[LIVROS] “O Erro – Amores Improváveis”, de Elle Kennedy (resenha)

[LIVROS] “O Erro – Amores Improváveis”, de Elle Kennedy (resenha)

Qual é o sinal de que o amor está para acontecer?

Qual é o sinal para que entendamos o quê queremos pra nós?

Logan é um rapaz de 20 e poucos anos e que desfruta do que acredita ser o ideal de um universitário esportista na Universidade de Briar: beber, se divertir e estar com as mulheres. Bonito, em atlética forma física, no auge da força, ele é desejado pelas mulheres e cobiçado pelos olheiros dos times profissionais do hóquei. Em seu último ano de faculdade, porém, sofre com a impossibilidade de ser um profissional desse esporte. Ele e seu irmão dividem os cuidados com o pai alcoólatra e a manutenção da oficina mecânica da família, único sustento deste último.

Para além disso, John Logan também luta contra um amor platônico pela namorada de seu melhor amigo Garret, que mora na mesma casa com ele e outros rapazes. Tentando fugir da tentação, Logan passa o tempo em que não está treinando entre bebidas e muito sexo casual.

Até que um dia, completamente por acaso, ele conhece Grace. Como o próprio Logan explicita, Grace é diferente de todas as mulheres com quem ele tem se relacionado no campus. Não tem uma beleza exacerbada nem a sensualidade à flor da pele; não se maquia muito, está normalmente vestida com roupas esportivas e, espantosamente, apesar de claramente achar que Logan é um homem muito atraente, Grace não fica “caída aos pés dele” como supostamente todas as outras costumam ficar.

Em “O Erro – Amores Improváveis”, os capítulos são divididos na voz de cada uma das duas personagens, ora Grace, ora Logan. A autora, então, encarna as vozes de cada um deles, tecendo a trama constitutiva de cada personagem. Assim, podemos, de certa forma, testemunhar os fatos pelos vieses de cada um deles . 

Capa do livro

O livro está sinalizado como conteúdo adulto e isso tem uma boa explicação: os momentos de intimidade do casal principal são descritos de forma bastante aberta para o leitor, detalhando pormenores picantes sempre que pode. A estória, que na verdade não traz nenhuma luz nova no tocante aos relacionamentos sexuais de um casal jovem, branco e hétero, pelo menos tem um apelo sensual que a deixa mais interessante. 

Não seria exagero defini-lo assim: um ligeiro conto de fadas em que o garoto cobiçado da escola não só se apaixona como há muito não o fazia, como o faz com uma garota teoricamente completamente normal. Seria algo inclusive ingênuo e despretensioso dentro do conteúdo adulto e que passaria sem maiores críticas. Não fosse por um pequeno e incômodo detalhe: é preguiçosamente machista.

Começando pelo recorte. Tudo bem contar uma estória de amor heteronormativa. É completamente possível que a visão do sexo seja tão conceitualmente straight, com uma mulher que se sente absurdamente atraída por um homem e tenha orgasmos com o menor esforço do parceiro. O que incomoda é que isso é feito sem nenhuma nuance. Os homens são super machos que gostam de mulher – com um esforço explicativo enorme quando um homem por acaso se manifeste emocionalmente junto a outro – e AS OUTRAS mulheres ou estão tirando as roupas nas festas ou fazendo sexo com esses machões.

Mas isso pode piorar e piora: em ambas as colocações, ou seja, quando a autora fala como sendo Grace e também quando ela fala como sendo Logan, ela usa e abusa de clichês os mais rasos e ofensivos, na maior parte machistas, seja chamando as garotas de “maria chuteira”, seja reforçando a dicotomia de que Grace era “diferente” e chamou mais a atenção de Logan porque ela “não tinha tantos mimimis quanto as outras garotas e até gostava de filmes de ação”.  Continuamente, a diferenciação de Grace em relação às outras é apontada no livro por algum aspecto físico e de aparência (“estava bem e linda em roupas esportivas” ou “usava pouca maquiagem”);  e também é extremamente incômodo como a relação entre os homens é vista como pitoresca, engraçada, como os defeitos deles são vistos como charme uns pelos outros e como a relação entre as mulheres é sempre marcada pela vulgarização ou pela inferiorização das atitudes delas, apontando a frivolidade, a fraqueza, a insegurança, a superficialidade. De todas, menos de Grace, para quem os defeitos são quase um mérito, pois ajudaram a construir seu caráter.

Elle Kennedy

Não me espantaria que um autor, homem, tratasse do assunto assim, como tantos outros. Mas estamos falando de uma autora, mulher, uma best seller do New York Times, chamada Elle Kennedy. É uma mulher que escreve, em pleno século XXI, sobre relações amorosas entre jovens universitários. Não sei se por uma crescente – e a meu ver,  irreversível  –  imersão no feminismo e nas questões de gênero, e, por isso, tendo acesso a informações sobre como as relações amorosas até hoje ainda possuam um contingente tão grande de abuso e violência contra a mulher, acho cada vez mais difícil admitir e gostar de um conteúdo que perpetue o machismo, ainda que sob a forma da ficção, ainda que querendo se fazer sorrateiro. É um desserviço. E é também uma grande pena. Primeiro porque a autora, que deve ter acesso a milhões de leitores e principalmente leitorAS, acaba por servir a elas mais do mesmo, uma comida requentada cujo tempero pretensamente festejado é um erotismo comportado; segundo que, ao se manter numa pretensa zona de conforto confirmando clichês, ela sequer se sobressai a ponto de figurar por mais tempo na mente e nos corações dos leitores. A memória de “O Erro – Amores Improváveis” enquanto literatura fica mais volátil até que um episódio de uma série mediana de TV.


O Erro – Amores Improváveis
Autora: Elle Kennedy
Editora Companhia das Letras/ Selo Paralela
Ano: 2015
279 páginas
Onde comprar: Amazon
Este livro foi cedido pela editora para resenha.
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12 Textos

Mulher, feminista, formada em Comunicação, pós em Design e Marketing e sonhando com um Mestrado em Cinema. Pinta, borda, lê e pergunta muito, porque resposta acaba, mas pergunta renasce todo dia. Aprendendo a ser mãe. Gosto de gato, de sol e de vinho frisante.
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