[CINEMA] “Estranha”: sobre maternidade e visibilidade lésbica (Festival do Rio)

[CINEMA] “Estranha”: sobre maternidade e visibilidade lésbica (Festival do Rio)

O longa-metragem de estreia da chilena Pepa San Martín aborda um tema aparentemente banal no cenário cinematográfico: filhos que precisam encarar uma nova configuração familiar após a separação dos pais. A relevância deste filme está justamente em sua singularidade. “Rara” (no original) tem um roteiro pautado na visibilidade lésbica, uma vez que Sara (uma menina de 13 anos) e sua irmã mais nova, após o divórcio, passam a viver com a mãe e sua companheira.

Quem conduz o olhar da câmera é Sara, que está entrando na adolescência, difícil fase de descobertas sobre o próprio corpo e sobre o primeiro amor. Se não bastassem os dilemas comuns à idade, ela se vê ainda perturbada pelo preconceito que seu pai biológico e os funcionários da escola em que estuda começam a demonstrar pelo fato de viver em uma casa com um casal de mulheres. Poderíamos aqui lembrar da comédia dramática “Minhas Mães e Meu Pai”, dirigida por Lisa Cholodenko, que também tangencia a problemática da relação de um casal de lésbicas criando filhos, porém sem se aprofundar, de fato, na questão da guarda das crianças.

Neste eficiente drama em que Pepa San Martín assina o roteiro junto com Alicia Scherson, a questão da guarda dos filhos por casais de mesmo sexo é tratada de forma singela, sem maniqueísmo, sem tom panfletário, enxuta, seca e sem grandes arroubos, mas deixando claro o quão a sociedade ocidental latina ainda precisa evoluir para repensar suas bases familiares. O que deveria ser levado em conta na hora do judiciário avaliar qual a melhor forma de vida que crianças com pais separados devem experimentar, para além do fator econômico, é o amor, a solidez e o afeto das relações.

Em tempos em que o conservadorismo impera no Brasil, com a tramitação no Congresso Nacional de um projeto de Lei que pretende abolir o estudo de gênero das escolas, assim como a recente aprovação do Estatuto da Família, que visa o não reconhecimento da configuração familiar diferente de pai e mãe biológicos (formados exclusivamente por casais heterossexuais de homem e mulher cis) e seus filhos, esse filme se apresenta imprescindível por ser extremamente necessário e pungente.

Vencedor do Prêmio Félix do Festival do Rio 2016, na categoria de melhor longa-metragem de ficção com temática LGBTQ, “Estranha” nos mostra que, na verdade, o estranho é não reconhecer que uma família formada por 4 mulheres (duas mães e suas duas filhas) é extremamente feliz e funcional, com problemas comuns a qualquer estrutura familiar formada por qualquer configuração de gênero.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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