados. Houve referência ao movimento #MeToo e a epidemia de assédio sexual nos ambientes públicos e privados, ressaltando como atitudes consideradas “normais” e até engraçadas para homens, contribuem para um clima de terror na vida das mulheres ao habitar os espaços públicos.

Elena e Penolope têm suas próprias experiências com o assédio sexual, e o tema entra em cena por conta do comportamento do filho mais novo de Penelope, Alex (Miguel Ruíz). Fica claro na conversa da família que nenhuma mulher está protegida desse tipo de abuso, e mesmo que a importância de se quebrar o silêncio seja indiscutível, é responsabilidade dos homens mudar o comportamento e cultura atual, afinal são eles quem estupram e assediam. E sobre este assunto, Abuelita Lydia (Rita Moreno), simplesmente não consegue contribuir. Socializada para considerar os comportamentos agressivos do homens como algo normal, Lydia não é capaz de identificar os fios sociais que guiam as dinâmicas sexistas — mas “One Day at a Time” deixa evidente como esse tipo de pensamento precisa ser superado.

Mas ao mesmo tempo que a série fixa esse ponto de vista feminista, principalmente por meio da figura de Elena, ela deixa em aberto como as teorias pós-modernas podem ajudar ou explicar certos fenômenos. Elena foi perseguida na rua junto com sua namorada Syd, por garotos motivados pela lesbofobia, que ativamente objetificaram a relação das duas, além de aterrorizá-las. Esse é o risco material de toda mulher, o assédio, mas a lesbofobia, em específico, tem consequências físicas e psicológicas que atingem justamente aquelas mulheres que não se conformam à regra heterossexual.

Essa questão fica esfumaçada com a insistência de Elena em levantar a identidade “não-binária” de Syd, que gera um episódio inteiro sobre como elas deveriam se chamar, já que Syd não usa o pronome “ela”. O pronome e a identidade que Syd adota, claramente, não impediram que as duas sofressem lesbofobia por desconhecidos que reconheceram que ali se tratava de uma relação entre duas garotas. Quando o assunto é abuso e assédio, as vítimas geralmente têm uma realidade biológica em comum.

O consumo recreativo de maconha, as precauções da primeira relação sexual e a atenção para doenças mentais como a depressão e ansiedade também são temas abordados que conectam “One Day at a Time” com as questões da sociedade atual. Mesmo em um estado em que a substância é legalizada, a Califórnia, a série traz a questão do desenvolvimento cerebral dos adolescentes, que por não estar completamente formado, pode ser afetado pelo consumo da erva. De uma forma pouco moralista e comprometida com um discurso responsável, a interação entre mãe, filho e avó é o que demarca as diferenças geracionais que as personagens pretendem diminuir por meio do diálogo.

One Day At a Time
Lydia, Elena e Alex
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O retrato de como as doenças mentais afetam a percepção da realidade — transmitido na série quando a imagem se torna preto e branco da visão de Penelope e Elena — foi uma forma fácil e eficaz de demonstrar como as armadilhas da mente podem nos levar a crises, e uma boa explicação de como os mecanismos da ansiedade funcionam na cabeça da pessoa ansiosa, para aqueles que nunca tiveram contato com a doença.

Durante as temporadas passadas, “One Day at a Time” também fez várias referências ao vício em álcool de Schneider (Todd Grinell), mas o assunto foi mais intenso e profundamente tratado nessa terceira temporada, em que um encontro com seu pai rico e conservador (uma espécie de Donald Trump canadense) entra em cena para enfraquecer o emocional de Schneider e jogá-lo novamente no vício. Mas o laço de amizade de Schneider com Penelope e sua família é o ponto de apoio capaz de guiá-lo em sua recuperação. Talvez um dos momentos mais emotivos dessa terceira temporada é a valorização da relação de Penelope e esse amigo playboy abandonado pela família, mas que encontra o amor verdadeiro no meio de uma família cubana, e como essa amizade é construtiva para os dois lados da equação.

E explorando mais ainda a questão da redenção e da mudança possível, o ex-marido (e ex-viciado) de Penelope, Victor, que na primeira temporada rompeu com a filha Elena em sua festa de quinceñera por não aceitar sua homossexualidade, reaparece noivo e disposto a recuperar a relação com a família. Nesse ponto, a reação de Penelope com a nova postura do ex-marido e com seu casamento, a leva questionar o que ela de fato deseja para si mesma. E na investigação da necessidade compulsória de uma relação, Penelope percebe que sua grande paixão do momento é, na verdade, sua profissão e as novas etapas da carreira de enfermeira, que há tanto tempo ela vem se dedicando e postergando por conta dos cuidados com os filhos e com a mãe.

Em sua terceira temporada, “One Day at a Time” se consolida como uma série de humor atual que dialoga com questões profundas e é consistente na maioria de suas propostas. Entre risadas e lágrimas emotivas, os treze episódios da temporada já deixam saudade e uma ansiedade para os próximos capítulos. Vamos torcer para uma renovação da Netflix para o ano que vem!

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Feminista Raíz
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