Annalise Keating (Viola Davis) é a protagonista da série How To Get Away With Murder, produzida pela Shonda Rhymes e transmitida pela ABC.
A série de 2014, gira em torno de uma professora de direito penal, Annalise, e de um grupo de alunos que estagiam em seu escritório: Michaela Pratt, Connor Walsh, Asher Millstone, Laurel Castillo e Wes Gibbins. Após o assassinato de uma aluna, as lições apresentadas pela renomada professora não serão importantes apenas para suas notas ou para o futuro profissional deles, mas para a própria liberdade dos alunos.
A cada temporada um novo grande mistério é desenvolvido na trama, envolto por casos menores de alguns capítulos. A maioria deles trazem grandes dilemas sociais, sobretudo a violência contra a mulher.
Ao longo das temporadas, inúmeros exemplos foram trazidos ao tribunal e abordados também através da história de Annalise, a qual nem sempre pode estar do lado que gostaria de defender. Entre abusos físicos, psicológicos e assassinatos em série, a produção mostrou não temer tocar em feridas abertas e expor os vários cenários desta espécie de violência.
O excelente trabalho de Annalise deve-se, eventualmente, a atitudes não ortodoxas, o que leva muitos personagens a verem seu caráter como antagônico aos preceitos morais. Todavia, em seus discursos e práticas, o que se percebe é uma mulher que teve de lutar por poder e que defende seu poder da maneira que pode, independentemente das feridas que pode causar em uma sociedade dominada por preconceito e hipocrisia.
Annalise não somente é uma mulher, como é negra, de origem pobre e bissexual. Em sua juventude foi abusada por um parente, fato que origina grandes problemas psicológicos no seu presente. Cresceu acreditando na conivência da mãe – que mais tarde revela o extremo a que chegou para defender sua filha – e nas palavras dela de que todas as mulheres sofrem e devem aceitar seu sofrimento. Cresceu com a vontade de lutar contra esta realidade. E, ainda assim, acabou em um casamento abusivo.
Embora forte e aparentemente segura, a Annalise fora dos tribunais apresenta graves problemas de autoestima e acreditava quando seu marido dizia que ela destruía tudo. Antes de se casar com Samuel Keating, um professor branco e renomado que nutria casos com suas alunas, Annalise aceitara sujeitar-se ao papel de amante, na esperança de aquele homem, o “único” capaz de amá-la, a aceitaria em outro papel.
Mas os anos mostraram que Sam não era apenas o homem amoroso que se apaixonara perdidamente por ela. Pelo contrário, era um homem que amava mais seus privilégios, que traía e culpava a esposa, que chegava ao extremo de bater nela, com se ela fosse fraca e impotente – algo completamente diverso do que as pessoas viam nos tribunais.
Ninguém no entorno de Annalise foge desta cruel realidade. A protagonista escolhe para estar ao seu lado pessoas que, como ela, conheceram o lado feio de um mundo que prega a justiça. Gays, mulheres negras, mulheres abusadas na infância, mulheres sob o domínio de homens autoritários. Estas pessoas são as selecionadas por Annalise para auxiliá-la em sua batalha cotidiana, demonstrando a aversão da protagonista aos privilégios elitistas.
As práticas e discursos da implacável advogada podem parecer vazios quando confrontados com seus problemas pessoais, os quais envolvem alcoolismo, depressão e problemas em relacionamentos. Todavia, defender uma causa não significa estar imune a ela. Annalise mostra que todos convivemos com a hipocrisia, que todos sofremos alguma espécie de violência.
O problema é que alguns grupos sofrem mais do que outros. Alguns grupos são constantemente a vítima do abuso e outros tantos são constantemente os agressores. Alguns possuem a liberdade de agredir, enquanto outros não possuem sequer a liberdade de se defender.
E estar exposto à violência não diminui a vítima, mas concede a ela ainda mais motivos para lutar por uma realidade diferente. Annalise não é convencional, não é unânime e tem seus momentos de queda por mãos dos mesmos costumes contra os quais tenta lutar. Porém, são estas quedas que a fazem lutar diariamente por uma justiça diferente daquela imposta por uma elite dominante.
Não se pode falar sobre Annalise Keating sem mencionar a impecável atuação de Viola Davis. A atriz, que constantemente realiza discursos empoderadores em relação às mulheres e aos negros, que já relatou ter sofrido abusos, faz com que esta personagem seja extremamente humana. Viola é capaz de mostrar a fraqueza e a força de Annalise de uma forma única e real, de modo que a torna a grande força motora da série.
How To Get Away With Murder tem seus defeitos, como todas as séries. Perde-se em alguns momentos diante tantos mistérios e, muitas vezes, deixa a desejar. Todavia, é uma série que se preocupa em mostrar como o sistema penal está interligado a graves problemas sociais. E a violência contra a mulher, assim como o racismo, é um tema recorrente em seus episódios.
É importante que se veja que as artes (a literatura, o cinema, a televisão, a música, etc.) podem ser utilizadas como instrumentos de incentivo e fortalecimento desta luta, e não somente como meios de reprodução de uma cultura que oprime e machuca. A violência contra a mulher ocorre diariamente e muitos preferem ignorar sua existência. Mas ela existe e precisa ser revelada para ser combatida.