[CINEMA] “The Stopover”: o protagonismo das mulheres no contexto militar (Mostra SP)

[CINEMA] “The Stopover”: o protagonismo das mulheres no contexto militar (Mostra SP)

São raros os filmes de ficção em que se vê mulheres como protagonistas, exercendo a função de soldados, em histórias cuja temática é a guerra. Em sua maioria, ganham papéis de médicas ou enfermeiras, reforçando o estereótipo de que “mulheres são boas para cuidar” ou, ainda, de espiãs gostosonas incorporando o arquétipo fetichista da “femme fatale”.

Alguns poucos filmes conseguem escapar do senso comum, construindo narrativas verossímeis e interessantes em que as mulheres ganham protagonismo exercendo funções que, em 99% dos casos, são representadas por homens. Dois bons exemplos recentes são o francês “Amor a Primeira Briga” (2014) de Thomas Cailley e o colombiano “Alias María” de José Luis Rugeles (este último ainda inédito no Brasil, sendo, inclusive, o indicado pela Colômbia para concorrer a uma das vagas de filme estrangeiro no Oscar de 2017).

“The Stopover” é um filme que narra a história de Aurore (Ariane Labed) e Marine (interpretada pela cantora Soko) duas jovens militares que, após servirem no Afeganistão, ganham um fim de semana em meio a turistas num exuberante resort cinco estrelas no Chipre. O objetivo deste final de semana de luxo faz parte da estratégia militar de “descompressão” a fim de desintoxicar os soldados que acabaram de passar por situações traumáticas de guerra.

Não é à toa que as irmãs Coulin ganharam o prêmio de roteiro na Mostra “Un Certain Regard” do Festival de Cannes (2016). Desde o primeiro plano, vemos uma excelente tomada de que o filme será todo narrado sob o ponto de vista e o olhar das protagonistas (vide a imagem abaixo), deixando claro que esse olhar, está sempre em perigo, mesmo quando o ambiente hostil da guerra parece ser deixado pra trás. O clima de tensão permeia toda a trama de forma bastante eficiente, uma vez que uma tragédia está sempre prestes a acontecer. 

Destaque para a excelente atuação da cantora francesa Soko, que rouba a cena sempre em que sua personagem é colocada em perspectiva. A inspiração ao filme “Bom Trabalho”, da diretora francesa Claire Denis, é bem evidente tendo, inclusive, uma cena reproduzida numa bela homenagem. Outro ponto alto do filme é a forma como a amizade entre as mulheres é trabalhada pelas diretoras reforçando a noção de sororidade tão importante para os movimentos feministas.

“Voir du pays” (no original) trata-se de um ótimo filme sobre guerra e, principalmente, sobre as consequências que uma guerra pode gerar nas pessoas que dela participam. O protagonismo das mulheres em situações de conflito armado é muito mais comum do que o cinema costuma retratar e por isso este filme já se torna interessante, já que confere um novo olhar sobre o lugar das mulheres em um contexto militar.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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