[CINEMA] “Depois da Tempestade”: a sabedoria do matriarcado (Mostra SP)

[CINEMA] “Depois da Tempestade”: a sabedoria do matriarcado (Mostra SP)

O novo longa-metragem do diretor japonês Hirokazu Kore-eda é uma singela e delicada história sobre as desventuras de um homem em crise de meia idade. Ryota (Hiroshi Abe) é divorciado, autor de um único livro, trabalha como detetive particular cometendo várias contravenções, além de ser viciado em jogos de azar. Apesar de todas essas qualidades negativas, Ryota jamais é apresentado como vilão ou digno de pena, sendo este um dos grandes méritos do roteiro.

A direção de Kore-eda é tão generosa que o protagonismo da trama é fluído e os personagens, a medida em que aparecem, vão ganhando suas camadas e arcos narrativos próprios, mas sempre interligados ao todo.

Neste sentido, todo o destaque merece ser dado à atuação maravilhosa de Kirin Kiki que interpreta a matriarca da família e é o primeiro contato que o espectador tem com a história. De humor sagaz e inteligência astuta, Yoshiko é o fio condutor não apenas da família de Ryota, mas também do roteiro escrito pelo próprio diretor. Na sequência, somos apresentados à irmã de Ryota, que com sua mãe, tem diálogos afiados sobre velhice, solidão e expectativa de vida para uma mulher viúva e de idade avançada. Ressalte-se que as mulheres desenhadas em “Depois da Tempestade” são construídas com o olhar delicado e sensível de um diretor que se esforça para neutralizar os machismos e que prova o quão admirável é poder trabalhar um roteiro sem cair nos maniqueísmos e arquétipos com os quais a sociedade e o cinema costumam “aprisionar” as mulheres.

Para completar, Ryota tem um filho, de um casamento que não deu certo. E o espectador segue a rotina dessa família que, de alguma forma, está em transformação. Yoko Maki interpreta a ex-esposa que precisa lidar com as dificuldades de criar um filho sozinha, uma vez que Ryota tem um passado errante e um futuro apenas de promessas vazias. Porém, um tufão se aproxima e esse poderoso evento da natureza acaba por confinar Ryota, a ex-esposa e o filho na casa de Yoshiko. O que acontece depois da tempestade é o que a beleza da vida cotidiana agracia. Com ares naturalistas, este belo filme, de diálogos entrecortados por refeições caseiras ou jogos de tabuleiro, fala sobre os pequenos detalhes de um cotidiano familiar que se passa no Japão, mas de linguagem universal.

Kore-eda é um diretor que presa pelas sutilezas. Nada em sua narrativa, quase sempre convencional no que diz respeito à estética, é desprovida de significado ou simbologia. Realizando a proeza de escrever e dirigir quase um filme por ano, “Depois da tempestade” é uma ode à simplicidade e um deleite para os cinéfilos. É a prova de que é possível construir uma narrativa densa e concisa sem apelar para sentimentalismos banais. Permeado por personagens de mulheres altivas e com personalidades marcantes, “Depois da Tempestade” recebeu o premio da crítica de melhor filme estrangeiro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2016).

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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