[CINEMA] “O Silêncio do Céu”: um drama intenso e perturbador

[CINEMA] “O Silêncio do Céu”: um drama intenso e perturbador

O Silêncio do Céu (Era El Cielo) é um filme de 2016, de parceria entre Brasil e Chile, baseado na obra de Sergio Bizzio (o nome do livro é o mesmo do filme em espanhol), dirigido pelo cineasta paulista Marco Dutra, com roteiro de Lucía Puenzo, Caetano Gotardo e Sergio Bizzio. O filme foi rodado no Uruguai e é quase todo falado em espanhol.

O elenco conta com Carolina Dieckmann, Leonardo Sbaraglia, Chino Darín, Mirella Pascual, Álvaro Armand Ugón, Roberto Suárez, Paula Cohen e Gabriela Freire, Dylan Cortes, María Mendive, Priscila Bellora, Susana Groisman e Walter Rey.

[O TEXTO POSSUI SPOILERS] [AVISO DE GATILHO]

Mario (Leonardo Sbaraglia) e Diana (Carolina Dieckmann) são casados e possuem dois filhos. Recentemente voltaram a ficar juntos após uma separação. O filme começa com uma cena de estupro. Diana é violentada por dois homens dentro de sua própria casa, uma sequência fortíssima e pesada.

Na cena vemos apenas o rosto de Diana, sua expressão, seu olhar que mistura terror e desespero. O foco não é a exposição de seu corpo, um ponto positivo, já que a exploração do corpo da mulher neste tipo de cena infelizmente ainda é muito comum.

Do lado de fora, Mario está chegando em casa e ouve um barulho. Com receio, caminha pela lateral da residência para tentar ver o que está acontecendo no interior dela. Ele escuta gemidos e percebe que são de Diana e mais alguém, então ele olha rapidamente pela janela do quarto, de onde vem os sons, e vê o estupro acontecendo. Mario fica apavorado e não sabe o que fazer, pega um jarro de barro do jardim, mas fica hesitando em entrar na casa, depois pega uma pedra grande e quando decide entrar os estupradores fogem sem vê-lo.

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Mario (Leonardo Sbaraglia)

Mario vai ajudar a esposa como teria feito minutos antes? Não! Ela nem o vê e ele corre atrás dos dois homens que entram em uma caminhonete e sai atrás…a pé. Claro, ele não os alcança. Diana então liga em seu celular e ele atende afobado, mas ela está com a voz tranquila e apenas pede para que Mario pegue as crianças na escola. Ele pergunta a razão e ela somente diz que não está se sentindo bem, então concorda em pegá-los, mas fica sem entender sua atitude.

Quando chega em casa com as crianças, Diana está de banho tomado e com uma aparência serena. A partir desse ponto, vemos o início de um silêncio de ambas as partes sobre o caso: Diana não quer contar o que aconteceu dentro da própria casa, e Mario não fala sobre o que viu, e esse é o ponto de partida do filme.

Mario não consegue entender a razão de Diana se calar sobre o estupro, mas fica claro que ela não quer preocupar a família, nem causar terror entre eles, e que aparentemente tem receio também do julgamento. Diana então resolve lidar com o medo e o trauma sozinha. Aos poucos ela vai dando sinais de como a situação afetou drasticamente o seu emocional. Pesadelos se tornam diários na vida de Diana, e ela procura por mais segurança dentro da própria casa. Em determinados momentos do dia ou da noite, quando revive tudo o que passou, ela sente uma enorme necessidade de tomar banho por se sentir suja. Mario nota isso, mas não interfere ou questiona o que está acontecendo com ela em momento algum.

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Nota-se que Mario tem um sério problema: tem medo de tudo. Boa parte do filme ele divaga sobre esses “medos”, entre aspas porque tudo isso nada mais é do que uma forma de mascarar a sua covardia. Covardia, budamolisse, chame do que quiser. Ele não enfrenta as coisas, não dá a cara a tapa, e usa de justificativas vazias para parecer menos otário do que é. Otário? Sim, para não dizer outra palavra. Que ser humano é esse que vê a esposa sendo estuprada por dois homens dentro da sua própria casa e não faz nada pra ajudar? Esse é Mario.

Como ele gosta de utilizar dessas justificativas vazias, Mario então resolve que irá se “vingar” do que aconteceu com a esposa procurando pelos os responsáveis e punindo-os. Nota-se uma clara tentativa de minimizar sua culpa, mas em que isso ajuda Diana? Ela precisa de apoio, cuidado e carinho, não de um super-herói que dê um jeito nos dois caras, pois o trauma dela continua ali com ela. Se ele tivesse intervindo na situação enquanto ela estava acontecendo, mesmo que ele não conseguisse segurar os dois caras na casa, poderia ter procurado a polícia e Diana não ficaria guardando pra si o trauma, já que ele seria de conhecimento do seu parceiro também; na verdade é, mas ela não sabe.

Mario dá várias bolas fora, como quando descobre que um dos estupradores trabalha numa loja de plantas. Ele resolve comprar um cacto pra esposa (Diana adora cactos) e ela vê o nome da loja e se apavora, óbvio, porque ela sabe que o cara trabalha lá, então como forma de se livrar da péssima lembrança resolve se desfazer de todos os cactos que tem. Mario se sente no dever de “macho alfa” de resolver a situação toda a seu modo, ele acha que está certo e que isso vai dar um alívio para Diana, mas na verdade essa atitude é uma tentativa dele de se sentir aliviado, de sentir que fez algo para ajudá-la, para justificar sua total omissão.

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Diana tem medo do julgamento de Mario, da família, do que vão dizer sobre tudo que ela passou. Muitas mulheres (senão a maioria) que sofrem esse tipo de violência se calam justamente por isso, porque na nossa sociedade ainda falta compreensão e apoio para mulheres que passaram por tal situação. Dá uma agonia enorme ver as atitudes de Mario e as consequências que o trauma causou em Diana vindo à tona, enquanto seu marido está numa saga de justiceiro achando que sua motivação é boa e que isso vai ajudar em alguma coisa.

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Diana (Carolina Dieckmann)

Assistir esse filme tendo em pauta hoje discussões sobre como punir casos de estupro e ver homens querendo decidir a esse respeito, achando, por exemplo, que castração química resolve todos os problemas, mas sem perguntar às mulheres que são as vítimas afetadas por crimes como esse, gera um desconforto enorme. 

Mario pode ser um bom homem, mas não cabe a ele decidir o que é melhor para Diana. Se ela decidiu seguir com a vida, aceite, mas ajude a tratar desse trauma. Ele não tinha razão nenhuma para mentir, aliás, isso só piorou as coisas. A verdade poderia ser dura para Diana, mas pelo menos ele ajudaria a esposa a passar por um momento tão delicado. Ela por sua vez não mentiu, ela omitiu uma situação que ela não sabe lidar, uma violência que ela ainda não consegue processar, e que ainda é tão palpável, aterrorizante, desesperadora e que não vai esquecer nunca. O filme gera muitos questionamentos, além de uma agonia enorme diante de tantas atitudes falhas de Mario. 

Carolina Dieckmann impressiona bastante no papel de Diana, por ser uma personagem tão densa e complicada de desenvolver. Leonardo Sbaraglia conseguiu construir um personagem detestável logo no começo, mas isso porque sua atuação é muito convincente e fiel. A direção, fotografia e roteiro são muito bons, vale a pena assistir!

Escrito por:

Formada em Rádio e TV, maratonista e viciada em séries, eterna amante de um bom filme, escreve desde quando só conseguia usar desenhos para contar suas histórias, apaixonada por “Titanic” e uma quase bailarina que aprendeu muita coreografia em clipe da MTV. Sonha em morar no Canadá, escrever um livro, ter filhos, ser doula e conseguir colocar suas séries em dia.
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