[MANGÁS] “O Cão que Guarda as Estrelas” e “O Outro Cão que Guarda as Estrelas”, de Takashi Murakami

[MANGÁS] “O Cão que Guarda as Estrelas” e “O Outro Cão que Guarda as Estrelas”, de Takashi Murakami

Nesse mangá, escrito e desenhado pelo multiartista Takashi Murakami, várias histórias se entrelaçam com uma coisa em comum: cachorros – e o aparente objetivo de fazer a gente se emocionar. Malditos ninjas cortadores de cebola! “O Cão que Guarda as Estrelas” ou Hoshi mamoru ino é uma expressão japonesa que descreve uma pessoa sonhadora, que deseja coisas inalcançáveis. Isso descreve bem a persistência no amor de cada cãozinho.

Sinopses
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O Cão que Guarda as Estrelas” é narrado primeiramente por Happy, um akita inu [lembram de “Hashiko”?], que viaja de van com seu “Papai” humano pela costa japonesa. Depois de uma separação inesperada, ao Papai, que tem uma doença terminal, só resta a companhia de Happy, uma van e um monte de coisas que não tem para onde levar. Eles passam a viver uma aventura de estrada super divertida e cheia de descobertas.

Na segunda parte do mangá, chamada “Girassóis”, o protagonista passa a ser Okutsu, um agente social que foi incumbido de descobrir a identidade de um homem morto encontrado próximo a uma área de acampamento. Introspectivo e solitário, Okutsu sai em uma jornada em busca de si mesmo e as duas histórias se encontram no final.

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O Outro Cão que Guarda as Estrelas” foi resultado do sucesso estrondoso do primeiro volume. O autor não tinha pretensão de continuar a jornada, mas amém que o fez graças à boa recepção do público. Aqui ele conta mais 3 histórias, que estão interligadas com as 2 do livro anterior.

Pequeno, o akita irmãozinho de Happy, visivelmente doente, é deixado na caixa onde os dois estavam quando Happy foi adotado. Depois de ser ignorado por muitos, ele é adotado por uma velha ranzinza que vê nele a motivação que faltava para tirar a própria vida, mas claro que não é bem assim que acontece.
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Aqui temos também a retomada da história de um garotinho maltrapilho que cruzou o caminho de Happy e papai no primeiro volume. A vida de abandono do garoto o faz fugir da mãe e andar sozinho para encontrar seu avô, única pessoa que já lhe deu afeto.

E a 3ª história é narrada pelo pug que nunca foi comprado em uma pet shop. Escanteado numa jaulinha depois de crescido, ele só tem a companhia dos dois vendedores da loja, que aos poucos começam a ficar aflitos pelo destino iminente do pug. Mas sua inocência não permite que ele entenda o que está para lhe acontecer.

Comentários sem spoilers
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O que identificamos como ponto central de tudo é a dedicação totalmente gratuita dos cães. Cada história é bem dramática, mas em nenhuma delas isso é percebido pelos cães. O fato do Murakami ter humanizado os cachorros criando falas para eles, como se pudéssemos ler seus pensamentos, os fez parecer com crianças em sua mais pura inocência. Eles ficam do lado dos donos chamando pra brincar e passear, sem perceber o abismo psicológico em que eles vivem. Aí estão as inalcançáveis estrelas em que os cães miram, o amor e a gratidão por seus donos.

A forma como as histórias se entrelaçam é belíssima. Inevitável não pensar que o autor já tinha o segundo volume pensado quando fez o primeiro. Com os humanos, ele aborda temas como o “papel” do homem e da mulher no casamento, a depressão, a morte, a natureza da maternidade, a indiferença diante da vida. Todo uma gama de assuntos complexos sob o olhar de criaturas nada complexas.

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É interessante como o autor faz um esforço bem grande para que o leitor não julgue os personagens, assim como os cães não o fazem. [Mas eu não consegui, tá?! Nasci gente mesmo. Desculpa aí, Murakami]. Ele chega a comentar isso no final do primeiro volume, a respeito da indiferença do Papai com relação à família. O homem parece que ligou o piloto automático e não demonstra muito interesse nem pela filha, nem pela esposa – nem mesmo pelo Happy. Pra ele, tudo tanto faz. E então quando a esposa finalmente pede o divórcio, ele se mostra muito surpreso, sem entender de onde veio aquilo. Isso é um retrato até bem construído do machismo no casamento, de como o homem nunca é responsável pelas coisas que dão erradas. E depois quando só Happy fica com ele, o Papai passa a demonstrar o carinho que nunca demonstrou em casa, talvez por ter percebido o quanto ele perdeu sendo apático, mesmo amando a família.

Talvez seja ingenuidade por parte do autor não querer que os leitores destrinchem esse tipo de interpretação. Talvez por ser homem ele não veja muita importância em dar luz ao assunto, mas de qualquer forma, ele acabou criando uma representação bem legal pra isso.

Filme
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Não poderíamos deixar de comentar que “O Cão que Guarda as Estrelas” ganhou uma adaptação em live-action em 2011, mesmo ano de lançamento de “O Outro Cão que Guardava as Estrelas”. Colocar os cachorros pra falar, talvez não criasse o clima necessário pra linguagem cinematográfica, então a direção optou por contar tudo sob a narrativa de Okutsu.

Em vez de começar com a história do Papai e Happy, o filme mostra a jornada de Okutsu pelo Japão atrás do paradeiro dos dois. Ele visita mais lugares que no quadrinho e tem a companhia de uma menina que fugiu de casa e resolveu pegar uma carona com ele. A personagem é maravilhosa, mas a introdução dela achei bem bizarra. Do nada uma menina adolescente entra no carro de um homem adulto e viaja com ele, sem nem saber o nome do cara?! Por mais ficção que seja, isso é assustador! E claro, no filme é tudo descrito como fofinho. Problemático demais.
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Outra coisa peculiar que mudou do quadrinho para o filme é a ordem que é contada a história de Happy e Papai. Como Okutsu não conhece os dois, a história deles vai sendo construída com as evidências que o agente social vai recolhendo na viagem. Ou seja, só no fim do filme é que será mostrado o motivo da viagem de Happy e Papai, o que muda consideravelmente a interpretação. Papai é mostrado como um herói maravilhoso e perfeito, e quando mostra a relação dele com a família, o filme dá a entender que ele mudou o comportamento depois que foi demitido e descobriu a doença grave. No quadrinho fica claro que ele já era assim desde sempre e é mostrado logo no começo da história.

Mais um detalhe importante para citar é que no filme o foco acaba ficando mais nos humanos do que nos cachorros. Mesmo assim, essa mudança é bem natural por causa da linguagem, não constituindo um ponto negativo. E no fim das contas a emoção é garantida como no quadrinho. Não tem como fugir disso, prepara o lenço.

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Olha o Happy chegando na casa nova!

Apesar de dramático, o filme é bem leve e talvez tenha ocorrido um certo esforço pra adequá-lo a todos os públicos, mesmo pelo apelo de colocar uma adolescente como personagem principal, junto com Okutsu. É um road movie divertido e bonitinho, bem sessão-da-tarde.

O filme foi uma ótima adaptação, considerando o material que tinham e tirando a forma como a adolescente foi introduzida. Ele procura ser fiel ao clima do quadrinho e ao mesmo tempo cria seu próprio jeito de contar. Afinal, adaptação cinematográfica tem que ser assim, né?! Vale a pena ler os quadrinhos e conferir o filme [por que, não?!].


O Cão que Guarda as Estrelas + Outro Cão que Guarda as Estrelas

Takashi Murakami

Editora JBC

132 páginas cada

Onde comprar: Amazon

Escrito por:

39 Textos

Bagunceira e bagunçada, por dentro e por fora. Prefere ver séries em maratonas, menos Game of Thrones, porque detesta spoiler. Totalmente apaixonada por desenho e animação. Tem mania de citar filmes em conversas, conselhos, brigas ou onde couber uma referência. Prefere gastar dinheiro com quadrinhos do que com comida, sendo muito entusiasta do quadrinho nacional e graphic novels em geral. Formada em Jornalismo, mas queria mesmo trabalhar com roteiro e ilustração.
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