[LIVRO] “Sono”, de Haruki Murakami (resenha)

[LIVRO] “Sono”, de Haruki Murakami (resenha)

Estava paquerando este exemplar na livraria, e na segunda vez que fui e vi que aparentava ser o último, não resisti.

“É o décimo sétimo dia em que não consigo dormir.”

Ela era uma mulher com uma vida normal. Tinha um marido normal. Um filho normal. Ela até podia detectar algumas fissuras nessa vida aparentemente perfeita, mas nunca chegou a pensar seriamente nelas. Até o dia em que deixou de dormir. Então o mundo se revelou. Um mundo duplo de sombras e silêncio; um mundo onde nada é o que parece. E onde ela não pode mais fechar os olhos.

Sono é um conto de Murakami inédito no Brasil (com tradução de Lica Hashimoto), e por mais que a sinopse seja bem atrativa, confesso que o que me chamou mais atenção foram as ilustrações maravilhosas de Kat Menschik, que completam o conto de uma maneira incrível.

Mas voltando ao livro, a narrativa se dá em primeira pessoa – uma personagem feminina e sem nome, que vai se descrevendo aos poucos enquanto relata um pouco sobre o antes de o depois de sua insônia.

A questão maior do conto, é que a insônia da personagem não é normal! Como ela mesma narra logo no início, ela já havia passado por um quadro de insônia quando mais nova, e os resultados foram completamente diferentes. Enquanto na primeira vez ela vivia num estado indefinido de sonolência, com a mente nevoada e já incapaz de discernir algumas coisas, nesta segunda ela simplesmente não dormia. E isso não a afetava em nada. Vivia normalmente, como se somente não precisasse dormir (o que imagino ser o desejo de muitos).

O problema desta insônia peculiar, é que no período enquanto ela não dormia, realmente acordava. (Sério Monique?) Explicando melhor: durante as horas em que ela deveria estar dormindo, ela começou a pensar e repensar em sua vida, e se deu conta da constante inércia em que se encontrava. Todos os dias eram o mesmo, e se ela não datasse os acontecimentos em seu diário, não saberia identificar mais ontem, de um dia qualquer do mês anterior.

Sono Haruki Murakami (2)

Nas horas em que deixou de dormir, ela também deixou de ser mãe e esposa para ser ela mesma. Passou a se deliciar novamente com pequenas coisas que abriu mão ao iniciar uma família. E pouco a pouco essa vontade de ser ela própria foi invadindo o resto dos dias. Mas isso não a incomodava mais do que o fato de ter percebido como sua vida estava enquanto dormia normalmente.

Até então, eu consumia um terço do dia numa atividade denominada dormir; […] Mas, agora, um terço da minha vida passou a me pertencer. Não é mais de ninguém. É somente meu. Posso usá-lo do jeito que eu bem entender. Nesse período, ninguém vai me incomodar nem me requerer. Isso sim significa vida. Eu havia ampliado a minha vida em um terço.

Página 84

81YKPOqMSmL.jpg

Apesar do fato da desnecessidade de dormir ser um tanto quanto impossível, ele é bem digerível durante toda a narrativa. Entramos na mente da personagem, e junto a ela vamos entendendo a situação, e nos acostumando com ela. E tudo isso numa rapidez absurda. Quando me dei conta que estava lendo, já estava prestes a terminar o livro. A formatação, ilustrações e o tipo de texto ajudam nessa velocidade, mas a escrita do autor também é algo que facilita muito a compreensão.

O final é aberto, e suscetível a interpretações literais e metafóricas. Em qualquer uma das duas, me contentei com o que li. Não consegui até agora pensar em um jeito melhor de terminar. Mas não só o final, como toda o conto é aberto aos dois lados. É só mais um relato sobre insônia, ou um texto para pensar e questionar se realmente estamos acordados para as nossas vidas? Fica a questão.


sono-haruki-murakami

Sono

Haruki Murakami

120 páginas

Editora Alfaguara

Compre aqui: Amazon 

Escrito por:

36 Textos

“O senhor não imagina bem que eterna variação de gênio é aquela moça. Há dias em que se levanta meiga e alegre, outros em que toda ela é irritação e melancolia.” (Ressurreição, Machado de Assis). 20 anos, estudante de Engenharia e que prefere passar o dia vendo filmes do que com a maioria das pessoas.
Veja todos os textos
Follow Me :