Marge foi, antes de qualquer coisa, poeta. Autora de mais de 17 volumes de livros de poesia, ela me cativou quando no começo da adolescência acordava pra poesia, onde a mulher se empoderava de si mesma para dizer o que quisesse sobre suas angústias e alegrias. Mais tarde, topei com ela de novo, visitando antologias de escritos sobre mulheres que desenvolviam obras literárias que tinham em si algum teor feminista. E aí descobri que além de poesia, ela escrevia fantasia e ficção científica.
Não preciso dizer que fui imediatamente atrás de todas as coisas que poderia. Infelizmente, não haviam edições em português de nenhum dos livros (e continua assim até hoje) e eu tive que botar o recém-aprendido inglês ainda-não-muito-praticado pra funcionar. Escolhi indicar aqui “Woman in the Edge of Time“, que é uma das coisas mais completas que já li quando falamos de ficção científica feminista.
Cabe abrir um parêntesis pra explicar uma coisinha: a ficção científica escrita por mulheres não é necessariamente feminista, embora muitas das autoras tenham também sido grandes ativistas dos movimentos feministas. É sabido que a literatura de ficção científica, por mais que tenha representantes femininas de peso, ainda é conhecida como um campo de hegemonia masculina, onde os autores mais aclamados num sentido geral, são homens. A correlação entre o movimento feminista e o espaço que essas mulheres ganharam e ainda ganham no meio, fica evidente aqui. O ponto é que, nem sempre uma autora vai escrever sobre mulheres ou com temáticas feministas e que a ficção científica feminista tem esse cunho e normalmente é escrita por mulheres. Long story short: uma mulher que escreve ficção científica pode não tratar de assuntos “feministas”, por isso a ficção científica feminista é uma categoria especificada.
Voltando a pegar o fio da meada, falemos de “Woman in the Edge of Time“. Temos, então, a nossa protagonista: Consuelo, uma moça que é colocada a vida toda em condições sub-humanas de vida, que é forçada a sofrer e compactuar e auxiliar abusos sexuais de mulheres e crianças por um cafetão. Ela é presa por conta de envolvimento com drogas e obrigada a ser internada em um hospital psiquiátrico. Isso acontece na década de setenta.
Consuelo descobre, em meio ao desespero, que consegue se comunicar com pessoas do futuro. Aqui se estabelecem mais alguns dos diálogos críticos do livro (até aqui, identificamos críticas intensas às condições de mulheres marginalizadas e ao descaso com pacientes de clínicas psiquiátricas displicentes).
As discussões mais em voga na década de setenta, transitavam por muito âmbitos, não somente políticos e socioculturais, mas também ambientais, e como sabemos, a ficção científica tem como intuito também alertar a sociedade sobre as consequências dos erros que comete.
Em seu diálogo com três mulheres que vem do amanhã, nossa protagonista descobre os pormenores dos resultados catastróficos e dos rumos decadentes da humanidade, caso ela não se policie.
Desde homofobia até problemas derivados do aquecimento global, a distopia é uma grande alerta pra que o mundo contemporâneo da autora se reveja imediatamente.
O limiar interessante entre o que é real, o que é produto da mente e o que é viagem no tempo é muito sutil, o que faz com que o leitor viagem dentro da mente de Consuelo e das suas companheiras de outros tempos.
Infelizmente não se tem notícia de edições traduzidas da obra, mas vale dar uma conferida se você gostar de arriscar no inglês.
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